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Capítulo 4 - O Carinha de Óculos

Lokelani do Sul era o nome da faculdade em que Hanna estudava. Ela levava esse nome por causa de sua fundadora, Lokekani Roux. Era ela uma mulher de garra que havia trazido o ensino superior para a pequena cidade de Marjorie a alguns anos atrás. Não havia muito registros sobre ela, entretanto o pouco que existia era estudado na faculdade. 

Em Lokekani, não havia uma enorme quantidade de cursos, estudavam somente os mais básicos. Mas, por isso, a qualidade do ensino era alta. Ninguém podia reclamar se caso fosse aceito — tinha que passar por uma prova para testar seus conhecimentos para se mostrar digno de estudar lá. Quem se formava tinham um ótimo apoio e recomendações que garantiram uma menor dificuldade ao conquistar um emprego ao entrar no mercado de trabalho. 

Recomendações eram o que regia e motivava os jovens a estudar em uma faculdade em sua própria cidade. E também era um dos motivos que trazia vários estudantes de cidades vizinhas para morar em Marjorie. Essa era umas das coisas que movimentava a economia da cidade.

— Hanna! — Mia a chamou, estalando os dedos em sua frente. Hanna piscou, sem compreender direito o que estava acontecendo. — Você está me ouvindo?

— Desculpa, eu viajei agora — pediu, passando uma de suas mãos sobre seus fios castanhos.

— Não, imagina — disse, ironicamente. Fiore revirou os olhos e voltou a olhar para a mesa onde estava o novo estudante. 

Ele era uma gracinha. 

Pela curvatura de seu corpo, Hanna podia dizer que ele não era muito alto. Sua pele era pálida com algumas sardas, seus olhos eram castanhos avelã e seus cabelos eram castanhos avermelhados. Ele vestia impecavelmente o uniforme — até mesmo a gravata parecia estar sem nenhum amassado.

O azul da blusa combinava perfeitamente com sua pele clara, o cinza escuro da calça fazia um contraste com a gravata também cinza e um tênis preto. Ele parecia sorrir discretamente para não mostrar o aparelho que usava e mexia seus óculos redondos toda vez que algum dos outros nerds perguntava alguma coisa.

Era tão fofo!

Hanna nunca tinha o visto antes, o que a levava a pensar que ele era um novato vindo de alguma cidade vizinha. Pela insistência da garota em olhar em sua direção, ele virou o rosto e seus olhos se encontraram.

A jovem deu o seu melhor sorriso, o que o deixou desconcertado e com a pele levemente avermelhada. Rapidamente desviou os olhos e voltou sua atenção para uma garota baixinha que estava tagarelando algo freneticamente em sua frente. Hanna sorriu satisfeita, endireitando seu corpo na mesa. Ao olhar para sua amiga, avistou um sorriso malicioso aparecendo em seus lábios. Engolindo em seco, tentou disfarçar seu constrangimento.

Falhou miseravelmente.

— Pelo jeito já encontrou um novo alvo, certo, Fiore? — Mia provocou, com seu olhar maldoso. Hanna apenas revirou os olhos e negou com a cabeça.

— Novo alvo? O que você está pensando que eu sou, Borges? — indagou, em tom reprovador. — Uma assassina sanguinária, por acaso? — supôs, sarcasticamente. Mia somente deu de ombros e olhou para o garoto novato. Fiore engoliu em seco ao presenciar o olhar avaliador no rosto de sua amiga.

— Ele é bonitinho, usa óculos — ela voltou seu olhar para Hanna —, e faz muito seu tipo. 

A jovem balançou a cabeça de um lado para o outro, não muito à vontade com a suposição.

Era verdade que ela tinha um fetiche por garotos de óculos, mas dessa vez não era somente isso. Era o conjunto da obra toda. Desde o cabelo castanhos avermelhados ao perfeccionismo na arrumação da roupa. Tudo havia encantado-a e isso era a primeira vez que acontecia em muito tempo.

Ou talvez não.

— Não é só isso — negou, voltando a olhar na direção do garoto. Ele estava visivelmente desconfortável, provavelmente por causa dela. — Ele parece ser diferente.

— Diferente, é? — sussurrou, pensativa. Hanna voltou sua atenção para Mia. Ela parecia não acreditar muito, mas não ligou, pois, às vezes, até ela mesma duvidava de suas próprias palavras.

— Que tal mudarmos de assunto? — sugeriu, já imaginando sobre o que conversar: seu livrinho de contos.

— Do que você quer falar? — Fiore sorriu, animada. Rapidamente pegou seu livro na mochila e mostrou para Mia.

— O volume um já está pronto — anunciou, com o peito estufado. Dizer aquilo a enchia de orgulho.

— Não brinca! — Borges literalmente arrancou o livro da mão da garota e começou a folheá-lo. Ao se ver sem seu xodó, a jovem somente bateu o pé em resposta a reação de sua amiga. Isso a irritava. — Está maravilhoso! Vou ficar com ele — anunciou, com um leve sorriso maldoso no rosto. Hanna grunhiu baixo. Nem por cima do seu cadáver!

— Não seja mal educada, ele é meu — disse, pegando seu livro de volta. Como sempre, Mia olhou para ela com uma cara de "cachorro sem dono" e ela não pode resistir ao pedido. Devolveu o livro para a mão de sua amiga fazendo uma cara de "pronto, é seu".

— Você é demais, Fiore! — Ela praticamente gritou, se jogando em cima de sua amiga. 

Todos os olhares se voltaram para a mesa das duas — inclusive a do garoto que Hanna estava de olho. Isso era o que faltava.

— Não seja escandalosa! — repreendeu-a, tirando Mia de cima de si. A carinha de inocência de Borges a deixou sem armas para argumentar ou gritar com ela.

Vendo isso, Fiore suspirou e se levantou. Sem muito cuidado, pegou a mão de Mia e, literalmente, a arrastou para fora do refeitório. Antes de sair pela porta, pode sentir o queimor dos olhos do novato em suas costas. Ela se virou para ele e sorriu maliciosamente. Ao ver a pele dele enrubescer, voltou a arrastar sua amiga e ir em direção ao anfiteatro. De toda e qualquer forma, sua aula já devia ter começado e isso não era algo bom. 

Além de que, sua apresentação para o novato, poderia esperar.

***

Era por volta do meio-dia, e a última aula de Hanna daquela manhã já havia acabado. Ela andava com certa preguiça até o refeitório para comprar um refrigerante para abaixar a temperatura elevada de seu corpo.

Fazia muito calor, provavelmente à tarde teria uma chuva para refrescar como na noite anterior. Suspirando impacientemente, parou em frente de seu armário com o número quatrocentos e cinquenta e oito escritos em sua porta, e guardou seus livros didáticos nele. Ao dobrar o corredor, avistou uma placa escrita "Cuidado! Chão molhado", ela só deu de ombros e continuou andando com toda a animação que não possuía.

Quando estava quase no meio do percurso, avistou, andando lentamente, cabisbaixo e com um fone de ouvido sobre a cabeça, o novato de mais cedo. Sorriu maliciosa ao perceber que ele não só não tinha a visto como também estava distraído demais. Em sua cabeça, aquela era uma ótima oportunidade para criar um belo clichê.

Não era uma ideia mirabolante, ela só precisava continuar andando até ele e se "jogar" em seus braços ou esbarrar em seu corpo para "forçar" sua queda para o lado oposto. Certamente ele pegaria sua mão ou ela mesma. Um plano perfeito para iniciar uma conversa entre os dois de maneira amigável. Sorriu divertida com a ideia, logo se pondo para executá-la.

O que poderia dar errado, certo?

Talvez…

Tudo?

Fiore continuou andando, focando sua visão só nele e, por isso, acabou se esquecendo da placa presente no começo do corredor. Antes mesmo de trombar com o garoto, seus pés deslizaram rumo à parede e ela caiu ali mesmo, fazendo um barulho alto, mas não suficiente para chamar a atenção de seu alvo. Por estar de fone e de cabeça baixa, o novato continuou andando sem nem notá-la. Hanna bufou, indignada.

Só podia ser brincadeira! 

Vermelha, levantou-se com dificuldade, no entanto acabou tropeçando em seus próprios pés e caiu novamente — só que dessa vez estava no meio e não na lateral. Frustrada, fechou seus olhos e tentou esfriar a cabeça. Tudo tinha dado errado e ela não podia se dar ao luxo de cair uma terceira vez. Não depois de ter falhado miseravelmente em seu plano.

— Está tirando uma soneca em um lugar como esse, Fiore? — Uma voz ligeiramente conhecida por ela ecoou logo acima de onde estava. Curiosa, ergueu a cabeça para confirmar quem era.

Não podia ser! Tinha que ser justo ele? 

Vendo que não tinha escolha, sorriu graciosamente para o indivíduo que a encarava com certo divertimento, e rapidamente apoiou sua cabeça em sua mão direita e colocou a esquerda apoiada em sua cintura. Estava se preparando para o confronto.

— Claro! — concordou, irônica. — Eu amo o chão gelado da escola! É tão refrescante — comentou, exalando sarcasmo em cada palavra.

Ele se abaixou e tocou de leve no chão. Seus lábios se curvaram em um sorriso genuíno.

— Realmente, estou até com vontade de te acompanhar agora — ele concordou, e se sentou no chão à frente da garota. Inevitavelmente ela ficou incrédula com a atitude dele. Provavelmente sua roupa ficaria molhada após aquela gracinha.

— Você não tem jeito mesmo, né, Bellini? — indagou, se erguendo para também ficar sentada.

— Só quando estou com você — ele a provocou, deixando-a levemente vermelha. Logo sua risada rouca preencheu o ambiente.

— Muito engraçadinho como sempre — desdenhou, revirando os olhos. Noah somente sorriu. — O que faz aqui, Bellini? Que eu saiba, você já está formado — observou, um tanto quanto curiosa.

— E estou. — Ele parou de sorrir e mostrou uma pasta azulada para ela. — Eu só vim entregar isso para minha irmã.

— Para a Noemi? — Hanna estreitou os olhos um pouco desconfiada, mas logo relaxou. Devia ser isso mesmo. — Faz sentido. 

— Não é? — Ele piscou e, rapidamente, se deitou no chão. Ainda bem que está limpo, Hanna pensou assim que ele pegou sua mão e a puxou junto com ele. — Eu tenho mais dois minutos, quero aproveitá-los.

— Deitado? No chão? Comigo? — indagou, pausadamente. Em cada palavra era perceptível o espanto que ela sentia. — Não pode ser! — negou, divertida. Noah gargalhou, também entrando na brincadeira.

— Por que não? — Seu sorriso era contagiante. Naquele momento, Hanna nem notou que havia um sorriso bobo estampado em seus lábios ou uma expressão apaixonada em seu rosto. Mesmo assim, ela tinha que admitir: ele a afetava de uma forma inexplicável.

— Não é algo normal, Noah. — Hanna respirou fundo, e olhou para o teto do corredor. Ela não deveria estar ali.

— Isso eu já sabia. — Ele se sentou e ela fez o mesmo. Devagar, ele aproximou mais da garota, fazendo com que ela o encarasse. — Quero que me conte algo que eu não sei ainda — pediu, seriamente. Fiore sentiu a respiração quente do rapaz lhe acariciar o rosto. Um friozinho estranho tocou seu estômago com tal aproximação.

— Bem, eu…

O barulho do relógio que estava no braço de Noah os tirou do transe em que estavam. E, como se tivesse algo para falar e já não pudesse dizer por ter sido interrompido, Bellini se levantou, relutante, estendendo sua mão para que Hanna a pegasse logo após. A jovem a pegou mesmo se sentindo indecisa, e ele a ergueu com a facilidade que não parecia ser possível. Naquele momento, Noah parecia pensativo.

— Te vejo por aí, Fiore — ele disse, dando as costas para ela. Acenando, e antes que ela pudesse respondê-lo, saiu com toda a sua imponência do campo de visão da garota, deixando-a sem entender tudo que havia acontecido por alguns instantes, mas não fazendo-a deixar de ir até a cantina comprar seu bom refrigerante. 

Depois do ocorrido, ela precisava da bebida para esclarecer suas ideias.

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