Os fracos raios de luz adentravam lentamente pela janela do quarto de Hanna. A pintura lilás das paredes pareciam mais claras quando expostas à luz do sol, deixando o ambiente aconchegante e calmo — o completo oposto da garota que ali dormia. Naquele dia, Fiore acordou não muito disposta com o toque frenético de seu despertador que ficava ao lado de sua cama. Como sempre, apesar do sol da manhã, fazia um frio de congelar as pontas dos dedos.
Ela se espreguiçou lentamente e sorriu ao sentir o cheiro de pães fresquinhos vindo do andar de baixo. Em um salto, saiu da cama e correu para o banheiro do outro lado do corredor. Naquele pequeno toalete, ela efetuou todas suas higienes necessárias e tomou um bom banho. Infelizmente, ou não, sua aula começava cedo. Hanna cursava literatura e gastronomia na faculdade de Marjorie — a tão aclamada Lokelani. Amava cozinhar variados tipos de iguarias, inclusive aquelas à venda na padaria de sua mãe. Em seus tempos vagos, dedicava sua atenção à leitura. Amava escutar histórias, principalmente aquelas feitas para se emocionar.Inevitavelmente, enquanto olhava no espelho e via seu semblante meio abatido, foi impossível para Hanna não se lembrar da noite anterior. Lembrar das palavras de Eros, da teórica traição de Brendo e das palavras provocantes de Sarah. Ah, e não menos importante, o encontro com aquele impertinente do Noah e suas falas que sempre abalavam o coração da jovem Fiore.Não!Não havia essa história. Nada estava abalado, apenas surpreso com aquelas piadas de mal gosto que aquele ruivo insistia em contar. Era só isso. Hanna murmurava mentalmente sua negação diária enquanto escovava seus dentes com sua escova rosa bebê.Para não cair novamente naquela armadilha, tinha que usar das armas que dispunha. E uma dessas era a negação. Sua fiel companheira.Depois de terminar suas higienes e sair do banheiro, Fiore desceu correndo as escadas de sua casa, dando de cara com seu irmão mais novo no corredor. Anthony ainda estava vestido com seu pijama, com sua escova verde posta desajeitadamente em sua boca. Ela o cumprimentou com um fraco aceno de cabeça, voltando a correr até a sala de estar em seguida. A casa da família Fiore não era muito luxuosa. Era apenas uma construção de dois andares, sendo o primeiro possuidor da cozinha, sala de estar e o quarto do pais de Hanna com o banheiro principal. O oposto do segundo, que possuía três quartos e um banheiro. A pintura interna era azul gelo e a externa era verde oliva. Possuíam uma garagem e apenas um quarto com sacada — para sorte da jovem, esse era o seu. Ao chegar na cozinha, ela viu seu pai, sua mãe e Alba — sua irmã do meio — sentados à mesa. Naquela altura, eles já experimentavam os pães recém preparados por Emma e outras guloseimas feitas por ela.Ao ver a cena, Hanna bateu o pé um pouco irritada com a falta de consideração de seus familiares. Mas, mesmo estando irritada, ela caminhou com suas bochechas levemente estufadas em direção a mesa. Cumprimentando todos com um bom dia, ela se sentou de frente para seu pai, e começou a comer. Inevitavelmente sorriu ao provar de um pão recheado que sua mãe sempre fazia todos os dias para o café da manhã. Tinha que admitir, aquele era o seu favorito.— Bom dia, princesa! — seu pai, Dominic, lhe cumprimentou com um lindo sorriso e seu bom humor matinal. Hanna sorriu levemente sem deixar o ar — recém colocado — sair de suas bochechas. Ela ainda estava irritada. — Algum problema, docinho? — Não, nenhum — negou, calmamente. Balançando sua cabeça de um lado para o outro, pegou um copo de suco e o saboreou com delicadeza. Sua mãe suspirou reconhecendo aquele padrão.— Está irritada, Hanna? — Sua voz soou séria. A garota engoliu em seco e a olhou com sua melhor cara de inocência.— Claro que não, mãe — discordou, olhando de soslaio para Alba. Ela ria baixinho.— Ela deve está irritada por vocês não terem esperado ela — Anthony comentou, aparecendo subitamente na cozinha. Hanna lançou um olhar mortal para ele, mas isso não surtiu efeito algum. Maldito pirralho!— Oh? Então é isso. — Emma sorriu, mas não era um sorriso normal. Em seus olhos via o futuro de uma boa bronca se iniciando.— Não, não é — Hanna tratou de discordar o mais rápido que pode. Seu pai, vendo seu desespero, começou a rir alto. Suas gargalhadas, por mais incrível que pareça, acalmou o ambiente no mesmo instante.— Nada melhor do que um café da manhã em família, certo? — Ele voltou a gargalhar e isso a fez sentir um pouco mal por ter ficado irritada por tão pouco. Talvez fosse mimada demais?— Tem razão, querido — Emma concordou, com um sorriso leve esboçado em seu rosto. Suspirando fundo, Hanna voltou a comer em silêncio. Essa era uma manhã normal com a família Fiore.Enquanto Emma era padeira, Dominic era pesquisador marinho, biólogo e pescador em seu tempo livre. Amava pescar e estudar os animais presentes na baía de Marjorie. Ele era tão bom quanto Emma no que fazia, principalmente porque colocava o coração em tudo que executava e era super gentil. Aliás, esse era o pai de Hanna: um homem bruto fisicamente com um coração enorme e super compreensível. O completo oposto de sua amada mãe.Emma era uma mulher fisicamente delicada, mas por dentro era uma mulher forte, de garra e com um temperamento frio e sombrio ao mesmo tempo. Muitos tinham medo dela e, ao mesmo tempo, a admiravam. Como padeira ela era perfeita, tanto preparando os alimentos, quanto atendendo seus clientes. Hanna a idolatrava por isso e tinha que admitir que talvez ela fosse a que mais temia sua mãe dentre todos que a conheciam. Fatos não tão óbvios assim.— Ah! Eu já estava quase esquecendo — Emma disse, batendo suas mãos uma na outra. Rapidamente levantou-se e se aproximou do balcão da cozinha. — Chegou isso para você, Hanna — continuou, pegando um pacote envolto por um papel marrom claro em cima do balcão e mostrando para garota.Ao ver aquele embrulho, o coração da jovem Fiore disparou, sentindo uma euforia inexplicável percorrer cada parte de seu corpo. Ela se levantou abruptamente e correu até sua mãe. Sem pressa, a mais velha lhe entregou o pacote, sorrindo.— Quando chegou? — perguntou, sem tirar os olhos do embrulho.— Hoje de manhã — respondeu, voltando a sorrir. — Vai lá e aproveita.Hanna não pode deixar de obedecê-la. Sem esperar que sua mãe dissesse algo a mais, ela correu para a sala e se jogou no sofá. Rapidamente abriu o embrulho e tirou o conteúdo com o maior cuidado. Um sorriso bobo apoderou de seus lábios ao ver seu nome escrito na capa escura e sombria do livro que acabara de receber. Sim, era seu livro. Tinha mandado uma gráfica imprimir para ela logo depois de pagar a revisão, capa, diagramação e demais coisas necessárias para a finalização de um livro. Aquele era seu xodó, algo que ninguém além de sua família e Mia sabiam que ela fazia. Seu próprio livro, seu livro de terror.Hanna sabia que a maioria das garotas preferiam, tecnicamente, livros de romances. Entretanto, por causa de sua falta de sorte com amor, havia deixado de investir em algo romântico, escolhendo um caminho oposto: o terror.Seu primeiro livro, uma coletânea de contos repletos de terror, tivera uma boa reputação na plataforma onde publicava. Com isso, teve um desejo: ter pelo menos um exemplar de seu pequeno em suas mãos. E dito, feito. Trabalhando secretamente para suas tias, conseguiu uma quantia suficiente para pagar a parte técnica do livro e, com auxílio dessa gráfica, publicou de forma independente. Talvez não fosse grande coisa, mas naquele dia Hanna estava tão feliz que mais nada parecia importar. Um pensamento que não tardaria a mudar.Hanna ficou mais algum tempo admirando seu livro, Contos De Um Mundo Em Caos, que não viu o tempo passar. Só se deu conta que estava atrasada quando o relógio marcou quase sete da manhã. Desesperada, colocou seu livro dentro de sua bolsa, correu até seu quarto e vestiu o uniforme de sua faculdade. Esse era uma saia cinza rodada e uma blusa de manga longa azul com um desenho de uma flor envolta por correntes estampada no peito. Era uma peça que Hanna gostava muito, e que parecia cair muito bem nela.Pelo menos era o que seu pai dizia toda vez que a via nele.Depois de trocar de roupa, ela se despediu de todos, pegou seu carro, um Uno Vivace vermelho, e saiu a altas velocidades até a faculdade. Sabia que estava sendo imprudente ao dirigir tão veloz pelas ruas da pacata Marjorie, mas precisava e parecia ser para uma causa maior. Entretanto, tinha que admitir que não era a primeira — e não seria a última vez — que havia feito uma coisa não tão legal assim. Por sorte, e para sua felicidade, ela chegou faltando dez minutos para o sinal, sem ser interrompida por qualquer autoridade.— Olha só quem está quase atrasada! — Borges gritou assim que Hanna pôs os pés no jardim do campus. Olhando torto para ela, que não se incomodou nem um pouco, a jovem Fiore correu em sua direção. A amizade das duas era baseada em muita provocação.— E olha a pontual! — debochou, sabendo que Borges tinha acabado de chegar também. — Caiu da cama, Mia? — Não, só meu gato que, literalmente, decidiu cantar de galo — lamentou, falando sério dessa vez. Hanna riu dela, fazendo um sinal para começarem a andar em direção ao refeitório. — Acho que ele não gostou do Patrick e seus roncos — comentou, arrancando uma gargalhada alta de sua amiga. Patrick era o porco — sim, você não ouviu errado — de estimação de Borges. Ele roncava que nem… Bem, muito alto. — Nem eu gosto dos roncos dele, Mia — brincou, arrancando um biquinho indignada da outra. — Você não conta — ela negou, sem dar abertura para nenhum comentário. — Mudando para um assunto mais interessante, como foi sua investida ontem? Fiore parou bruscamente ao ouvir aquelas poucas palavras. Seu bom humor se tornou azedo no mesmo instante e ela se sentiu como uma idiota. Por que Mia tinha que lembrá-la disso?— O que foi? Não me diga que… — Ela sussurrou, já entendendo aquela reação.— É, eu fui trocada — disse, desanimada. Mia suspirou fundo, aproximando-se dela.— Não ligue para isso, amiga! Você vai encontrar um boy que realmente valha a pena! Basta esperar — motivou-a, como sempre. Hanna sorriu tristemente para ela.— Eu já tenho vinte anos, Mia. Essas palavras já não fazem efeito sobre mim — comentou, seca. Borges revirou os olhos e suspirou fundo.— E daí? Vai fazer o que então? Chorar? — indagou, nada feliz.— Não! Claro que não — discordou de imediato.— Então? — Sua voz saiu desconfiada e desafiadora.— Você sabe o que eu vou fazer. — Hanna olhou maldosamente para sua amiga. Entendendo seu olhar, a jovem balançou sua cabeça negativamente.— Nem por cima do meu cadáver.— Você não vai me impedir. — Sorriu, pegando seu celular de sua bolsa. Rapidamente colocou no aplicativo de escrita que usava e clicou no arquivo do volume dois de Contos De Um Mundo Em Caos. Nesse momento, o olhar apavorado de Mia aumentou. — Eu vou matá-lo!— Não! — Mia gritou e roubou o celular das mãos de Hanna. A jovem ficou sem ação ao ver o quão ágil era ela. M*****a estudante de Ed. Física!, praguejou, em pensamento.— Me dê meu celular para eu matá-lo! — esbravejou, correndo atrás de Borges que nem uma louca pelos corredores vazios do campus. Só parou quando o ar faltou em seus pulmões.— Não! Não vai! — sua amiga voltou a gritar, decidida. Ofegante, Hanna tentou correr mais um pouco, mas voltou a parar sem aguentar mais.— Por que? Por que não me deixa matar meu próprio personagem? — indagou, chorosa. Borges deu de ombros, parou de andar, sorriu e ergueu dois dedos de uma de suas mãos em direção a Hanna.— Primeiro, ele é meu personagem favorito. Segundo, não pode matar um personagem por causa da raiva que sente do babaca que o inspirou. E terceiro, e não menos importante — fez uma pausa, erguendo mais um dedo para Hanna —, você pode ser a escritora, mas sou eu que mando nessa bagaça toda! — exclamou, como se houvesse lógica em suas palavras.— Isso não faz sentido, droga! — Hanna gritou, enfurecida.— Eu sei! — ela também gritou, inevitavelmente caíram na gargalhada depois disso. — Ei! O que pensam que estão fazendo? — O vigia, que passava por ali naquele momento, gritou enraivecido. Sem demora, as duas garotas correram até o refeitório. Por sorte não foram pegas.— Isso foi demais! — Hanna afirmou, para sua amiga. Mia sorriu, concordando com as palavras ditas. Sem pressa, escolheram uma mesa qualquer e se sentaram nela sem ligar muito para os olhares ao redor. — Pode me dar meu celular agora? — pediu, em um sorriso tranquilo. Mas bateu o pé assim que Borges negou isso.— Eu não irei te dar. — Balançou a cabeça negativamente. — Vai que resolve matar meu marido? — indagou, com um sorriso zombeteiro no rosto.— Mia — Hanna a olhou incrédula —, você sabe que ele não existe, certo?— Claro que sim! — ela confirmou, mas isso não deixou Hanna muito convencida. — Mas, isso não muda o fato que ele é o amor da minha vida!— Você está louca — disse, rindo dela. Borges a olhou mortalmente, mas Hanna não ligou para isso.Mia Borges era uma mulher negra, de cabelos cacheados volumosos e olhos castanhos avermelhados. Com um corpo perfeito — cheio de curvas por sinal — ela encantava todos os garotos desde sua época do colegial. E na faculdade não era diferente.Suas expressões marcantes e detalhadas, lábios grossos, sorriso claro e estonteante sempre a deixava no topo do ranking de "as mais populares dentre os estudantes da Lokelani". Sempre era assim e, mesmo sendo assim, nunca tinha engatado em um namoro verdadeiro.Infelizmente as duas estávamos juntas nesse barco de amores frustrados.— Tá querendo me pegar, Fiore? — Mia perguntou, muito séria. Hanna piscou sem entender, mas logo o riso zombeteiro que saia dos lábios de Borges a fez cair na real. Ela a encarava a tempo demais.— Até que não seria uma má ideia, Borges — retrucou, ironicamente. Mia riu e olhou para uma mesa cheia de nerds que, naquele momento, as olhavam com repúdio. Os olhos de Mia chamuscaram de ódio, entretanto ela não fez menção em se levantar e ir até eles.Infelizmente, o relacionamento de Mia e os nerds não era o melhor — e isso incluía o de Hanna também. Elas sempre foram muito espontâneas, populares e tinham corpos de dar inveja — cá entre nós, Mia era bonita, mas Hanna ultrapassava sua beleza. Ou era isso que a garota vivia dizendo para si mesma para não ficar com sua autoestima baixa.Eu sei, Hanna sempre foi muito dramática.Hanna Fiore… Se fosse para ela descrever a si mesma, diria da seguinte forma: possuidora de lindos olhos castanhos cor de mel, cabelos castanhos escuros e curtos, na altura dos ombros, e uma pele pálida de dar inveja — sim, sua autoestima sempre fora lá nas alturas —, baixinha, com um corpo mediano e com pernas bem desenhadas. Esse era o seu "eu" físico e criticado, coisa que não ligava muito. Amava a si mesma e não estava nem aí para os comentários maldosos de quem não tinha o que fazer.— Eu não suporto esse julgamento sem fundamento — Borges desabafou, visivelmente chateada. Suas palavras removeram Fiore de seus devaneios.Apesar de se sentir uma rainha, Hanna também se sentia injustiçada por aqueles que a julgavam sem antes conhecê-la. Era uma sensação péssima.— Eu também não, Mia. — Soltou o ar com força. Era difícil acreditar no quanto alguns olhares podiam ser tão maçantes. — Mas não podemos fazer nada. — Você tem razão, não podemos — Borges suspirou, voltando sua atenção para outra mesa também cheia de nerds. Nesse momento, quando seus olhos acompanharam os dela, foi quando o viu pela primeira vez.O carinha de óculos que iria lhe auxiliar de diversas formas possíveis.Lokelani do Sul era o nome da faculdade em que Hanna estudava. Ela levava esse nome por causa de sua fundadora, Lokekani Roux. Era ela uma mulher de garra que havia trazido o ensino superior para a pequena cidade de Marjorie a alguns anos atrás. Não havia muito registros sobre ela, entretanto o pouco que existia era estudado na faculdade. Em Lokekani, não havia uma enorme quantidade de cursos, estudavam somente os mais básicos. Mas, por isso, a qualidade do ensino era alta. Ninguém podia reclamar se caso fosse aceito — tinha que passar por uma prova para testar seus conhecimentos para se mostrar digno de estudar lá. Quem se formava tinham um ótimo apoio e recomendações que garantiram uma menor dificuldade ao conquistar um emprego ao entrar no mercado de trabalho. Recomendações eram o que regia e motivava os jovens a estudar em uma faculdade em sua própria cidade. E também era um dos motivos que trazia vários estudantes de cidades vizinhas para morar em Marjorie.
— Isso não é justo! Eu e clichê não combinamos — Hanna gritou, a todo pulmões. Bryath, que a acompanhava naquela tarde de sol forte, apenas revirou os olhos e cruzou as pernas.— Por que diz isso, quase xará? — ela perguntou, fingindo interesse. Como a garota precisava conversar com alguém, fingiu que não havia percebido isso. Era boa quando se travava de fingir de sonsa, apesar de não gostar.— Tentei criar uma cena de clichê entre eu e um rapaz que conheci, mas acabei de cara com o chão — disse, fungando e secando seu choro falso com uma de suas mãos.— Mas também, né? Quem tenta criar uma cena clichê? — ela indagou, rindo da cara de Hanna. Isso não era o eu que precisava, dona Ana.— Escritores de romance? Ou de novela, filme e seriado? — perguntou, com sarcasmo. — Eles não fazem isso na vida real, querida. — Ela sorriu, levantando-se de sua cadeira. A passos lentos caminhou até o balcão.Já era sexta-feira e as inv
A primeira coisa que Hanna sentiu ao pôr os pés na calçada fria da rua fora o ricochetear do vento gélido atingindo seu rosto. Os, ainda fortes, raios de sol da tarde provocavam ardência em seus olhos, deixando-a desnorteada por alguns segundos. Seus cabelos curtos grudaram em sua boca, sua saia rodada verde abóbora dificultava a locomoção de suas pernas e a blusa roxa soltinha que vestia parecia querer sair toda vez que o vento — um pervertido, inclusive — adentrava suas vestes com agressividade.Aquela situação a irritava, tanto que ela bateu o pé com força e apertou seus punhos, sem saber lidar com suas emoções. Ela sabia que precisava de calma naquele momento, mas não a tinha, por mais que quisesse.Enquanto andava apressadamente pelas ruas quase desertas de Marjorie e tentava, em vão, encontrar seu irmão no meio das pessoas que ali estavam, Hanna sentia alguns olhares caindo sobre si. Eram, em sua maioria, de adolescentes, jovens e de algumas mulheres adultas. Elas a olhavam com
Se pudesse, Hanna com certeza teria ficado em casa naquela manhã.As luzes do ambiente ofuscavam sua visão. Suor escorria por sua testa à medida que suas pernas doíam de tanto ficar em pé. Hanna respirou fundo desejando um pouco de água para matar sua sede. O tempo abafado daquela manhã de sábado denunciava que não demoraria muito para chover. Era só uma questão de tempo para novamente se ver encharcada pelas gotas d'água que sempre desciam do céu velozmente. Nada diferente do habitual em sua querida cidade natal.Apesar do tempo tão incômodo, seu humor era agradável. Por esse único motivo — ou nem tanto assim —, vestia um vestido de alcinha florido e rodado, seu cabelo estava em uma pequena trança lateral bem arrumados e ela calçava uma sandália rasteira rosa bebê. Tudo muito bem trabalhado para ficar o mais próximo possível da perfeição. Não que ela gostasse disso, mas Mia havia feito questão de que seu look estivesse maravilhoso para não passar vergonha durante sua ida ao único sho
— Eu já disse não! — Eros praticamente berrou, já aparentando estar impaciente com a insistência de Hanna. A garota resmungou, se erguendo do sofá vermelho em formato de "L" que ficava na sala de estar do apartamento do moreno, para se aproximar ainda mais dele. — Por que não? É algo fácil, rápido e que não vai te custar muito! — Hanna protestou, batendo o pé com força no chão. Mia, que estava sentada em uma poltrona do outro lado da sala, gargalhou baixo.— Você não sabe o que é não, Fiore? — replicou, incrédulo com a atitude contínua dela.— Ela nunca se cansa, gato — Mia disse, antes mesmo que Hanna pudesse abrir a boca para falar algo. Contrariada, a jovem assentiu.Ela era e não podia negar isso.— Eu sou sim e não tô nem aí — disse, se aproximando de Eros ainda mais. — E, além do mais, o que eu estou te pedindo é algo tão simples que não posso me conformar com seu não!— Hanna — a chamou, respirando fundo. — Vamos recapitu
— Não acredito que foi por isso que me chamaram aqui! — Hanna resmungou, lançando um olhar mortal na direção de Alba. A garota somente deu de ombros e sorriu minimamente.— É algo importante, Hanna! — alegou, apontando para Dominic que se olhava em um grande espelho do outro lado da sala onde os três se encontravam. — Você quer acabar com a infância daquelas crianças lá fora? Quer? — acusou, gesticulando com as mãos.Hanna somente revirou os olhos. Não era tão gritante assim.— Você está exagerando.— Estou? Olha para aquilo, Hanna! — exaltou, apontando para Dominic novamente. — Que criança não ficaria traumatizada ao ver isso?Relutante, Hanna foi obrigada a assentir.Seu pai estava, no mínimo, esquisito.Dominic vestia uma fantasia da pequena sereia. A peruca ruiva que usava estava posta desajeitadamente em sua cabeça e não condizia com a barba, não tão rala, que ele possuía. Para piorar a situação, a calda da sereia parecia mais um par de músculos esquisitos, nada delicada, em seu
Era segunda-feira. O sol brilhava majestosamente no céu naquela manhã. Os poucos estudantes que estavam naquele recinto conversavam sobre assuntos diversos, desde o tempo tempestuoso que assombrava as cidades vizinhas ou as eliminatórias do futebol local. E, enquanto a preocupação de alguns era ser pego por uma tempestade ou não ganhar o troféu, Hanna suspirava a cada três segundos enquanto sua cabeça estava posta desajeitadamente sobre uma das mesas do refeitório da faculdade. Sua mente estava presa em seu encontro com Bellini na tarde anterior. Por sorte, ou azar, Noah não chegou a se encontrar com pai da garota e Alba. Ele foi obrigado a ir embora para ver sua noiva antes que pudesse fazer. Aquele pequeno fato fez Hanna ser puxada de volta para a realidade. Apesar de estar com Bellini, se divertindo com os pestinhas e finalmente ver o tempo passando mais rápido, ela foi obrigada a perceber que aquilo não era verdade. Não era ela a plebéia do príncipe. Não era ela a garota que Noa
Os sons desconexos das vozes vindas da tevê lhe causavam uma irritação anormal, fazendo sua cabeça doer mais do que já estava. Enquanto os canais saltavam a cada cinco segundos, Hanna pensava em como não entender nada do que eles falavam era irritante. Bufando, permitiu que seus pensamentos voltassem para os acontecimentos da manhã daquele dia. Suas palavras, ditas sem pensar, lhe perturbavam a mente. De um jeito ou de outro, ela não conseguia saber se aquilo que disse era totalmente verdade. Afinal, como alguém que não possuía a oportunidade de escolher o que faria da sua própria vida tinha direito de dizer sobre a forma que os outros viviam? Ela não achava que o possuía, principalmente ao perceber que, apesar do modo errado que Ágatha usou seu nome, ela nem tinha esse privilégio. Queria ela ser totalmente livre das responsabilidades, dos padrões da sociedade e, principalmente, das expectativas dos outros. Sua mãe era a prova viva que ela não era tão "que se dane" assim.