. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Emanuele está deitada na cama puída, velha e com cheiro de mofo. As paredes descascadas e sem reboco têm cheiro de tijolo molhado; a janela com vidros quebrados está parcialmente fechada, como sempre. O dia é nublado e sem graça, como todos os outros. A moça olha para a porta do próprio quarto.A ruivinha nunca teve privacidade para nada. Desde criança ouvia da mãe que nada do que tinha, da roupa do corpo até a comida (nojenta) no prato, pertencia a ela. Até os quinze anos, Emanuele achava que esse comportamento era o normal. Até uma palestrante de outra cidade ir até a escola dela, e explicar aos alunos diversas questões sobre saúde mental.Aquele dia foi crucial para que ela entendesse que, no fundo, ela estava certa. E que sua mãe não era uma mãe normal; ela não era como as outras.A partir dos quinze anos, Emanuele estudou vários artigos científicos e documentos escolares, bem como livros de profissionais da saúde e psicólogos. Não levou
"Eu sabia."A voz de Thabata, surpreendentemente, não é alta e esganiçada. Pelo contrário: é baixa e fria, como um rosnado.Joshua se levanta. Emanuele não sai do lugar, mas fala:"Thabata, foi só um abraço.""Cala a sua boca, caipira de merda. Como você ousa ainda tentar falar alguma coisa?""Thabata, não há com o que se preocupar. Não é o que você está pensando", Joshua tenta explicar."Claro que não! Porque eu não estou pensando nada, Joshua. Eu vi.""Estávamos apenas conversando.""E que conversa era essa, se eu tenho o direito de saber?"Os dois não respondem imediatamente. Os detalhes eram muito íntimos, e retratava diretamente sobre o passado de ambos. Emanuele olha discretamente para Joshua. Será que Thabata sabia da relação dele com o tal membro da família? Afinal, eles já estavam juntos há quase três anos.Devido a hesitação, Thabata debocha:"E você dizendo que queria esclarecer a situação... Pra mim está tudo claro como cristal. Eu sabia que não podia confiar em você!"Em
Emanuele sente o coração acelerando, os dedos das mãos se transformando em manteiga. Ela ouviu direito? Será que estava imaginando ou devaneando novamente?Joshua ergue uma das sobrancelhas. Ele está esperando pela resposta dela. Não era imaginação.Ele realmente havia perguntado se o que ela sentia por Johnny era mais forte do que sentia por ele.Mas... O que Emanuele sentia por Joshua?"Eu...", começa Emanuele, sentindo as bochechas esquentarem devido a vergonha."Relaxa. Se não quiser responder, não responda.""Mas-""Não é como se isso fosse interferir em algo.""Eu... O que?"Joshua se senta no sofá, olhando para Emanuele. A moça permanece de pé encostada na parede."Mesmo que você sinta algo por mim, e não estou dizendo que sente, você e eu não poderíamos ficar juntos.""Porque não?" A indignação no tom de voz dela chama a atenção do atual dono do apartamento.Ele parece nervoso ao responder, apesar de disfarçar o melhor que pode."Sei lá. Talvez porque eu acabei de terminar uma
Três semanas se passaram. Joshua e Emanuele não tocaram mais em nenhum assunto delicado. A ruiva resolveu procurar com mais afinco lugares onde pudesse trabalhar presencialmente, embora não achasse. Thabata também havia sumido do mapa, apesar das ameaças de destruir a vida social tanto de Emanuele quanto de Joshua. Johnny respeitava o espaço de sua musa inspiradora, e apesar de todos acharem que estavam em uma espécie de relacionamento, ele deixava bem claro a todos que não havia pressão alguma para que assumissem algo publicamente. Uma rotina estava fixada: Joshua saía para trabalhar em alguns dias da semana, Emanuele saía para procurar um novo emprego e/ou sair com Johnny, os dois conviviam em paz e não havia mais constrangimento algum entre eles. Embora Emanuele às vezes pensasse que seu colega de quarto esboçasse algum ciúme, ela não conseguia parar de pensar que o mesmo já havia dito de forma clara que eles jamais dariam certo. E também, como se relacionar com alguém tão comp
Johnny respira fundo. Nunca foi fácil lembrar dessa pessoa, muito menos falar dela. Ele levou três meses até conseguir sair do quarto e comer e falar como um ser humano. Os pais já haviam tentado de tudo até então: consulta psicológica, livros de autoajuda e até ajuda espiritual com o pastor de uma igreja próxima.Mas o que realmente impeliu Johnny a tentar recuperar a chama da sua vida não foi nenhuma dessas coisas.Sentados no parque, o rapaz não tentou disfarçar as lágrimas nem a fisionomia de choro e dor que sentia ao se lembrar daquela pessoa tão especial. Olhando para cima, ele começou a falar."Ela era minha melhor amiga."Emanuele quase tem um salto. Sim, ele tinha uma melhor amiga, e a amizade dos dois foi abalada por causa da manipulação de Thabata! Ele havia contado aquilo na reunião de algumas semanas atrás.Ele continuou:"Nós nos conhecemos quando eu tinha dez anos e ela onze. No começo, tanto os meus pais quanto os pais dela acharam que teríamos alguma espécie de romanc
Ao ouvir a resposta de Johnny, a menina simplesmente para de respirar. Seus olhos se arregalaram.As pessoas lá fora, passando para lá e para cá, parecem estar completamente distantes. O som dos carros, dos pássaros, das crianças brincando nos balanços e gangorras... Tudo aquilo se torna irrelevante. O rapaz funga mais uma vez enquanto explica, num misto de desespero com assombro:"Naquele dia em que nos encontramos, quando Joshua e você estavam voltando para o prédio... Eu simplesmente pus os olhos em você e... Senti algo extraordinário. Uma espécie de chamado, de conexão. Eu não quero que você pense que estou dando uma desculpa para isso o que temos, seja lá o que for. Mas eu simplesmente sabia que precisava ficar ao seu lado. De qualquer maneira."Johnny toma fôlego e continua:"Quando eu soube seu nome, então, senti tudo ao meu redor girar como se estivesse em um carrossel. Foi como se... Foi como se o universo estivesse me dizendo..."As lágrimas dele não param de escorrer. Eman
Emanuele estava na sala de estar da casa de Johnny. Era a primeira vez que ia para lá. A menina estava se sentindo estranha, mas não sabia exatamente dizer o porquê. Talvez fosse porque jamais fora bem recebida em lugar algum, sempre tendo que lidar com insultos e comentários desagradáveis dos outros. No fundo, talvez ela estivesse esperando por mais ataques.Depois de ouvir a história da amiga de Johnny, Emanuele não poderia simplesmente negar aquele pedido, o de conhecer os pais dele. Era óbvio que a ruiva tinha um significado muito grande pra ele. Era tão estranha aquela sensação. Geralmente ela precisava se esforçar para parecer útil ou ter sua opinião validada, mas ele a escutava e respeitava incondicionalmente.A moça ouviu o barulho de passos. Era a irmã de Johnny, a adolescente do cabelo azul. Ela sorriu pra Emanuele:"Oi!""Oi", Emanuele sorriu de volta."Que bom que você tá aqui. Meu irmão não para um minuto de falar de você, eu já estava começando a duvidar que você era r
Joshua nem mesmo piscou ao ouvir as palavras simples, porém praticamente mortais aos ouvidos dele.Emanuele continuou, ainda sem coragem de encará-lo imediatamente."Ela não entrou em detalhes. Não me contou que doença era, nem o porquê dessa tal recuperação milagrosa ser possível. Mas... Mas é isso, ela quer ficar ao lado desse homem e-"Joshua levanta-se rapidamente. A moça percebe que ele está com o celular em mãos, discando provavelmente o número de Alexandra.Emanuele sente que deve parar de falar, mas simplesmente não consegue."Você acha que... Que isso é possível? Digo, que alguém praticamente moribundo pode ter uma chance de continuar vivendo?"O homem olha para ela. Há ódio brilhando em seus olhos."Talvez. Mas eu não vou permitir que isso aconteça."Ele põe o celular na orelha e fica em silêncio por alguns segundos. Então praticamente urra de frustração e joga o aparelho no sofá."Eu não consigo acreditar nisso. Simplesmente não consigo!", ele grita, revoltado.A garota não