Depois que a senhorinha foi embora, tanto Johnny quanto Emanuele concordaram ir embora e dar um pequeno passeio. Precisavam de ar fresco. O cartãozinho ainda estava na mão da menina da cidade pequena, os dedos trêmulos.Assim que chegasse no apertamento, embora não soubesse quando, já que provavelmente Thabata estaria lá "conversando" com seu namorado, ela iria entregá-lo. E provavelmente fazer perguntas, se seu senso de noção estivesse particularmente desregulado.Andando em ritmo de passeio por uma calçada comprida e tranquila que dava para um dos parques do bairro, Emanuele debatia avidamente sobre quem era aquela mulher e de quem ela estava falando."Alguma coisa horrível aconteceu. Não apenas com o Joshua, mas com a Alexandra também." "E aparentemente a Alexandra perdoou a pessoa que fez essa coisa horrível.""Que vem a ser um membro da família deles.""Isso."Ambos se perdem nos próprios pensamentos por alguns segundos, tentando montar peças de um quebra-cabeça confuso e aparen
A volta pra casa foi pesarosa, lenta e repleta de medo, confusão e receio.A imagem horrível não saía de sua cabeça: a pobre senhora idosa jogada no asfalto, terrivelmente machucada e desfalecida. Emanuele não quis ficar para ver o resgate. Na verdade, antes mesmo de uma ambulância chegar, um dos passantes jogou uma lona em cima do corpo.Johnny estava pálido ao lado dela, segurando-a pela cintura enquanto faziam o trajeto de volta para o prédio. A ideia era que eles passariam o resto do dia longe, mas aquilo não poderia esperar.Como será que Joshua iria reagir? Será que ele se lembrava da babá? O cartão com o número entregue minutos antes pesava como chumbo na bolsa da moça. Agora ele nunca mais poderia ligar pra ela e tirar a limpo o que quer que houvesse acontecido entre eles.Mas ainda havia uma coisa que Emanuele poderia fazer. Com ou sem Thabata no apartamento, com ou sem ecos do pesadelo aparecendo de vez em quando para tumultuar seu raciocínio. E essa coisa era passar para J
Os rapazes rolam pelo apartamento, trocando socos e chutes. Apesar de estar assustada e apavorada, gritando que parem, Emanuele percebe que ambos não estão batendo a esmo. Aparentemente, tanto Joshua quanto Johnny sabem lutar de verdade.Isso só piora as coisas, na verdade, já que ambos sabem como neutralizar um agressor. As coisas poderiam sair completamente de controle, quer dizer, mais do que já estavam.Emanuele grita mais uma vez para que parem, mas os dois não escutam. Sem conseguir raciocinar direito, a ruiva vai para a cozinha e enche uma jarra d'água. Em Porto Feliz, quando cachorros e gatos vadios começavam a brigar, os moradores os separavam jogando água.É exatamente isso o que ela faz ao voltar para a sala. Eles não saem correndo como cachorros, mas param de se bater e olham para ela, assustados e confusos."Pelo amor de Deus, vocês podem acabar se matando! Johnny, acho melhor você ir."O garoto parece magoado com a menina, mas se levanta. Ele não parece machucado, embora
Joshua e Emanuele estão um de frente para o outro na mesa da sala de estar. Um copo d'água está na frente de cada um, mas nenhum deles bebeu um gole sequer. O atual proprietário disse à ela que iria contar o que estava acontecendo, e ela estava pronta para ouvir... Ou pelo menos se julgava pronta."Eu não vou contar tudo. Mas... Apenas uma parte. Para que você entenda o porquê dessa minha... Comoção."As palavras que ele diz saem de forma difícil e arrastada, como se fosse difícil ficar ali, sentado em casa com uma hóspede ao invés de sair quebrando todos os móveis na sua frente. Ela assente, mostrando que compreende o quão complicado aquilo está sendo pra ele.Joshua respira fundo."Você está certa. Conseguiu entender essa parte da história, embora eu ache que ficou meio óbvio depois de... Depois de você ter se encontrado com a Rosita."O homem dá um gole na água e olha para o nada enquanto prossegue seu relato:"Alexandra e eu somos muito diferentes. Nós nos amamos muito, mas perte
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .Emanuele está deitada na cama puída, velha e com cheiro de mofo. As paredes descascadas e sem reboco têm cheiro de tijolo molhado; a janela com vidros quebrados está parcialmente fechada, como sempre. O dia é nublado e sem graça, como todos os outros. A moça olha para a porta do próprio quarto.A ruivinha nunca teve privacidade para nada. Desde criança ouvia da mãe que nada do que tinha, da roupa do corpo até a comida (nojenta) no prato, pertencia a ela. Até os quinze anos, Emanuele achava que esse comportamento era o normal. Até uma palestrante de outra cidade ir até a escola dela, e explicar aos alunos diversas questões sobre saúde mental.Aquele dia foi crucial para que ela entendesse que, no fundo, ela estava certa. E que sua mãe não era uma mãe normal; ela não era como as outras.A partir dos quinze anos, Emanuele estudou vários artigos científicos e documentos escolares, bem como livros de profissionais da saúde e psicólogos. Não levou
"Eu sabia."A voz de Thabata, surpreendentemente, não é alta e esganiçada. Pelo contrário: é baixa e fria, como um rosnado.Joshua se levanta. Emanuele não sai do lugar, mas fala:"Thabata, foi só um abraço.""Cala a sua boca, caipira de merda. Como você ousa ainda tentar falar alguma coisa?""Thabata, não há com o que se preocupar. Não é o que você está pensando", Joshua tenta explicar."Claro que não! Porque eu não estou pensando nada, Joshua. Eu vi.""Estávamos apenas conversando.""E que conversa era essa, se eu tenho o direito de saber?"Os dois não respondem imediatamente. Os detalhes eram muito íntimos, e retratava diretamente sobre o passado de ambos. Emanuele olha discretamente para Joshua. Será que Thabata sabia da relação dele com o tal membro da família? Afinal, eles já estavam juntos há quase três anos.Devido a hesitação, Thabata debocha:"E você dizendo que queria esclarecer a situação... Pra mim está tudo claro como cristal. Eu sabia que não podia confiar em você!"Em
Emanuele sente o coração acelerando, os dedos das mãos se transformando em manteiga. Ela ouviu direito? Será que estava imaginando ou devaneando novamente?Joshua ergue uma das sobrancelhas. Ele está esperando pela resposta dela. Não era imaginação.Ele realmente havia perguntado se o que ela sentia por Johnny era mais forte do que sentia por ele.Mas... O que Emanuele sentia por Joshua?"Eu...", começa Emanuele, sentindo as bochechas esquentarem devido a vergonha."Relaxa. Se não quiser responder, não responda.""Mas-""Não é como se isso fosse interferir em algo.""Eu... O que?"Joshua se senta no sofá, olhando para Emanuele. A moça permanece de pé encostada na parede."Mesmo que você sinta algo por mim, e não estou dizendo que sente, você e eu não poderíamos ficar juntos.""Porque não?" A indignação no tom de voz dela chama a atenção do atual dono do apartamento.Ele parece nervoso ao responder, apesar de disfarçar o melhor que pode."Sei lá. Talvez porque eu acabei de terminar uma
Três semanas se passaram. Joshua e Emanuele não tocaram mais em nenhum assunto delicado. A ruiva resolveu procurar com mais afinco lugares onde pudesse trabalhar presencialmente, embora não achasse. Thabata também havia sumido do mapa, apesar das ameaças de destruir a vida social tanto de Emanuele quanto de Joshua. Johnny respeitava o espaço de sua musa inspiradora, e apesar de todos acharem que estavam em uma espécie de relacionamento, ele deixava bem claro a todos que não havia pressão alguma para que assumissem algo publicamente. Uma rotina estava fixada: Joshua saía para trabalhar em alguns dias da semana, Emanuele saía para procurar um novo emprego e/ou sair com Johnny, os dois conviviam em paz e não havia mais constrangimento algum entre eles. Embora Emanuele às vezes pensasse que seu colega de quarto esboçasse algum ciúme, ela não conseguia parar de pensar que o mesmo já havia dito de forma clara que eles jamais dariam certo. E também, como se relacionar com alguém tão comp