O som do lado de fora é alto o suficiente para que eu me sinta perturbada. William está apoiando-se do outro lado do banheiro no vaso, sentado em cima dele. Talvez já sinta o cansaço de ficar de pé torrando os seus músculos. Eu continuo imóvel, sem saber se falo algo ou não, presa em pensamentos que não se importam em açoitar-me com força e intensidade. Estamos presos nesse banheiro há alguns minutos e nenhum dos dois parece empenhado em ser o primeiro a falar qualquer coisa. Por fora, eu tento manter a compostura, contudo, por dentro, estou um caos.
Faz alguns anos desde a escola, mas o seu rosto ainda enfeita os meus pensamentos, como quando uma música prende em sua mente e jamais se solta de lá. William Albano, o cara por quem eu estive apaixonada por tempo demais para quase sucumbir a loucura está bem a minha frente. Naquela época, eu era uma garotinha ingênua e burra demais para entender o que estava sentindo. Só o achava o garoto mais interessante do mundo, digno de toda a minha devoção. Mesmo depois da escola, eu sempre o via de longe. De vez em quando nossos caminhos se cruzavam. Uma amostra grátis de como o destino pode ser cruel e traiçoeiro.
Como ficamos presos dentro desse banheiro pequeno e quente como o inferno? Eu tenho uma hipótese, mas não quero acreditar que Thalia, minha colega de sala, tenha mesmo tido a coragem de prender-nos nesse cubículo com o único intuito de fazer-me sofrer. Sem querer eu tinha confidenciado a Thalia que William era uma paixonite do meu passado enquanto bebíamos e tentávamos formular uma apresentação para a aula do outro dia. Eu tinha entrado há pouco tempo na universidade, e vê-lo poucos minutos depois de estar dentro do campus deu um clique na minha mente.
E talvez, só talvez, Thalia tenha armado para nós dois e eu juro que irei matá-la com minhas próprias mãos e expor o seu sangue nas ruas dessa cidade quando finalmente sair daqui. Mas, por enquanto, os meus olhos estão presos nele e sequer desviam. William Albano é como um veneno. Um presente embrulhado e dado para mim pelo próprio demônio com o único intuito de me fazer sofrer terrivelmente.
Ele ainda é o mesmo. Olhos castanhos que incendeiam, rosto centrado e bonito demais. E agora ele me fita, e eu sinto tudo aquilo — aquele sentimento bobo e infantil —, me sufocando novamente. É como pular de um penhasco mesmo sabendo que a queda pode te matar. Você acaba se jogando só pela promessa da adrenalina.
— Droga, acho que estamos mesmo presos aqui! — sibila.
E então eu sinto o tom da sua voz — áspera e sem muita emoção —, atingir-me com força, fazendo eu me lembrar que William sempre teve essa postura de estátua grega, incapaz de transmitir ou deixar escapar o que estava sentindo.
— É o que parece. — respondo, simplesmente — Mas não se preocupa, em breve alguém vem e nos tira daqui.
Eu tenho em minha mente a imagem de uma Angelina mais nova sorrindo descaradamente em direção a ele, recebendo nada além de um olhar de quem parece estar julgando os seus piores e mais terríveis pecados.
Como eu era ingênua!
— Não estou com pressa, só não sei quem pode ter sido o imbecil que nos prendeu aqui. — é sincero, passando as mãos pelo cabelo castanho.
— Eu também. — afirmo, cruzando os braços e só então percebendo a garrafa de vinho em minhas mãos que tinha furtado da cozinha da casa onde Thalia mora com algumas amigas. É ela a anfitriã da festa.
A verdade é que minha mente aponta ela como a culpada e se estivéssemos em um tribunal, Thalia seria acusada. Mas eu não posso dizer para ele, pois sei que se eu contar, William perguntará o motivo dessa loucura e não terei como respondê-lo. Dizer que a minha amiga trancou a gente nesse cubículo porque ela sabe o que eu sinto — ou bem, sentia —, por ele é humilhante demais. Então, decidida a não dar o braço a torcer a esse garoto de nariz empinado, apenas minto.
Outro momento de silêncio. Duas pessoas presas em seus próprios redemoinhos. Eu só quero sair logo desse cômodo e voltar para casa, onde a minha cabeça finalmente irá parar de batucar devido ao som alto e potente do outro lado da porta. William continua sério e calado. Parece não querer bater papo comigo ou com qualquer outra pessoa.
Talvez eu tenha feito algo de muito ruim para que o Universo esteja brincando comigo dessa forma. Eu olho para ele, vez ou outra, e não consigo distinguir o que se passa na sua mente. Gostaria de saber.William está na mesma posição: cabeça baixa e olhos perdidos. O que está acontecendo? Não posso deixar de notar que há algo aqui, mesmo que eu não saiba o quê. Minha mente é curiosa e fértil, e ela começa a jogar em mim várias possíveis respostas para isso.Ele percebe que eu o encaro, pois me pega no flagra. Quero arranjar um jeito de tentar fingir que não estava encarando ele, mas agora já fui pega. Fingir não ajudará em nada, de qualquer forma.— É muito estranho que tenham nos prendido aqui e ainda levado nossos celulares. Estou pensando em quem pode ter sido. — ele diz, olhando para mim, como se tentasse responder o meu po
Estamos calados novamente, mas o barulho aqui dentro, ainda assim, continua ensurdecedor.Quando ele decide falar alguma coisa, contudo, um barulho do outro lado da porta, por fora, nos deixa em alerta. Será alguém para finalmente nós tirar daqui? Eu me pergunto isso, enquanto sinto uma mistura de sensações estranhas e emboladas com essa possibilidade. Não sei o porquê me sinto assim. Gostaria de saber.Porém, nossas esperanças são lançadas ao vento quando, depois de alguns segundos, ninguém se pronuncia do outro lado.— Você acha que ainda tem alguém? — interpelo, pensando na possibilidade de alguém estar encostado perto do banheiro. Talvez gritar seja uma idéia interessante.— Não sei. Mas pode ser. É uma possibilidade. — William fala, pronto para bater na po
— Então... No que posso te ajudar?Enquanto eu tento ser útil para o moço do outro lado da porta, para que ele se sinta rapidamente satisfeito e nos tire daqui, William apenas sorri ao meu lado. Eu olho para ele, tentando fazê-lo parar quando fecho a cara em sua direção.Conquanto, não surte efeito algum. Estando tão próximos como estamos, consigo visualizá-lo bem melhor, embora o banheiro possua uma atmosfera mais escura devido à luz amarelada e velha que parece não ter sido trocada há muito tempo.Seu sorriso é mais bonito do que eu me lembrava, e seus olhos são... É difícil explicar, mas, de uma forma totalmente misteriosa e desconhecida por mim, eles parecem quase como um chamado intenso.Desperta garota! Eu me viro novamente para a porta quando o moço se pronuncia, de forma grogue, falando desengoncadamente:— Você sabe, espírito. Eu não acho que precise te contar. Você não é um daqueles e
O amor é para aqueles que aguentam a sobrecarga psíquica, foi o que Charles Bukovisk disse. Eu, particularmente, concordo plenamente com ele. Eu não quero — e nem consigo me imaginar sofrendo por alguém de uma forma tão intensa que dói só de pensar. Quando criança, não desejava conhecer o príncipe encantado. Eu até gostava das princesas.A minha preferida sempre foi a Bela e a Fera, seguido da Ariel. Meus sonhos eram intensos. Eu não sabia exatamente o que queria ser aos cinco anos de idade, mas eu sabia que queria algo a mais, e esse algo a mais sempre se sobressaía a fantasias amorosas com qualquer garoto. É claro que com o tempo, crescendo, comecei a ver aquelas criaturas como sendo algo atrativo.O primeiro amor. O coração bailando dentro do peito, feito um dançarino profissional que dá várias pirue
— Mas você mesmo não fez isso? Não deu certo? — O estranho questiona.Observo William. Olhos fixos em meu objeto de estudo. Não querodar tanta importância a um fato revelado por ele, mas confesso que a minha curiosidade é do tamanho do mundo — talvez do Universo inteiro —, e ela tem a mania de ser intensificada e ampliada até chegar a níveis extremos. Juro, eu realmente sou muito curiosa!Olho para a frente, para a porta, querendo — e desejando —, que eu tivesse super poderes para atravessá-la de uma vez por todas, ir até Thalia e lhe arrancar uma explicação à base de ameaças intensas. Talvez com a ajuda de algum objeto decorativo da sala ou, quem sabe, dos copos plásticos que estão sendo utilizados de forma terrível pelos convidados e que vão acabar co
— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de j
— Antes de qualquer coisa, não haja assim. — sugiro, decidida — Da forma com a qual falou foi muito arrogante e pretensiosa. Acha mesmo que ela sequer te ouviria se chegasse falando dessa forma? Se fosse eu, certamente não.— E como eu devo chegar nela? — Hector pergunta, sua voz adquirindo um tom mais intenso de desespero: — Inferno! Estou um caos. Eu não quero parecer um babaca, é só que eu estou muito nervoso e não sei o que fazer.Posso afirmar com todas as letras de que eu não iria querer estar na pele dele. Ter que declarar-se abertamente para alguém é de dar nos nervos, e a mínima possibilidade de que isso aconteça comigo — de que eu tenha que me declarar para algum cara a quem gosto, — me dá enjôo e me deixa tonta.— Primeiramente, se quer jogar a ve
— Eu não faria isso. Não sou tão má quanto pensa! — respondo Hector com o tom de voz mais calmo que consigo, porque, apesar de saber que ele está bêbado, sua postura de bebê chorão está começando a me irritar consideravelmente e sei que não posso falar da forma com a qual quero, afinal, preciso dele para sair daqui.Sei que as horas estão correndo, mas sequer sei que horas são. Não uso relógio e não reparei se há algum no pulso de William. De qualquer forma, sei que já se passou um tempo considerável, e tudo o que quero fazer é sair logo daqui.— E se ela disser não? — Hector pergunta. Sua voz está novamente nublada. Ele ainda está chorando, mas agora o choro é contido.Respiro fundo, buscando as melhores palavra