Estamos calados novamente, mas o barulho aqui dentro, ainda assim, continua ensurdecedor.
Quando ele decide falar alguma coisa, contudo, um barulho do outro lado da porta, por fora, nos deixa em alerta. Será alguém para finalmente nós tirar daqui? Eu me pergunto isso, enquanto sinto uma mistura de sensações estranhas e emboladas com essa possibilidade. Não sei o porquê me sinto assim. Gostaria de saber.
Porém, nossas esperanças são lançadas ao vento quando, depois de alguns segundos, ninguém se pronuncia do outro lado.
— Você acha que ainda tem alguém? — interpelo, pensando na possibilidade de alguém estar encostado perto do banheiro. Talvez gritar seja uma idéia interessante.
— Não sei. Mas pode ser. É uma possibilidade. — William fala, pronto para bater na porta em busca, novamente, de alguém que possa nos tirar daqui.
Quando ele estende a mão para bater, todavia, ouvimos um ser desafinado cantar alto, com uma voz tenebrosa. Primeiramente, nos atentamos ao som. É uma música melosa que agora toca na caixa de som super potente das amigas de Thalia. O cara parece realmente estar inspirado e, de repente, William e eu estamos nos olhando e rindo disso. Coitada dessa pobre alma!
— Ei! Você pode nos ouvir? — William grita, batendo na porta do banheiro contínuas vezes.
Depois de alguns minutos, o homem para de cantar.
— Quem está falando?
— A gente está preso aqui dentro. Pode nos tirar daqui? — William grita novamente, e nós nos entreolhamos, sorrindo um para o outro, em pura cumplicidade.
Será essa a nossa liberdade?
A resposta do cara demora um pouco para vir e, quando vem, não consigo conter o riso que escapa anasalado.
— Onde vocês estão? Não consigo vê-los. — A voz do rapaz é grogue e desconexa. Ele está realmente muito bêbado! — Já sei quem são! São os espíritos que vieram para me ajudar a superar a Suzane, não foi? São conselheiros, é isso? Vocês vão me libertar?
William e eu nos encaramos mais uma vez. Desta vez, a confusão nos domina. Esse cara deve estar muito bêbado!
— Me digam, por que é que essa merda sempre acontece comigo? O que eu tenho de errado? Por que a Suzane preferiu àquele cara sem graça? Eu sou tão legal! Tão legal! — ele ri copiosamente, como se tivesse contando uma piada — Ela trouxe ele com ela. Eu escrevi a porra de uma música para ela. Eu passei vários dias pensando nos versos e nas palavras que pudessem defini-la. O que eu fiz de errado, espíritos? O quê?
Nós continuamos nos fitando, sem respondê-lo. Sem saber o que falar.
— Como a gente vai fazer ele nos tirar daqui? — William questiona.
Eu penso um pouco, enquanto o pobre ser humano continua expondo suas dores para o que ele acha ser espíritos que ajudam.
— Nunca mais vou me apaixonar, espíritos, anotem isso. Mande a porra daquele cupido enfiar a flecha lá dentro!
E então nós escutamos o choro dele. Sinto pena do rapaz. Posso sentir a dor dele. Então, como um clique, tenho uma ideia.
— Já sei o que fazer!
William me olha curioso, mas decido mostrar-lhe o que estou pensando executando a ideia, ao invés de explicá-la antes para ele.
— Querido, sou eu, seu espírito conselheiro. — entro na onda do desconhecido, enquanto ele chora alto e faz barulhos com o nariz copiosamente: — Diga-me, por qual razão acha que Suzane seria a ideal?
Ouço o riso contido de William ao meu lado. Quase me contagio, conquanto, contenho-me. Preciso me focar na missão que é sair daqui de dentro desse banheiro. O calor aqui é tanto que sinto que posso acabar demaiando a qualquer momento.
— Ora, espírito, ainda pergunta? Achei que fosse mais esperto. — A voz do homem está embolada, porque ele ainda chora.
William ri novamente, desta vez, devido ao comentário infeliz do pobre moço chorão e bêbado do outro lado da porta.
— É claro que eu sei o que você sente, querido. — tento mais uma vez, disposta a conversar com ele até que ele decida nos tirar daqui e note que na verdade estamos dentro de um banheiro. Apesar de bêbado, ele pode fazer isso, não pode? — No entanto, seria bom que você refrescasse a minha mente. Assim, posso ajudá-lo com mais êxito.
— Você tem razão, acho que tenho mesmo que falar como tudo aconteceu. É verdade.
Eu respiro aliviada. Ele está caindo no meu jogo.
— O que vai fazer?
William pergunta, mas eu não o respondo. Em vez disso, decido continuar com o meu jogo. Quero logo sair daqui. Será que quero? O questionamento surge de repente, contudo, afasto-o para longe.
Que pensamento aleatório é esse?
— Isso, meu bem. Para que eu possa ajudá-lo melhor, pode, por favor, me libertar dessa prisão onde me encontro?
O homem demora a responder, provavelmente por estar grogue demais. No entanto, quando ele responde, sinto a esperança batendo forte.
— Como eu faço isso, espirito?
Desvio o meu olhar da porta para William e, involuntariamente, um sorriso vitorioso se estende pelos meus lábios.
— Vê esse objeto atrás de ti que dá para puxar?
Ele demora um bocado para responder. Conseguimos ouvi-lo se afastar desengonçadamente e, no processo, acaba batendo com a cabeça na porta, xingando logo em seguida. Rimos. Então, ele fala:
— Achei. O que eu faço agora?
Me sinto euforica. Já sentindo o gostinho da liberdade, digo:
— Você precisa olhar se estamos trancados dentro desse portal, e conseguir a chave. Conhece a Thalia, não conhece?
— É claro que sim. — responde, rindo: — Mas como você conhece ela?
— Eu sei de tudo, lembra? — quando ele diz que “Sim, eu lembro”, eu prossigo: — Você precisa pegar a chave com ela. Pode fazer isso? Assim, quando me libertar, poderei ajudá-lo melhor.
— Espera aí... — O homem fala, parecendo pensar por um momento antes de continuar: — Você acha que eu sou bobo? E se eu libertá-la e você não me ajudar? Não! Não será assim. Primeiro você me ajuda, e depois eu te liberto.
Quero socá-lo, embora não o conheça. Droga! O que eu faço agora? Respire fundo. Era só o que faltava! Dar conselhos a alguém que sequer conheço presa a outra que tanto desejei conhecer.
— Tudo bem, você tem razão. No que posso ajudar?
William está me encarando em dúvida. Eu apenas dou de ombro.
É uma chance de sair daqui, não é?
Não custa tentar.
— Então... No que posso te ajudar?Enquanto eu tento ser útil para o moço do outro lado da porta, para que ele se sinta rapidamente satisfeito e nos tire daqui, William apenas sorri ao meu lado. Eu olho para ele, tentando fazê-lo parar quando fecho a cara em sua direção.Conquanto, não surte efeito algum. Estando tão próximos como estamos, consigo visualizá-lo bem melhor, embora o banheiro possua uma atmosfera mais escura devido à luz amarelada e velha que parece não ter sido trocada há muito tempo.Seu sorriso é mais bonito do que eu me lembrava, e seus olhos são... É difícil explicar, mas, de uma forma totalmente misteriosa e desconhecida por mim, eles parecem quase como um chamado intenso.Desperta garota! Eu me viro novamente para a porta quando o moço se pronuncia, de forma grogue, falando desengoncadamente:— Você sabe, espírito. Eu não acho que precise te contar. Você não é um daqueles e
O amor é para aqueles que aguentam a sobrecarga psíquica, foi o que Charles Bukovisk disse. Eu, particularmente, concordo plenamente com ele. Eu não quero — e nem consigo me imaginar sofrendo por alguém de uma forma tão intensa que dói só de pensar. Quando criança, não desejava conhecer o príncipe encantado. Eu até gostava das princesas.A minha preferida sempre foi a Bela e a Fera, seguido da Ariel. Meus sonhos eram intensos. Eu não sabia exatamente o que queria ser aos cinco anos de idade, mas eu sabia que queria algo a mais, e esse algo a mais sempre se sobressaía a fantasias amorosas com qualquer garoto. É claro que com o tempo, crescendo, comecei a ver aquelas criaturas como sendo algo atrativo.O primeiro amor. O coração bailando dentro do peito, feito um dançarino profissional que dá várias pirue
— Mas você mesmo não fez isso? Não deu certo? — O estranho questiona.Observo William. Olhos fixos em meu objeto de estudo. Não querodar tanta importância a um fato revelado por ele, mas confesso que a minha curiosidade é do tamanho do mundo — talvez do Universo inteiro —, e ela tem a mania de ser intensificada e ampliada até chegar a níveis extremos. Juro, eu realmente sou muito curiosa!Olho para a frente, para a porta, querendo — e desejando —, que eu tivesse super poderes para atravessá-la de uma vez por todas, ir até Thalia e lhe arrancar uma explicação à base de ameaças intensas. Talvez com a ajuda de algum objeto decorativo da sala ou, quem sabe, dos copos plásticos que estão sendo utilizados de forma terrível pelos convidados e que vão acabar co
— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de j
— Antes de qualquer coisa, não haja assim. — sugiro, decidida — Da forma com a qual falou foi muito arrogante e pretensiosa. Acha mesmo que ela sequer te ouviria se chegasse falando dessa forma? Se fosse eu, certamente não.— E como eu devo chegar nela? — Hector pergunta, sua voz adquirindo um tom mais intenso de desespero: — Inferno! Estou um caos. Eu não quero parecer um babaca, é só que eu estou muito nervoso e não sei o que fazer.Posso afirmar com todas as letras de que eu não iria querer estar na pele dele. Ter que declarar-se abertamente para alguém é de dar nos nervos, e a mínima possibilidade de que isso aconteça comigo — de que eu tenha que me declarar para algum cara a quem gosto, — me dá enjôo e me deixa tonta.— Primeiramente, se quer jogar a ve
— Eu não faria isso. Não sou tão má quanto pensa! — respondo Hector com o tom de voz mais calmo que consigo, porque, apesar de saber que ele está bêbado, sua postura de bebê chorão está começando a me irritar consideravelmente e sei que não posso falar da forma com a qual quero, afinal, preciso dele para sair daqui.Sei que as horas estão correndo, mas sequer sei que horas são. Não uso relógio e não reparei se há algum no pulso de William. De qualquer forma, sei que já se passou um tempo considerável, e tudo o que quero fazer é sair logo daqui.— E se ela disser não? — Hector pergunta. Sua voz está novamente nublada. Ele ainda está chorando, mas agora o choro é contido.Respiro fundo, buscando as melhores palavra
O tempo está passando, mas sinto que talvez ele tenha parado, com o único intuito de nos manter presosa essa situação. Não sei até que horas essa festa vai, mas posso especular que é provável que vá até de manhã. As festas das amigas de Thalia sempre acabam indo até o amanhecer.Ainda estou sentada no mesmo lugar. Faz algum tempo que Hector saiu, e começo a sentir meu coração acelerando muito rápido e a fadiga me atingindo decorrentes da expectativas de que ele venha logo e nos tire desse banheiro. Já observei meus pés várias vezes e, por estar em alerta o tempo inteiro, por que o tédio já me cerca, acabo percebendo que a guitarra de William está posicionada perto da pia. Ele anda de um lado para o outro várias vezes. Alguma coisa em seu rosto me denota preocupaç
— Isso, aí mesmo. —A garota fala, com a voz manhosa.William e eu estamos nos fitando. Provavelmente ele deve estar pensando o mesmo que eu: que merda é essa?A garota solta um gemido.— Você trouxe? — pergunta ela, com o tom cheio de inquietude.Tudo fica em silêncio, enquanto talvez o cara que está com ela procura alguma coisa. Ouço algo caindo no chão. Parece ser o barulho de chaves. O cara xinga alto.— Droga! — grunhe ele. — Louise, meu amor, a gente namora, não é? Só dessa vez não faz mal! — sua voz tem um tom persuasivo. Além disso, há desespero também.— Não e não, Thiago! Sem a porra da camisinha eu não faço, você sabe disso. — a garota dá a sentença.Ouço quando o suposto Thiago xinga novamente. Desta vez, um pouco mais frustrado que antes.— Por favor, só dessa vez