— Mas você mesmo não fez isso? Não deu certo? — O estranho questiona.
Observo William. Olhos fixos em meu objeto de estudo. Não quero
dar tanta importância a um fato revelado por ele, mas confesso que a minha curiosidade é do tamanho do mundo — talvez do Universo inteiro —, e ela tem a mania de ser intensificada e ampliada até chegar a níveis extremos. Juro, eu realmente sou muito curiosa!Olho para a frente, para a porta, querendo — e desejando —, que eu tivesse super poderes para atravessá-la de uma vez por todas, ir até Thalia e lhe arrancar uma explicação à base de ameaças intensas. Talvez com a ajuda de algum objeto decorativo da sala ou, quem sabe, dos copos plásticos que estão sendo utilizados de forma terrível pelos convidados e que vão acabar contribuindo para mais acúmulo de lixo descartado erradamente em alguma esquina qualquer.
— Sim, eu fiz, mas isso não significa que foi o correto... é... Qual é mesmo o seu nome? — William inquire.
Seu cabelo está todo para trás, e agora seus ombros estão expostos. Quero olhar. Lembro que ali, no ombro, há uma tatuagem. Quero saber o que há nela e se ela é bonita ou não, e se há algum significado ou não. Está escuro, eu sei, mas talvez eu consiga visualizar... Não! Eu não vou olhar.
Continuo de olhos fixos na porta branca e fechada, sentindo-me patética. Sério? Mesmo depois de tantos anos você ainda se sente assim? Eu pergunto para mim mesma em pensamentos, dialogando com as várias versões de mim que tentam contar uma história com o mesmo enredo, mas tendo as suas perspectivas sendo apresentadas de forma diferentes.
A primeira versão, talvez a Angelina adolescente adormecida, que parece ter acabado de acordar, e que ainda vive em mim, tenta competir com outras mais maduras. Uma sequência de Angelinas. Essa, mais nova, parece cutucar o meu coração levando algo quentinho e, ao mesmo tempo, terrivelmente incômodo até o meu peito.
“Olha para ele! Não está lindo?”
Ela diz. Seu sorriso fofo e o cabelo extremamente longo está ali. A sua marca. A garotinha que era ingênua demais com todo mundo.
“Não seria legal cair nesses braços? Você quer tanto saber o que tem desenhado ali. Só uma olhadinha. Não é nada demais.”
Contenho-me. Não acredito que estou tendo esse tipo de pensamento. Balanço a perna freneticamente, o que indica que estou começando a ficar nervosa.
A segunda versão, mais centrada, rebate, sentada ao lado da mais nova a lhe mostrar o que realmente é algo bom a se fazer.
“Esquece isso, garota! Você precisa superar.”
Eu quero acreditar nela, mas a garota com um lacinho fofo no cabelo e sorriso fácil demais continua me tentando. Ela parece tão sincera e verdadeira... mas a outra também parece. Entro em desalinho.
— Meu nome é Hector.
— Tudo bem, Hector — William prossegue. Seu tom é sereno: — Às vezes a gente precisa arriscar, cara. Nosso erro é esperar que as coisas se resolvam da melhor forma possível sozinhas ao invés de resolvermos por conta própria.
— Mas o que eu faço em relação ao medo e ao nervosismo?
Hector está fungando. Eu acho que ele já chorou tanto que se estivéssemos em algum desenho animado ele seria a Alice se martirizando por ter chorado tanto ao ponto de causar uma grande enchente.
— Isso é algo complicado, mas não é totalmente impossível de lidar. — William expressa, pensativo: — No meu caso, quando aconteceu comigo, fiquei muito mal e completamente desorientado. Eu nunca fui assim, nunca! Sempre fui o cara aberto que consegue ser espontâneo com todo mundo, mas com ela era diferente. Havia algo a mais. Um quê de dúvida e incerteza. O que eu quero dizer é que Suzane e você se conhecem bem demais e possuem uma história. O achismo pode acabar com tudo isso. Mas é você quem decide se vai arriscar ou não. E o nervosismo, confia em mim, ele sempre vai existir. Não há uma porção mágica que arranque isso de ti, nem uma fórmula única que te deixe cem por cento preparado para tudo. A vida pode bater ou te abraçar e a gente tá sempre nesse barco esperando que ele não tombe pro lado. É você que escolhe se vai ou não, mas eu te entendo se não for.
Silêncio.
Hector não fala por alguns instantes, e na verdade, nenhum de nós diz qualquer coisa. Eu absorvo as palavras que William proferiu, tentando entender tudo. Quem pode ter sido essa garota? Eu não sei, mas de repente a Angelina mais nova está me olhando tristonha, e ela abraça os ombros como sempre fazia quando não queria chorar ou se sentir completamente sozinha, até mesmo vazia.
Respiro fundo. Ainda estou focada em observar a porta. Por que isso mexe tanto comigo? Minha mente está confusa e o meu coração mais ainda. Não sinta, eu peço. Não fique assim, eu digo.
— Eu quero fazer isso! — Hector afirma. Sua voz é embolada e temerosa: — Então acha que eu devo ir até ela e arriscar?
— Se é isso o que quer, acho sim. — William diz.
— Como eu chego nela? — Hector quase implora. Seu tom é de súplica.
— Volte à festa e peça para conversar com ela. — sugere: — Pergunte o que está acontecendo entre vocês e, principalmente, o que esse cara significa para ela. Depois, quando tiver a resposta, sendo boa ou ruim, vai agradecer aos céus por simplesmente tê-la. Não é fácil. Nunca vai ser. Mas é melhor saber a verdade do que viver numa eterna dúvida.
Hector se silencia mais uma vez. A música do lado de fora está ainda mais alta, e me pergunto como eles conseguiram fazer tal proeza.
Depois de alguns minutos, mais choro. Começo a me perguntar se a realidade de Hector como uma Alice da vida real é mesmo muito utópico. Quem sabe daqui a pouco não haja um mar de lágrimas desse cara? Não sei, todavia, começo a sentir-me sem fôlego. Talvez eu já esteja afogando. Eu não olho para o lado, porque não quero dar de cara com William. De qualquer forma, ele não está olhando para mim e eu agradeço aos céus por isso.
— Você tem razão. —Hector responde. Posso quase ouvir um "até que enfim" sendo entoado por um coro invisível. — Eu preciso saber a verdade. Preciso que saber o que ela pensa. Foda-se, eu vou até ela. Obrigado. Eu posso treinar com vocês como vou falar?
— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de j
— Antes de qualquer coisa, não haja assim. — sugiro, decidida — Da forma com a qual falou foi muito arrogante e pretensiosa. Acha mesmo que ela sequer te ouviria se chegasse falando dessa forma? Se fosse eu, certamente não.— E como eu devo chegar nela? — Hector pergunta, sua voz adquirindo um tom mais intenso de desespero: — Inferno! Estou um caos. Eu não quero parecer um babaca, é só que eu estou muito nervoso e não sei o que fazer.Posso afirmar com todas as letras de que eu não iria querer estar na pele dele. Ter que declarar-se abertamente para alguém é de dar nos nervos, e a mínima possibilidade de que isso aconteça comigo — de que eu tenha que me declarar para algum cara a quem gosto, — me dá enjôo e me deixa tonta.— Primeiramente, se quer jogar a ve
— Eu não faria isso. Não sou tão má quanto pensa! — respondo Hector com o tom de voz mais calmo que consigo, porque, apesar de saber que ele está bêbado, sua postura de bebê chorão está começando a me irritar consideravelmente e sei que não posso falar da forma com a qual quero, afinal, preciso dele para sair daqui.Sei que as horas estão correndo, mas sequer sei que horas são. Não uso relógio e não reparei se há algum no pulso de William. De qualquer forma, sei que já se passou um tempo considerável, e tudo o que quero fazer é sair logo daqui.— E se ela disser não? — Hector pergunta. Sua voz está novamente nublada. Ele ainda está chorando, mas agora o choro é contido.Respiro fundo, buscando as melhores palavra
O tempo está passando, mas sinto que talvez ele tenha parado, com o único intuito de nos manter presosa essa situação. Não sei até que horas essa festa vai, mas posso especular que é provável que vá até de manhã. As festas das amigas de Thalia sempre acabam indo até o amanhecer.Ainda estou sentada no mesmo lugar. Faz algum tempo que Hector saiu, e começo a sentir meu coração acelerando muito rápido e a fadiga me atingindo decorrentes da expectativas de que ele venha logo e nos tire desse banheiro. Já observei meus pés várias vezes e, por estar em alerta o tempo inteiro, por que o tédio já me cerca, acabo percebendo que a guitarra de William está posicionada perto da pia. Ele anda de um lado para o outro várias vezes. Alguma coisa em seu rosto me denota preocupaç
— Isso, aí mesmo. —A garota fala, com a voz manhosa.William e eu estamos nos fitando. Provavelmente ele deve estar pensando o mesmo que eu: que merda é essa?A garota solta um gemido.— Você trouxe? — pergunta ela, com o tom cheio de inquietude.Tudo fica em silêncio, enquanto talvez o cara que está com ela procura alguma coisa. Ouço algo caindo no chão. Parece ser o barulho de chaves. O cara xinga alto.— Droga! — grunhe ele. — Louise, meu amor, a gente namora, não é? Só dessa vez não faz mal! — sua voz tem um tom persuasivo. Além disso, há desespero também.— Não e não, Thiago! Sem a porra da camisinha eu não faço, você sabe disso. — a garota dá a sentença.Ouço quando o suposto Thiago xinga novamente. Desta vez, um pouco mais frustrado que antes.— Por favor, só dessa vez
— Tem alguém aqui? Responda! — A voz de Thiago está cada vez mais autoritária. As batidas na porta se tornam mais urgentes. Ainda estou com os olhos fixos em William, mas agora o meu único pensamento é sobre o que vamos fazer para sair dessa situação. E se nos revelarmos? Será uma boa ideia? Será que eles ajudariam a gente? Ou é melhor não se revelar? — E se eles decidirem ajudar a gente? — aproximo-me para sussurrar ao ouvido de William, sentindo, repentinamente, um calor em meu ventre que se estende para todo o corpo. Tento não ligar para essa sensação. Confesso ser um pouco difícil. — A gente não perderia muito coisa. Aliás, as duas únicas opções que poderiam acontecer é ou eles ajudam a gente ou não. — Acha mesmo que devemos fazer isso? Que é uma boa ideia? Podemos esperar por Hector. Não acha que é melhor? — William questiona. Paro para pensar. Em parte, William tem razão. Esperar Hector é uma
Os olhos de William estão sobre mim. Algo me diz que pedir a ajuda deles não foi uma boa ideia. — Sabe o que eu acho que estão fazendo? Mentindo! — agora é Thiago quem, extremamente exaltado, fala: — Para mim vocês estão aí dentro porque querem foder à vontade. Talvez estavam transando. Acha mesmo que eu vou acreditar que estão presos aí? Talvez tenham ficado presos porque não conseguem sair, mas não que alguém tenha os prendido. — O quê? Claro que não! Por que mentiríamos? — exclamo. Estou começando a ficar impaciente com esse casal, porque a suposição que estão fazendo me deixa com muita raiva. Não tem fundamento nenhum eles sequer cogitarem isso. É um absurdo muito grande! Então, quando a raiva termina de cruzar os meus pensamentos e a razão decide acompanhá-la, retorno a compostura e penso um pouco melhor. Sim, chego a conclusão que eles possuem sim argumentos para ter tal dú
Estou sentada novamente encostada na porta. William, mais uma vez, sentou-se defronte à mim. Quero muito saber que horas são, e se ainda falta muito para amanhecer. A música do lado de fora parece, inexplicavelmente, ainda mais alta.Ninguém mais passou por aqui desde que o casal saiu às pressas, e Hector não voltou ainda, como eu já imaginava. Em meu íntimo, quero saber o que acabou acontecendo entre ele e Suzane. Será que ele se declarou mesmo? Se a resposta for sim, quanta coragem! E em relação aquele casal, o que será que acabou acontecendo quando eles se distanciaram demais e não conseguimos mais ouvi-los? A curiosidade inflama em meu peito.Sinto-me como alguém que está assistindo a um filme em seu ápice total. Estar presa dentro desse banheiro parece-me como viver em uma realidade paralela à que se encontra l&