O amor é para aqueles que aguentam a sobrecarga psíquica, foi o que Charles Bukovisk disse. Eu, particularmente, concordo plenamente com ele. Eu não quero — e nem consigo me imaginar sofrendo por alguém de uma forma tão intensa que dói só de pensar. Quando criança, não desejava conhecer o príncipe encantado. Eu até gostava das princesas.
A minha preferida sempre foi a Bela e a Fera, seguido da Ariel. Meus sonhos eram intensos. Eu não sabia exatamente o que queria ser aos cinco anos de idade, mas eu sabia que queria algo a mais, e esse algo a mais sempre se sobressaía a fantasias amorosas com qualquer garoto. É claro que com o tempo, crescendo, comecei a ver aquelas criaturas como sendo algo atrativo.
O primeiro amor. O coração bailando dentro do peito, feito um dançarino profissional que dá várias piruetas intensas e surpreende a plateia. As mãos suando. O frio intenso na barriga. O medo, receio, coragem, dúvida e vontade tentando ocupar um mesmo espaço de um quarto, tudo de uma só vez.
A desilusão. O choro intenso na madrugada escura do seu quarto. Dói. Dói tanto. Mas depois que a dor passa, tudo volta ao normal. O ciclo se repete. A paixão, o acelerar do coração… Às vezes, muitas vezes, não vai dar certo. Às vezes vai.
Escutando esse moço choramingar sinto-me mal por ele. Coitado! O amor pode te quebrar em pedacinhos quase irreparáveis. Só de pensar em sofrer dessa forma me sinto doente.
— O que acha que devo fazer?
O silêncio fala por alguns instantes. O ambiente escuro e a música tocando do lado de fora me faz acreditar que estou em algum tipo de filme adolescente dos anos 80 que sempre gostei de assistir solitária no meu quarto. Penso que, se estivesse em um, gostaria de ser como Katherine Stratford. Meu “sonho” adolescente sempre foi encontrar um Patrick Verona.
— Tentar. — William fala, acordando-me e trazendo-me para o mundo real mais uma vez.
— Isso eu já sei, foi o que você falou. Mas como eu faço isso?
Ouço o corpo pesado do estranho tombar novamente na porta e o barulho dele deslizando sobre ela. Respiro aliviada. Ao menos William Albano fez com que ele ficasse. Encaro-o esperando que ele prossiga logo com isso e faça o moço nos tirar desse banheiro.
Demora um pouco. Eu fico impaciente. Eu sou impaciente e tudo — ou quase tudo —, me irrita. Começo a ficar brava com o fio de suor que escorre da minha testa e na minha nuca, grudando o meu cabelo. Olho em direção a pia e do lado do vaso sanitário, em busca de papel higiênico. Não encontro. Quase xingo, mas estou desinpaciente demais até para isso. Juro que vou matar Thalia quando sair daqui. Juro. É uma promessa. Foi ela que nos prendeu aqui. Tenho certeza.
— Verdade. — William finalmente fala, e ainda assim, parece continuar pensando no que deve dizer: — Eu acho que você deve começar tentando conversar com ela.
— E o que eu digo? — O estranho pergunta. Posso sentir pelo tom da sua voz que ele está nervoso e indeciso.
— Tenta falar com ela sobre o que você está sentindo. Não é fácil, eu sei que não é. Mas o que você acha que vale mais a pena? Ficar com a dúvida e se deixar ser confundido e levado pelo medo, ou você prefere arriscar e ter uma resposta? — William disserta. Há algo em sua voz: uma leve falha.
Sinto-me dentro de um reality de casais. Aqueles bem toscos e vergonhosos.
É isso o que ele vai dizer? Não tem nada de novo aqui. É a mesma maldita coisa que eu disse. É isso. Inferno! Vamos ficar presos nessa merda até amanhecer e alguém finalmente nos libertar. Tenho vontade de sorrir em ironia diante à minha própria situação, e mediante também ao plano falho e ridículo da minha amiga.
Tantos anos depois e aqui estamos. William está tão bem! Tão bem. Ele ainda é o mesmo. O sorriso brincalhão e eloquente, que te diz muito e ao mesmo tempo não fala nada. Os olhos castanhos e intensos. Ainda não consigo decifrá-los. É um enigma difícil demais. Não que eu ainda queira desvendá-lo. Na verdade, pouco importa. Entretanto, eu não posso negar que vê-lo trás lembranças do passado.
O que você viu nele, Angelina? Era a pergunta que eu rotineiramente fazia a mim mesma quando adolescente, enfurnada no quarto e deitada sobre a cama enquanto assistia um dos tantos filmes antigos que gostava. Ainda gosto. Você não precisa disso, garota. Para com essa merda! Eu apontava mais uma vez, autoritária. Mas, embora eu soubesse que não devia, eu queria. E quando se é adolescente e tudo parece intenso demais, ampliado várias e várias vezes, fica difícil ouvir a voz da razão e não ir na impulsividade. Pelo menos, a Angelina adolescente era ingênua demais para continuar acreditando. Pobre garota iludida!
Você lembra daquele diário? A minha mente aponta. Droga! Eu sinto as minhas bochechas queimarem. A Angelina de treze anos era mesmo uma garotinha fofa e inocente. Afasto o pensamento para bem longe, tentando me focar no momento presente e não em devaneios do passado. Ninguém precisa reviver intensamente suas vergonhas assim, não é? Não. Não precisa.
— Eu quero. — diz o moço. Sua voz está sufocada novamente: — Mas, eu não sei... Como você já disse, não é fácil. Sinto como se tivessem arrancado o meu coração. Eu sou só a porra de um saco de batatas vazio.
Choro. Ele está chorando. William me olha. A expressão de surpresa e interrogação impressa em sua face. E agora, o que fazemos? É o que quero perguntar, por que não sei como agir. Esse cara está bêbado e fodido emocionalmente falando. Não sei se posso ajudá-lo em algo. E agora?
Começo a ficar nervosa. Balanço uma das minhas pernas freneticamente em um ato de puro intranquilidade. Droga!
— Eu entendo que esteja triste. Mas se não tentar manter a calma, como acha que vai conseguir falar o que sente? — dessa vez sou eu quem tenta.
— Você de novo? — ralha ele, parecendo irritado: — Acha que manter a calma é tão fácil assim? Acha que eu quero sentir isso? Se eu pudesse já teria arrancado-a a força daqui de dentro.
Eu estou irritada. Que inferno! Esse cara acha o quê?
— Só estava tentando ajudá-lo. — afirmo, chateada.
Talvez seja melhor ficar a compania de William Albano até o amanhecer. O melhor é manter a paciência e não perder tempo tentando convencer esse cara.
Todavia, William parece não concordar comigo quando aproxima-se mais um pouco da porta e fala:
— Se faz você se sentir melhor, já estivesse em seu lugar.
Isso é interessante, eu nao nego. Meu lado curioso está ativado. Pergunto-me o que isso pode significar. Esteve no lugar dele? Como assim?
— O que você quer dizer com isso? — sonda o rapaz, atento.
— Algum tempo atrás eu me apaixonei por uma garota. Ela era linda, mas naquela época eu achava que éramos muito diferentes. — começa ele, pausando um pouco.
Talvez a lembrança lhe traga algo ruim.
— Achei que você fosse um espírito…
William abre um sorriso de lado.
— Eu sou, mas antes disso fui uma pessoa lembra?
— É verdade. — fala ele. — O que aconteceu?
Silêncio novamente. Estou ainda mais curiosa, tão curiosa que sinto que posso explodir em decorrência a sobrecarga que me atinge. O que eu tenho a ver com isso? A minha mente aponta, como se quisesse me alerta o quão boba estou sendo quando o coração bamboleia forte e cheio de expectativas irreais. Não seja tola, Angelina! Não seja tola.
— Não aconteceu nada. — diz simplesmente.
— E por que não? — O bêbado ainda está fungando.
— Por medo e covardia. — responde. Sua fala é limpa de qualquer sentimento. E, ainda assim, seu tom pesaroso lhe entrega. Isso ainda mexe com ele.
Silêncio.
— Talvez eu deva fazer como você também. — responde o moço — Possivelmente é a melhor solução.
— Não, não é.
Me surpreendo quando ele se apressa em dizer. A convicção ganhando força e intensidade.
— Mas você mesmo não fez isso? Não deu certo? — O estranho questiona.Observo William. Olhos fixos em meu objeto de estudo. Não querodar tanta importância a um fato revelado por ele, mas confesso que a minha curiosidade é do tamanho do mundo — talvez do Universo inteiro —, e ela tem a mania de ser intensificada e ampliada até chegar a níveis extremos. Juro, eu realmente sou muito curiosa!Olho para a frente, para a porta, querendo — e desejando —, que eu tivesse super poderes para atravessá-la de uma vez por todas, ir até Thalia e lhe arrancar uma explicação à base de ameaças intensas. Talvez com a ajuda de algum objeto decorativo da sala ou, quem sabe, dos copos plásticos que estão sendo utilizados de forma terrível pelos convidados e que vão acabar co
— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de j
— Antes de qualquer coisa, não haja assim. — sugiro, decidida — Da forma com a qual falou foi muito arrogante e pretensiosa. Acha mesmo que ela sequer te ouviria se chegasse falando dessa forma? Se fosse eu, certamente não.— E como eu devo chegar nela? — Hector pergunta, sua voz adquirindo um tom mais intenso de desespero: — Inferno! Estou um caos. Eu não quero parecer um babaca, é só que eu estou muito nervoso e não sei o que fazer.Posso afirmar com todas as letras de que eu não iria querer estar na pele dele. Ter que declarar-se abertamente para alguém é de dar nos nervos, e a mínima possibilidade de que isso aconteça comigo — de que eu tenha que me declarar para algum cara a quem gosto, — me dá enjôo e me deixa tonta.— Primeiramente, se quer jogar a ve
— Eu não faria isso. Não sou tão má quanto pensa! — respondo Hector com o tom de voz mais calmo que consigo, porque, apesar de saber que ele está bêbado, sua postura de bebê chorão está começando a me irritar consideravelmente e sei que não posso falar da forma com a qual quero, afinal, preciso dele para sair daqui.Sei que as horas estão correndo, mas sequer sei que horas são. Não uso relógio e não reparei se há algum no pulso de William. De qualquer forma, sei que já se passou um tempo considerável, e tudo o que quero fazer é sair logo daqui.— E se ela disser não? — Hector pergunta. Sua voz está novamente nublada. Ele ainda está chorando, mas agora o choro é contido.Respiro fundo, buscando as melhores palavra
O tempo está passando, mas sinto que talvez ele tenha parado, com o único intuito de nos manter presosa essa situação. Não sei até que horas essa festa vai, mas posso especular que é provável que vá até de manhã. As festas das amigas de Thalia sempre acabam indo até o amanhecer.Ainda estou sentada no mesmo lugar. Faz algum tempo que Hector saiu, e começo a sentir meu coração acelerando muito rápido e a fadiga me atingindo decorrentes da expectativas de que ele venha logo e nos tire desse banheiro. Já observei meus pés várias vezes e, por estar em alerta o tempo inteiro, por que o tédio já me cerca, acabo percebendo que a guitarra de William está posicionada perto da pia. Ele anda de um lado para o outro várias vezes. Alguma coisa em seu rosto me denota preocupaç
— Isso, aí mesmo. —A garota fala, com a voz manhosa.William e eu estamos nos fitando. Provavelmente ele deve estar pensando o mesmo que eu: que merda é essa?A garota solta um gemido.— Você trouxe? — pergunta ela, com o tom cheio de inquietude.Tudo fica em silêncio, enquanto talvez o cara que está com ela procura alguma coisa. Ouço algo caindo no chão. Parece ser o barulho de chaves. O cara xinga alto.— Droga! — grunhe ele. — Louise, meu amor, a gente namora, não é? Só dessa vez não faz mal! — sua voz tem um tom persuasivo. Além disso, há desespero também.— Não e não, Thiago! Sem a porra da camisinha eu não faço, você sabe disso. — a garota dá a sentença.Ouço quando o suposto Thiago xinga novamente. Desta vez, um pouco mais frustrado que antes.— Por favor, só dessa vez
— Tem alguém aqui? Responda! — A voz de Thiago está cada vez mais autoritária. As batidas na porta se tornam mais urgentes. Ainda estou com os olhos fixos em William, mas agora o meu único pensamento é sobre o que vamos fazer para sair dessa situação. E se nos revelarmos? Será uma boa ideia? Será que eles ajudariam a gente? Ou é melhor não se revelar? — E se eles decidirem ajudar a gente? — aproximo-me para sussurrar ao ouvido de William, sentindo, repentinamente, um calor em meu ventre que se estende para todo o corpo. Tento não ligar para essa sensação. Confesso ser um pouco difícil. — A gente não perderia muito coisa. Aliás, as duas únicas opções que poderiam acontecer é ou eles ajudam a gente ou não. — Acha mesmo que devemos fazer isso? Que é uma boa ideia? Podemos esperar por Hector. Não acha que é melhor? — William questiona. Paro para pensar. Em parte, William tem razão. Esperar Hector é uma
Os olhos de William estão sobre mim. Algo me diz que pedir a ajuda deles não foi uma boa ideia. — Sabe o que eu acho que estão fazendo? Mentindo! — agora é Thiago quem, extremamente exaltado, fala: — Para mim vocês estão aí dentro porque querem foder à vontade. Talvez estavam transando. Acha mesmo que eu vou acreditar que estão presos aí? Talvez tenham ficado presos porque não conseguem sair, mas não que alguém tenha os prendido. — O quê? Claro que não! Por que mentiríamos? — exclamo. Estou começando a ficar impaciente com esse casal, porque a suposição que estão fazendo me deixa com muita raiva. Não tem fundamento nenhum eles sequer cogitarem isso. É um absurdo muito grande! Então, quando a raiva termina de cruzar os meus pensamentos e a razão decide acompanhá-la, retorno a compostura e penso um pouco melhor. Sim, chego a conclusão que eles possuem sim argumentos para ter tal dú