— Então... No que posso te ajudar?
Enquanto eu tento ser útil para o moço do outro lado da porta, para que ele se sinta rapidamente satisfeito e nos tire daqui, William apenas sorri ao meu lado. Eu olho para ele, tentando fazê-lo parar quando fecho a cara em sua direção.
Conquanto, não surte efeito algum. Estando tão próximos como estamos, consigo visualizá-lo bem melhor, embora o banheiro possua uma atmosfera mais escura devido à luz amarelada e velha que parece não ter sido trocada há muito tempo.
Seu sorriso é mais bonito do que eu me lembrava, e seus olhos são... É difícil explicar, mas, de uma forma totalmente misteriosa e desconhecida por mim, eles parecem quase como um chamado intenso.
Desperta garota! Eu me viro novamente para a porta quando o moço se pronuncia, de forma grogue, falando desengoncadamente:
— Você sabe, espírito. Eu não acho que precise te contar. Você não é um daqueles espíritos que tudo sabem?
Eu demoro um pouco para respondê-lo. Não porque sua pergunta seja algo difícil. Na verdade, estou encucada com a minha reação diante a William. O que há com você? É passado! Lembra? A mente quer argumentar, mas o coração acelerando uma batida a cada novo segundo que se passa discorda veementemente.
Droga de coração traiçoeiro!
— Você ainda está aí, espírito? — O moço bêbado questiona.
— Sim, ainda estou. — respondo de imediato, voltando a mim. Não posso de forma alguma deixá-lo escapar. É a nossa chance de sair daqui — Eu sei sobre tudo, é verdade. Mas seria interessante que você falasse. Assim, além de fazê-lo se sentir melhor por colocar tudo para fora, refrescaria a minha mente e me faria te ajudar melhor.
Silêncio. Desvio minhas órbitas escuras novamente em direção de William. Estou receosa que o bêbado tenha desistido e ido embora. Quem sabe não pegou no sono? Era só o que faltava! O moço ter dormido. O que faremos? Não quero mais ficar aqui dentro. O calor está aumentando. Estou hiperventilando. Porque William está tão próximo? Ele não pode se afastar um pouquinho?
— Você está bem? — questiona ele, mirando-me com os olhos opinativos.
Respiro fundo. Que merda está acontecendo?
— Você tem razão! — exclama o desconhecido, parecendo estar certo diante a sua fala ao demonstrar um tom mais acertivo. — Mas por onde começo?
— Talvez queira me dizer porque acha que Suzane pode ser a mulher certa para você? — concentro-me no moço, sem responder William.
Salva pelo bêbado! Ufa.
— Eu não acho, eu sei. — diz ele, certo de si.
— Tudo bem. — falo, tentando soar compreensiva: — Mas toda essa certeza se baseia em quê?
— Eu me apaixonei por Suzane no dia à dia. Nós nos conhecemos esse ano, sabe, quer dizer, você sabe. — sorri ele, demorando um pouco a voltar a falar novamente: — Fui eu que dei o primeiro passo, indo falar com ela em uma dessas festas das meninas. Então, enfim, nós estamos juntos desde então.
— Eram namorados? Ela terminou contigo, foi isso?
— Você está me ouvindo? — seu tom fica impaciente: — Não. Ela veio para cá com outro cara, lembra?
— Por que ela fez isso?
— Porque a gente não namora, ela pode ser de quem quiser. Ficar com quem quiser. Merda! Eu a amo tanto que isso dói demais.
Ele volta a chorar. Começo a sentir dó dele. Coitado! Deve estar mesmo muito apaixonado.
— Por que você não tomou iniciativa e pediu-a em namoro? — aponto o óbvio.
— Não sabia se era para valer... — sua voz está ainda mais rouca e grogue.
— E por que não? — questiono.
— No começo éramos só amigos, daí passamos a ser amigos com benefícios. Depois tornou-se algo a mais, só que a Suzane não queria algo sério na época. Daí a gente ia e vinha, no intervalo de tempo em que brigavamos por ciúmes e depois retornavamos para os braços um do outro. É complicado...
Nossa! A Aituação do estranho bêbado é realmente muito intensa. Penso comigo mesma, imaginando que a minha vida é bastante sem graça mesmo. O moço anda nessa montanha russa enquanto eu continuo compenetrado em cuidar apenas dos meus gatos. E o que eu sei do amor para dar-lhe conselhos? Quase nada. Só tive um relacionamento sério que durou pouco tempo. Alguns casos chulos. Sem muita emoção.
— E então ela chegou com esse cara e de repente você quer pedi-la em namoro, é isso? — aponto o óbvio outra vez. Sou um desastre nessas assuntos que envolvem o coração e todas aqueles corações coloridos jogados no ar, como confetes.
Desastre ambulante.
— Ela não quer, espírito.
— Já tentou antes? Já perguntou isso a ela?
— Eu iria tentar hoje, não me ouviu? — do meu lado, William sorri: — Eu quero tentar, mas ela parecia tão feliz com ele. Disse para mim, quando fui falar com ela, que o amava.
Porra! Que situação!
— Então desista. — é o que escapa da minha boca.
William, vendo-o através do canto do olho, encara-me com as sobrancelhas levantadas. O quê? Pedi-lo para desistir é algo ruim? Não. Não é. Ora, se a garota está apaixonada por outro, o que pode ele fazer?
— Que merda de conselho horrível é esse? - fala ele. Seu tom parece carregar indignação.
O quê?
— Eu estou ajudando-o, não era isso o que queria?
— É claro que sim! Mas que droga de conselheira é você que me manda desistir de algo tão importante para mim?
— Se ela disse que está apaixonada por ele, o que tu pode fazer? Desistir e seguir em frente é a melhor opção.
— Mas ela não disse isso, exatamente, ela só disse que gostava dele. — tenta se defender.
— E o que ela disse sobre você? Sobre vocês? A situação em que vocês se encontram?
— Nada. Eu saí de lá com o coração na mão. — sua voz começa a nublar no novamente.
— Então ela não disse se queria continuar como estão? Olha, pode ser que vocês continuem como estão, sabe...
— Só que eu não quero. Eu quero poder chamá-la de namorada e apresentá-la aos meus amigos. Quero poder dizer “eu te amo” sem medo de ser jogado de lado. Quero que ela me ame de volta. E sim, eu sei que ela não é obrigada a me amar de volta, mas custa tentar? — há dor no seu coração, posso senti-la.
Que eu digo para ele? Eu não sei. Não quero torná-lo um iludido, mas também não quero tirar as suas esperanças totais.
— Então você tem que decidir o que vale mais a pena: Pedi-la em namoro e encarar a realidade, seja ela qual for, ou simplemente desistir. — falo seria.
O estranho demora a responder mais uma vez. Parece estar decidindo o que fazer: e eu o entendo. Na verdade, a coragem sempre parece se acender feito um candelabro ou uma vela num quarto escuro e fechado. Às vezes, fora dali, ela não faz efeito. Todavia, num quarto escuro e fechado, aquela única vela pode ser essencial. No entanto, quando a duvida chega, ela é capaz de te fazer apagar aquela vela — sua única fonte de luz —, com um sopro forte e potente, cheio de certezas.
E depois que eu falar o que sinto, o que acontece?
Talvez seja essa a pergunta que faça com que muitas pessoas criem paranoias absurdas e sequer tentem. Eu sei como é. Eu sou uma dessas pessoas. Viver na dúvida é um conformismo. Sair dela é um ato de coragem. Eu nunca tive.
— Não tem uma fórmula mágica? Você não pode lançar um feitiço? Sei lá, me dar alguma porção para que eu consiga adquirir coragem e ir até ela? — há nervosismo em sua voz, além de ansiedade crescente.
Noto que há também esperança em sua fala. Quem nunca quis uma porção mágica que lhe desse a coragem que tanto procura?
— Não posso, infelizmente...
— Então que eu faço?
— Acho que deve desistir.
E então percebo que falo mais para mim mesma do que para ele.
— É esse o conselho que tem para me dar? Falar que eu devo desistir?
— Se há a dúvida então é melhor que nem tente. — ralho, no achismo de ter a certeza de que estou falando o que é sensato.
Ouço o seu riso. Ele carrega algo ruim. Um sentimento de, quem sabe, desesperança.
— Você nunca se apaixonou?
Apaixonar. Essa palavra me causa calafrios.
— Eu sou um espírito, lembra? — aponto, certa de que ele vai deixar isso para lá.
— É, eu sei. Mas antes de se tornar o que é, nunca se apaixonou? — noto curiosidade em seu tom de voz.
— Isso não é relevante. Estamos falando de você.
— Tudo bem, acho que já acabamos por aqui.
Ele parece se levantar. De repente, entro em alerta. Ah não! Não acredito que ele não vai nos tirar daqui! Não! Não! Não! Não é justo.
— Espera, onde vai? — inquiro.
— Vou embora. — exprime ele, simplesmente.
— Não vai nos tirar daqui? Você prometeu, lembra? Eu te ajudei.
— Você me ajudou? Ajudou em quê? — ri ele — Você nem tentou entender a situação.
O quê? Esse cara está de brincadeira comigo, só pode!
— Você precisa nos tirar daqui! Eu te ajudei sim, não tenho culpa se você não consegue encarar a realidade. — ralho — Se a Suzane quer outro, o que tu pode fazer? Nada! Esqueça e siga em frente, cara.
— Adeus, espírito. Fica preso ai, você nao merece ser libertado.
— Espera! — grito.
Ele não responde mais. Ouvimos quando ele se levanta desengoncadamente. Olho para William em busca de ajuda.
— Eu posso te ajudar. Deixe-me tentar.
Silêncio.
— E quem é você? — O cara pergunta, desconfiado.
— Sou o outro espírito.
— E como posso confiar em ti sendo que a outra se quer me deu uma direção?
Quero falar algo, mas o olhar de William sobre mim pede calma.
— Eu acredito que você deve tentar. Está apaixonado por ela, não está?
— Sim, estou. Mas como eu faço isso?
— Primeiro de tudo, você não deve desistir sem antes tentar. Uma vez no passado fiz isso e acabei me arrependemos amargamente.
Agora ele está me olhando.
O que isso quer dizer?
O amor é para aqueles que aguentam a sobrecarga psíquica, foi o que Charles Bukovisk disse. Eu, particularmente, concordo plenamente com ele. Eu não quero — e nem consigo me imaginar sofrendo por alguém de uma forma tão intensa que dói só de pensar. Quando criança, não desejava conhecer o príncipe encantado. Eu até gostava das princesas.A minha preferida sempre foi a Bela e a Fera, seguido da Ariel. Meus sonhos eram intensos. Eu não sabia exatamente o que queria ser aos cinco anos de idade, mas eu sabia que queria algo a mais, e esse algo a mais sempre se sobressaía a fantasias amorosas com qualquer garoto. É claro que com o tempo, crescendo, comecei a ver aquelas criaturas como sendo algo atrativo.O primeiro amor. O coração bailando dentro do peito, feito um dançarino profissional que dá várias pirue
— Mas você mesmo não fez isso? Não deu certo? — O estranho questiona.Observo William. Olhos fixos em meu objeto de estudo. Não querodar tanta importância a um fato revelado por ele, mas confesso que a minha curiosidade é do tamanho do mundo — talvez do Universo inteiro —, e ela tem a mania de ser intensificada e ampliada até chegar a níveis extremos. Juro, eu realmente sou muito curiosa!Olho para a frente, para a porta, querendo — e desejando —, que eu tivesse super poderes para atravessá-la de uma vez por todas, ir até Thalia e lhe arrancar uma explicação à base de ameaças intensas. Talvez com a ajuda de algum objeto decorativo da sala ou, quem sabe, dos copos plásticos que estão sendo utilizados de forma terrível pelos convidados e que vão acabar co
— É claro que pode! — William o responde, sendo bastante prestativo e até mesmo interessado em ajudá-lo de verdade.Eu ainda estou pensativa, me perguntando o que diabos estou sentindo. Talvez tenha sido o vinho. Apesar de uma garrafa não ser o suficiente para me embebedar — não uma compartilhada —, ainda assim, meu corpo parece estar mais elétrico. Então, sentindo os meus pés doerem, eu tiro os sapatos de salto alto. Não sei o motivo exato por ter colocado-os, eu nem mesmo sou adepta ao salto e muito menos sei andar bem com eles. De qualquer forma, me sinto aliviada quando os tiro, colocando-os do meu lado perto da porta. A satisfação é instantânea e vem de repente. Essa merda estava muito apertada!— Isso é bom! — a voz de Hector está, agora, mais animada e eufórica: — O que tu acha de j
— Antes de qualquer coisa, não haja assim. — sugiro, decidida — Da forma com a qual falou foi muito arrogante e pretensiosa. Acha mesmo que ela sequer te ouviria se chegasse falando dessa forma? Se fosse eu, certamente não.— E como eu devo chegar nela? — Hector pergunta, sua voz adquirindo um tom mais intenso de desespero: — Inferno! Estou um caos. Eu não quero parecer um babaca, é só que eu estou muito nervoso e não sei o que fazer.Posso afirmar com todas as letras de que eu não iria querer estar na pele dele. Ter que declarar-se abertamente para alguém é de dar nos nervos, e a mínima possibilidade de que isso aconteça comigo — de que eu tenha que me declarar para algum cara a quem gosto, — me dá enjôo e me deixa tonta.— Primeiramente, se quer jogar a ve
— Eu não faria isso. Não sou tão má quanto pensa! — respondo Hector com o tom de voz mais calmo que consigo, porque, apesar de saber que ele está bêbado, sua postura de bebê chorão está começando a me irritar consideravelmente e sei que não posso falar da forma com a qual quero, afinal, preciso dele para sair daqui.Sei que as horas estão correndo, mas sequer sei que horas são. Não uso relógio e não reparei se há algum no pulso de William. De qualquer forma, sei que já se passou um tempo considerável, e tudo o que quero fazer é sair logo daqui.— E se ela disser não? — Hector pergunta. Sua voz está novamente nublada. Ele ainda está chorando, mas agora o choro é contido.Respiro fundo, buscando as melhores palavra
O tempo está passando, mas sinto que talvez ele tenha parado, com o único intuito de nos manter presosa essa situação. Não sei até que horas essa festa vai, mas posso especular que é provável que vá até de manhã. As festas das amigas de Thalia sempre acabam indo até o amanhecer.Ainda estou sentada no mesmo lugar. Faz algum tempo que Hector saiu, e começo a sentir meu coração acelerando muito rápido e a fadiga me atingindo decorrentes da expectativas de que ele venha logo e nos tire desse banheiro. Já observei meus pés várias vezes e, por estar em alerta o tempo inteiro, por que o tédio já me cerca, acabo percebendo que a guitarra de William está posicionada perto da pia. Ele anda de um lado para o outro várias vezes. Alguma coisa em seu rosto me denota preocupaç
— Isso, aí mesmo. —A garota fala, com a voz manhosa.William e eu estamos nos fitando. Provavelmente ele deve estar pensando o mesmo que eu: que merda é essa?A garota solta um gemido.— Você trouxe? — pergunta ela, com o tom cheio de inquietude.Tudo fica em silêncio, enquanto talvez o cara que está com ela procura alguma coisa. Ouço algo caindo no chão. Parece ser o barulho de chaves. O cara xinga alto.— Droga! — grunhe ele. — Louise, meu amor, a gente namora, não é? Só dessa vez não faz mal! — sua voz tem um tom persuasivo. Além disso, há desespero também.— Não e não, Thiago! Sem a porra da camisinha eu não faço, você sabe disso. — a garota dá a sentença.Ouço quando o suposto Thiago xinga novamente. Desta vez, um pouco mais frustrado que antes.— Por favor, só dessa vez
— Tem alguém aqui? Responda! — A voz de Thiago está cada vez mais autoritária. As batidas na porta se tornam mais urgentes. Ainda estou com os olhos fixos em William, mas agora o meu único pensamento é sobre o que vamos fazer para sair dessa situação. E se nos revelarmos? Será uma boa ideia? Será que eles ajudariam a gente? Ou é melhor não se revelar? — E se eles decidirem ajudar a gente? — aproximo-me para sussurrar ao ouvido de William, sentindo, repentinamente, um calor em meu ventre que se estende para todo o corpo. Tento não ligar para essa sensação. Confesso ser um pouco difícil. — A gente não perderia muito coisa. Aliás, as duas únicas opções que poderiam acontecer é ou eles ajudam a gente ou não. — Acha mesmo que devemos fazer isso? Que é uma boa ideia? Podemos esperar por Hector. Não acha que é melhor? — William questiona. Paro para pensar. Em parte, William tem razão. Esperar Hector é uma