Capítulo 04

(Ethan)

A noite estava fria, mas o ar estava limpo. Eu não costumava andar por aquele lado da cidade. Sempre havia evitado os bares do centro, o cheiro de álcool misturado ao perfume barato das mulheres e à fumaça de cigarro. Mas algo me fez parar naquela noite. O instinto, talvez. Ou a sensação de que algo estava prestes a acontecer, como se o universo estivesse preparando uma tempestade.

Eu estava caminhando por uma rua vazia, os passos pesados, quando passei em frente ao bar. A porta estava entreaberta, e o som abafado de conversas e risadas escapava de dentro. Algo me puxou para lá. Não sabia o que exatamente, mas parecia certo, como se estivesse sendo guiado por algo além de mim mesmo.

Eu posso ouvir tudo — até os passos ecoando contra o chão de madeira do bar, sua respiração irregular, o som suave da sua pulseira batendo contra o braço. Cada detalhe parece mais nítido, mais real. Sua voz, a maneira como ela responde ao patrão… é como se eu estivesse no centro de seu mundo, ouvindo seu sofrimento e sua luta em cada sílaba. Mas o que me choca é quando ela fala de seu pai. Esse peso nos seus ombros, esse desespero que parece ainda mais pungente do que qualquer coisa que eu já vi.

Entrei e me misturei rapidamente às sombras, observando de longe, sem que ninguém percebesse minha presença. O lugar estava longe de ser discreto. Havia uma energia errada no ar. Talvez fosse a tensão, ou talvez a maneira como as pessoas dentro do bar se afundavam no álcool para esquecer suas preocupações, mas tudo parecia errado.

Fiquei nas sombras, observando sem ser notado. O cheiro do álcool, o som das risadas, as conversas abafadas – nada disso me interessava. Mas o que aconteceu em seguida, isso sim me chamou a atenção.

Ela entrou no meu campo de visão.

Ella.

Era ela que chamou minha atenção, antes mesmo de eu entrar no bar.

A primeira coisa que percebi foi a sua estatura pequena, uma mulher baixa, mas que carregava uma presença que parecia ocupar o espaço inteiro. Seus cabelos longos e castanhos escuros, lisos, desciam em ondas por suas costas com um brilho sutil à luz suave do bar. Ela tinha os traços delicados do rosto, como se fossem esculpidos com cuidado, mas seus olhos… Seus olhos eram o que mais chamava a atenção. Eram grandes, claros e profundos, como se escondessem um oceano de emoções que ela tentava manter controlado. Algo que eu só vi antes em criaturas como eu – algo primal.

O contraste entre sua delicadeza e a força em sua postura era inegável. Ela estava no centro do bar, mas parecia distante, como se o lugar todo fosse uma prisão que ela tentava escapar. Seus quadris largos e o busto avantajado davam-lhe uma silhueta arrebatadora, uma mulher que, embora fosse de estatura pequena, dominava o ambiente. O seu jeito de andar, a maneira como seu corpo se movia com graça e fluidez, mas ao mesmo tempo com a cautela de quem sabe que algo poderia acontecer a qualquer momento, me deixou hipnotizado.

Eu não sabia exatamente por que, mas algo dentro de mim se aquietou quando a vi. Algo primordial. Eu soube, naquele momento, que ela era diferente. Ela não era apenas mais uma mulher no bar, mais um rosto entre outros.

Ela parecia um reflexo de algo que eu já havia visto antes, algo que me atraía de maneira inusitada, sem que eu soubesse exatamente o porquê. O momento foi quase hipnótico. Eu fiquei parado por um segundo, observando ela se afastar de um cliente e dirigir-se até o balcão, o movimento do seu corpo fluido, mas com uma leve tensão. Algo me dizia que ela estava em um ambiente que não queria estar, mas por alguma razão, tinha que aguentar.

Mas, antes que eu pudesse processar o que estava sentindo, eu a observo voltar e parar na mesa daquele cliente que ela havia se afastado antes.

— Ei, senhorita. Está muito ocupada para bater um papo? — A voz dele era áspera, quase um sussurro ameaçador. Ele a segurou pelo braço, fazendo-a parar.

— Eu... estou trabalhando. Me solte, por favor, — ela sussurrou, tentando não chamar muita atenção.

Ela tentou puxar braço, mas ele apertou com mais força, os dedos afundando em sua pele perfeita. O dono do bar, que deveria zelar por seus funcionários, principalmente as mulheres, estava ocupado demais flertando com uma cliente.

Ele não soltou, em vez disso, se levantou e inclinou-se para ela, o rosto tão próximo que, ela revirou o rosto com o hálito dele através de sua pele. — Vamos. Só uma conversa,— disse ele, arrastando as palavras.

A audição de um lobo é afiada, capaz de captar até os menores ruídos. Eu ouvi o som do homem rindo de maneira desagradável. A pressa nas palavras, o perigo nas suas intenções. Eu vi o gesto de Ella tentando se afastar, mas ele a segurou, mais forte do que deveria, com as mãos desajeitadas e perigosas. E ali, eu sabia que não podia mais esperar.

O homem bêbado começou a incomodá-la. Eu vi os sinais, a maneira como ele se aproximou dela, sua postura agressiva, e, de repente, algo estourou dentro de mim. Meu lobo se agitou, sentindo a ameaça. Não pude mais me conter.

Caminhei em direção ao bar com um passo rápido, cada som da rua e do bar distorcido pelos batimentos acelerados em meu peito. Minha mente, racional por um instante, me alertava sobre os riscos, mas a necessidade de proteger aquela mulher era mais forte. Não só pela situação, mas pela maneira como ela mexia comigo.

— Solta ela. — Minha voz era baixa, mas a força nela era inegável, como se cada palavra tivesse o peso de um trovão. O homem se virou para mim, ainda com um sorriso doentio nos lábios. Ele não sabia o que estava prestes a enfrentar.

A tensão na sala ficou palpável. O homem não queria desistir. Ele estava bêbado demais para perceber que seu corpo não estava mais no controle. Mas então, algo aconteceu. Ele percebeu, pela primeira vez, que estava sendo observado por algo muito maior e mais perigoso do que ele poderia imaginar. Ele se afastou lentamente, seu olhar encontrando o meu, surpreso.

Quando ele se retirou, minha atenção se voltou para Ella. Ela estava ali, de pé, com os olhos fixos em mim, mas com uma expressão de confusão, como se estivesse tentando entender o que acabou de acontecer. Eu poderia ouvir seu coração batendo mais rápido, a respiração pesada. Ela não sabia quem eu era, mas havia algo ali. Algo inexplicável.

— Está tudo bem? — Perguntei, a minha voz suave, tentando quebrar o gelo. Mas a tensão no ar ainda era palpável. Ella não respondeu imediatamente. Ela só me olhou, seus olhos grandes e brilhantes, e eu vi algo ali. Não era apenas o medo. Havia uma centelha, uma energia compartilhada. Como se, naquele momento, uma conexão tivesse se formado entre nós.

Ella respirou fundo e deu um passo em direção a mim, hesitante. Mas a minha presença parecia lhe dar alguma confiança, mesmo que ela não soubesse quem eu era.

Eu estendi a mão, não como um gesto de domínio, mas como uma oferta. Uma troca silenciosa. Ela hesitou por um momento, e então aceitou. Sua mão encontrou a minha, e no instante que nossos dedos se tocaram, algo dentro de mim explodiu. Era como se o universo tivesse se alinhado. Eu sabia, naquele momento, que essa mulher faria minha vida mudar.

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