João Paulo
Viver na maior capital do país é uma maravilha.
Muitas mulheres, agitação, oportunidades e abundância. No entanto, tudo tem seu preço. São Paulo dá oportunidades a alguns, tira de outros, e ainda tem os que não se esforçam para fazer sua vida acontecer.
Com tanta movimentação na maior cidade do país, o tráfego de automóveis continua em sua frequência lenta e passiva. Hoje, de acordo com as estimativas que o radialista faz questão de noticiar a cada quinze minutos através do sistema de som do carro, o engarrafamento chegará a dez quilômetros. Não deveria me importar se fosse um dia qualquer, todavia, é impossível não ficar entediado quando se tem uma reunião importante e o trânsito não ajuda em nada.
Através do vidro do automóvel, observo a massa em sua rotina diária. Homens e mulheres correndo para seus possíveis trabalhos, outros apenas observando os artistas de rua que também estão trabalhando.
Tudo se resume a trabalho. Quando as pessoas vão perceber que morrem e o trabalho fica?
Hipocrisia da minha parte, já que agora mesmo estou indo para a Sede da Arrais Motors me apresentar pessoalmente como advogado da empresa.
Henrique, meu amigo desde a faculdade, indicou essa vaga para mim. Ele está à frente da Arrais há algum tempo, entretanto, não é o todo-poderoso de lá. Segundo minhas pesquisas, e pelo pouco que ele me contou, sua irmã que é a CEO do império automobilístico. Apesar de tudo, como eu já presumi, a mesma não gosta de estar frequentemente no escritório, deixando esse papel para o sortudo do Henrique. Pelo que entendi, poucas pessoas sabem que ela é a “mandachuva”, e isso me levou a desconfiar que ela não tem capacidade de m****r naquilo tudo, porque a pessoa para com****r uma empresa na estirpe da Arrais, tem que ter pulso firme. Outro ponto negativo e que eu suponho ser positivo é que se ela for igual ao Henrique e o senhor Alfredo, pai dela, provavelmente esbanja a fortuna com coisas fúteis. Entretanto, eu ainda aposto na minha primeira opção, a que ela deve ser mesmo uma incompetente.
Meu celular vibra no bolso interno do terno. Creio que seja minha mãe, que não se conforma com minha decisão de não trabalhar mais com meu pai e seu sócio.
Há algum tempo resolvi me desvincular do escritório de advocacia do meu pai para trabalhar por conta própria, mas só agora dei voz a razão e fiz o que minha vontade pediu. Embora eu já tenha uma carreira consolidada, o convite do meu amigo para trabalhar na empresa de sua família veio bem a calhar. Sem contar que incluir uma empresa como Arrais Motors no meu portfólio de clientes, e ainda ter a oportunidade única de trabalhar no administrativo, é a satisfação de todo advogado.
— O senhor está bem, J.P? — Marcos pergunta de cenho franzido.
— Sim, tudo certo, só um pouco irritado com esse fluxo lento.
— Entendo, senhor, mas logo chegaremos. Pode ficar tranquilo.
— Tudo bem, Marcos! Não é sua culpa mesmo.
Marcos é um ótimo funcionário, trabalha há anos na família. Atua também como meu segurança de vez em quando. Fico me perguntando onde ele acha tanto tempo e disposição para esse trabalho, pois, dentro de sua postura competente, Marcos está sempre disponível para o que lhe for solicitado.
Mais uma vez paramos em um semáforo. Olho o relógio e vejo que ainda temos tempo. Minha reunião está marcada para às onze da manhã. Saí um pouco antes do horário a fim de chegar a tempo.
Odeio atrasos. Se for de minha parte, pior ainda.
O barulho de um motor me desperta para o mundo a minha volta.
— Mas o que diabos é isso? — pergunto, esquentado.
Viro o corpo para trás tentando identificar o ponto de onde está vindo toda aquela barulheira. Pouco consigo ver quem está no comando daquele treco de som estridente.
Como se já não bastasse o barulho infernal dos carros, o motociclista acelera mais um pouco em protesto à lentidão a nossa frente.
Olho de relance pelo retrovisor da frente e admiro o exato momento em que ele encosta ao lado direito do carro enquanto equilibra a moto quase parada. Tiro à vista, mas sou compelido a dar uma segunda olhada quando o motociclista se emparelha com minha janela, me obrigo a abaixar o vidro e viajar mais um pouco naquelas curvas perigosas.
Suas formas femininas me deixam de boca aberta.
As coxas grossas e torneadas, destacam-se em um jeans surrado mostrando o cós da calcinha vermelha. Como se aquela mulher precisasse me deixar mais hipnotizado, ela inclina-se levemente sobre a moto, empina o bumbum arredondado ao ver pelo retrovisor que não desgrudo os olhos dela.
O movimento me faz imaginar as sacanagens mais imorais possíveis.
A mulher eleva a viseira do capacete, pisca para mim, logo em seguida acelera mais indicando que está prestes a seguir seu destino entre o mar de automóveis.
Em um piscar de olhos, menos de um segundo posso afirmar, ela sai em disparada no meio do tráfego assim que houve uma abertura entre os carros.
Forço-me a sair do entorpecimento causado pela motociclista gostosa e percebo que não posso perdê-la de vista.
Maldito engarrafamento!
— Siga aquela moto, Marcos! — mando de modo autoritário. Algo que ele já está acostumado, principalmente por receber os gritos de minha mãe.
A vergonha se faz presente quando percebo que isso não é motivo que justifique minha falta de educação.
— Faça o seu melhor em não a perder de vista.
— Sinto muito, senhor, mas é impossível nesse trânsito — explica, sem graça.
— Não a perca de vista — rebato de forma brusca.
Depois de alguns minutos tentando não a perder no meio de tantos carros, vejo que é loucura ir atrás de uma desconhecida que me fez ficar excitado só em empinar a bunda.
Arrumo meu pau semiereto dentro da calça, frustrado.
Bem que eu gostaria de encontrá-la, jogar um charminho — esse que faz qualquer mulher ficar de pernas bambas —, e depois me aventurar naquele corpo que, absolutamente, me deixou aceso só em admirá-lo.
Gostaria de fazer tudo isso, de preferência, em cima da sua moto.
Mas, infelizmente, o dever me chama. Toco o ombro do motorista.
— Vamos para a Arrais.
— Tem certeza, senhor?
Apenas assinto de leve.
Felizmente e como em um passe de mágica, o tráfego melhorou significativamente.
Continuo disperso, a visão daquele corpo curvilíneo não sai da minha cabeça.
— Tenho que encontrá-la
Após percorrer alguns quilômetros, Marcos estaciona o carro em frente ao prédio lustroso. Saio do interior frio do carro depois de abotoar o terno e arrumar a gravata pela milésima vez.
O prédio da Arrais não é muito grande, porém, é bem localizado, próximo à Avenida Paulista. Seu design é moderno, com vidraças escuras e brilhantes além de ter uma bela composição em aço. O hall de entrada possui algumas colunas escuras que combinam com o chão de granito preto reluzente.
Chego à recepção e sou recebido por uma morena que exibe um sorriso exageradamente branco. Seus olhos verdes brilham ao medir meu corpo de cima a baixo.
— Pois não?! O senhor deseja algo?
Tenho a leve impressão de que esse “deseja algo” veio com segundas intenções.
— Sim, tenho horário marcado com Henrique Arrais. — Olho o relógio de época que há na recepção. — E ele já me espera — comunico e sigo rumo ao elevador.
Seu sorriso maroto se esvai deixando uma expressão de desapontamento aparente.
Gosto de mulheres, amo mulheres. Elas são gostosas e esquentam sua cama no inverno ou verão, mas há uma coisa: gosto de ir à caça, ter o prazer de conquistar e desfrutar de todo seu corpo. Não ao contrário.
Antes de chegar ao elevador, noto uma cena muito interessante. Uma mulher muito atraente anda de braços dados com um senhor muito mais velho que ela.
Pelas vestes de ambos, são funcionários da empresa.
A interação deles é incomum. Dividem uma conversa entre risos e gargalhadas que me deixa curioso para saber do que se trata.
— Segura o elevador, por favor! — Ela grita para ninguém especial, mas eu faço o serviço já que fui o último que entrou.
Mesmo de longe, noto que sua voz possui um tom um pouco áspero, mas sedutor.
— Até logo Seu Valdir! Foi um prazer rever o senhor. — Ela se despede do senhor que a beija no rosto seguido de um abraço.
— Até mais, menina. Se cuida — o senhor responde e se retira com uma vassoura em punho.
A mulher entra no elevador expondo um sorriso lindo.
Embora sua aparência seja madura, ela possui um ar de menina sapeca.
— Bom dia! — cumprimenta a todos que a respondem chamando de Doti.
Doti? Será de quê?
Observo suas roupas e vejo que estão em péssimo estado. O macacão azul-marinho com a logo da empresa em um dos bolsos da lateral, têm algumas manchas de óleo queimado além de estar um pouco desgastado pela ação do tempo. Ainda assim, por mais que esteja com uma situação ruim, ele não é capaz de esconder a perfeição que é o corpo dessa linda mulher: curvas nos lugares certos, seios fartos, quadril largo e bunda empinada.
Absolutamente uma Deusa em meio aos mortais.
Ela me olha por cima do ombro e vejo que ela tem graxa até mesmo na ponta do nariz bem-feito.
Respiro fundo tentando distinguir seu perfume que mesmo com o odor de óleo queimado, foi capaz de sobressair ao leve toque cítrico de seu cheiro, misturado com alguma fragrância frutada.
Olho ao redor e nenhum dos engravatados que dividem o elevador conosco, estão incomodados por sua presença. Não que nenhuma pessoa tenha alguma coisa a ver, mas ainda assim, ela pode estar indo ao lugar errado. Provavelmente, entrou nesse elevador por engano.
Não me contenho e vou falar com ela.
A toco no ombro.
— Moça, me desculpe, mas você não está no elevador errado? — Ela arqueia a sobrancelha acobreada expondo um sorrisinho petulante.
Sua beleza é estonteante ao mesmo tempo, que seu olhar dourado tem um brilho travesso.
— E por que acha isso? — interroga de forma aborrecida.
Isso vai ser divertido.
Levo o dedo na boca para esconder o riso enquanto a avalio de cima a baixo.
— Para mim, está claro que você deveria estar no elevador de serviços — esclareço o óbvio, arrogante, pedindo a Deus que ela me conteste com essa mesma carranca.
Sem se agitar fisicamente, ela veste uma postura presunçosa e me enfrenta.
— Me diga senhor...
— João Paulo Dantas — respondo.
— Que seja! Me diga: o que o senhor é? O que faz na empresa?
— Sou advogado. — Por um breve momento, ela parece confusa e, percebo isso pela forma delicada que ela move a cabeça para a direita e franze as sobrancelhas.
— Então, João Paulo Dantas, você é advogado dessa empresa, deste modo, não passa de um funcionário, assim como eu. — Emudeço, abobado com sua coragem e envergonhado por não pensar por esse ângulo antes. Para completar a martelada, ela continua: — dividiremos o mesmo elevador ou o senhor pode ir pelas escadas, ou pelo elevador de serviços. A escolha é sua.
Dito isto, o elevador já está parado com as portas abertas, e apenas nós dois continuamos nele.
Dorotéia Hoje o dia está corrido — como sempre nos últimos três meses. Olho o relógio pela centésima vez e percebo que está na hora de ir. Uma das minhas peculiaridades é acordar cedo. Razão, pela qual, Fabi me chama de “galinha velha” quando está irritada. Mas, ao contrário do que ela pensa ser só uma mania besta, esse é o horário que vejo o mais belo espetáculo da mãe natureza. Hábito que aprendi com meu avô — que Deus o tenha em paz. O nascer do Sol é a prova viva que nós, meros mortais, podemos e precisamos começar de novo. Nos dar uma segunda chance, não só a nós mesmos, mas ao próximo também. Parece sentimental até para mim, porém, no fundo, todos sabem que sou assim. Uma fortaleza por fora e manteiga derretida por dentro. Respiro fundo ao sair do meu estado contemplativo. Visto uma roupa que Fabi escolheu quando fomos às compras, após muita insistência dela. Devo confessar que ela fez um bom trabalho na escolha de vária
João Paulo Para o bem da minha própria sanidade, a senhorita casca-grossa sai pisando duro, balançando a bunda grande e empinada que busca espaço dentro do macacão que, notavelmente, não é seu número. Inclino para trás, vendo-a rebolando e solto um gemido ajustando a virilha. — O senhor está bem? — alguém pergunta. Solto lentamente o ar que preenche meus pulmões. De uma hora para outra, ele havia se tornado rarefeito e quente. Não sei o que fazer, se continuo a olhar o gingado do quadril largo e perfeito da senhorita língua afiada, ou entro de uma vez no elevador que se tornou pouco interessante agora. Nunca havia me divertido tanto em provocar uma mulher brava, mas essa me deu vontade de instigá-la mais um pouquinho. Tirar seu prumo. Me fez até esquecer da outra gostosa da moto. Não me passou despercebido que suas feições mostravam o quanto estava excitada. Porra! — Sim,
Dorotéia Já são duas da tarde e ainda não almocei. Minha barriga ronca só em imaginar uma bela refeição, no entanto, a imagem da comida fantasiosa se desfaz quando a porta se abre e meu irmão passa por ela com uma expressão nada boa depois de... uma semana!? — O que você acha que está fazendo, Dorotéia? — Ele puxa a cadeira em frente da mesa e se senta logo em seguida. Paro a análise das projeções de vendas dos últimos meses e o encaro. — Se você disser ao que se refere, eu poderia responder — falo, cruzando as pernas por baixo da mesa e encosto em minha poltrona macia. Embora me faça de tonta, sei perfeitamente que ela se refere ao fato de eu ter barrado novamente a entrada de seu amigo preconceituoso do outro dia. Ele balança a cabeça negativamente e sorri, daquele jeito incrédulo, o jeito que só ele sabe. Ao mesmo tempo, me encara com os olhos quase iguais aos meus. — Por que você vei
João Paulo Faz duas semanas que eu trabalho na Arrais e que a senhorita língua afiada me “humilhou publicamente”. Sem drama, não foi bem uma humilhação já que estávamos apenas nós três e aquilo tudo foi só um showzinho daquela diaba em forma de gente. Apenas uma forma dela mostrar quem manda na porra toda, o que não deixa de ser mortificante ter minha capacidade profissional posta em xeque. Logo eu, o cara que embora sempre tive tudo do bom e do melhor, nunca permaneci de braços cruzados aguardando algum milagre extraordinário acontecer. Ainda na adolescência, procurei me ocupar com alguma coisa que me trouxesse benefícios, nesse caso, contatos, dinheiro e principalmente experiência. Vê-la chegar no escritório e saber que ela é a irmã do meu amigo Henrique, foi uma tremenda surpresa. Mas nada poderia ter me preparado para o que veio a seguir. Depois que entrou, Dorotéia manteve-se firme em me deixar praticament
Dorotéia As semanas passaram como um borrão. Sempre as mesmas coisas. Levantar, brigar com a Fabi, ir à oficina e passar na Arrais, voltar para casa e sonhar que estou sendo fodida pelo babaca Dantas. Não consegui parar de pensar em seus olhos selvagens, na sua pegada e no modo que me domou com seu jeito de macho alfa. É vergonhoso, eu sei! No entanto, tenho que admitir que acordei algumas noites com a calcinha molhada, resultado da excitação exacerbada que sinto quando sonho com aquele infeliz. Faz um tempo que não sinto o toque e o peso de um homem sobre mim. Bem, tem o Fábio, mas ultimamente, trocamos alguns beijinhos, nada com tanta importância. O sexo com ele se tornou desinteressante... sem sal. Por isso mesmo que estou com um mau humor do cão. E para aumentar a sensação de obscuridade que se abateu sobre mim há alguns dias, hoje é meu aniversário de trinta e três anos. Data que muitos usam para c
Dorotéia Eu devo ter xingado ou jogado pedra na cruz! Chego nessa bendita festa e já encontro Maribel com a falsidade dela, meu pai com a demência dele e por fim, o babaca Dantas acompanhado. Essa perturbação que não me deixa desde que o vi com aquela loira aguada agarrada no seu braço. “— Deveria ser eu.” — Essa vozinha chata insiste em pôr palavras onde elas não existem. Além do mais, tem mais urubus esperando pacientemente que ele as note. Uma delas ficava trocando de pé em cima de um salto alto o suficiente para escalar um prédio de 10 andares, o vestido platinado não cobria os peitos plastificados ou as pernas cumpridas. Sigo em direção ao banheiro. Meu pensamento está tão distante que converso comigo mesmo. — Não sei o que dá nessas mulheres ciumentas. Nossa! Elas veem coisas onde não existem, idealizam relacionamentos e até mesmo põe defeitos nas outras. — Dou uma risada nervosa s
Doroteia Não sei por que demoro tanto para entender o que essa tal Renata diz. Ou, talvez, só não queira acreditar que o babaca Dantas esteja noivo dessa pessoa que, definitivamente, nunca vi na feira vendendo banana. Demoro ainda mais para notar que a dita cuja avança sobre mim, berrando descontrolada. — Sua vagabunda! Eu vou acabar com você. Ela se aproxima com a mão levantada para me acertar um tapa — e pela velocidade, não doeria pouco — Por sorte, seguro em seu pulso a poucos centímetros de meu rosto. Fitamo-nos por quinze, vinte ou mais segundos, não sei dizer, cada uma decorando bem os detalhes da outra. Seus traços são tão angelicais que eu poderia jurar que ela seria um ser celestial se não fosse por seus olhos verdes transmitindo um misto de raiva e loucura. — Escute aqui, garota. Eu não sei quem é você, de onde você veio ou o que quer comigo, mas uma coisa te garanto, se você
Dorotéia Sentada na minha sala escura, tento manter os olhos abertos fitando o reflexo da garrafa de vinho barato que não sei onde achei. Busco na mente o que aconteceu depois que saí da casa do meu pai, e depois de mais um gole tomado diretamente da garrafa de vinho, ponho-me a filosofar mentalmente. “É incrível como as coisas que mais queremos esquecer, são as que insistem em bater na porta das lembranças”. É nesse nível de fossa que estou todas as vezes que a imagem do João carregando Renata se repete bem vívidas em minha memória, incontáveis vezes. Ela é linda! Não há por que negar isso. Alta, loira e de olhos verdes. O que mais ela pode querer? “— O cretino Dantas, ‘oras’!” — A vozinha interior que até então estava adormecida me responde com um toque de sarcasmo. Aquela loira aguada é perfeita para ele. Parecem um casal desses de comercial de margarina. — Suspiro alto sorrindo desse