Dorotéia
Hoje o dia está corrido — como sempre nos últimos três meses. Olho o relógio pela centésima vez e percebo que está na hora de ir. Uma das minhas peculiaridades é acordar cedo. Razão, pela qual, Fabi me chama de “galinha velha” quando está irritada. Mas, ao contrário do que ela pensa ser só uma mania besta, esse é o horário que vejo o mais belo espetáculo da mãe natureza. Hábito que aprendi com meu avô — que Deus o tenha em paz. O nascer do Sol é a prova viva que nós, meros mortais, podemos e precisamos começar de novo. Nos dar uma segunda chance, não só a nós mesmos, mas ao próximo também. Parece sentimental até para mim, porém, no fundo, todos sabem que sou assim. Uma fortaleza por fora e manteiga derretida por dentro.
Respiro fundo ao sair do meu estado contemplativo. Visto uma roupa que Fabi escolheu quando fomos às compras, após muita insistência dela. Devo confessar que ela fez um bom trabalho na escolha de várias peças bonitas, estilosas e confortáveis.
Falando nisso, minha amiga deve estar precisando de ajuda para fazer o café da manhã. Infelizmente, não poderei ajudá-la.
Como disse antes, minha vida profissional está corrida, enquanto a amorosa encontra-se parada há centenas de anos. Minha “cretina” já tem teia de aranha nas paredes internas por conta disso.
Para falar a verdade não me importo muito, a não ser quando eu estou disponível e com vontade de ter uma transa sem compromisso, apenas isso. Desde cedo coloquei em minha cabeça que homens são problemas.
Deixá-los entrar em sua vida? Problema.
Tiro isso pela minha amiga que segue apaixonada pelo seu companheiro de trabalho. Um médico lindo, destruidor de calcinhas, mas com um histórico de problemas familiares aos quais, Fabi já havia se afastado uma vez.
No entanto, como eu sempre digo que a vida gosta de foder com nossa existência, Doutor Daniel está de volta, e pelo visto, é para ficar. Ele voltou e com ele veio as confusões... Problema triplo para ser mais exata, já que ex-mulher dele e sua filha mimada vieram como bagagem. Fabi e Daniel possuem uma diferença de idade gritante, além de conviverem constantemente sob uma hierarquia rigorosa no trabalho e fazem questão de ressaltar isso. Não sei quem eles querem enganar impondo essas regras antiquadas no relacionamento deles. Os observando bem, é nítida a paixão e desejo vibrando entre eles.
West Coast do Imagine Dragons toca no sistema de som da cozinha, enquanto Fabi canta a plenos pulmões, deixando queimar o que me parece ser os ovos. Nem quero ver a situação do fogão, que com certeza, deve estar com café derramado por toda parte.
— Deus fez bem em lhe dar o dom de salvar vidas, Fabi. Já pensou? Se você fosse cozinheira ou cantora, morreria de fome — comento em tom de brincadeira. Fabi tem muitos atributos: excelente amiga, uma profissional dedicada e responsável. No entanto, em serviços domésticos é uma negação.
— Pobre doutor Daniel! — Balanço a cabeça em negativa.
— Pelo menos alguém está fazendo o que comer. Já você, minha querida, por que não vem ajudar? — retruca irritada, com as mãos na cintura.
— Adoraria, Fabi! — Aponto para o relógio em cima do balcão de granito escuro. — Mas tá na minha hora. — Pego uma maçã e dou uma mordida — Vou passar na oficina e depois fazer uma surpresa ao Henrique na empresa.
Ela apaga o fogo do fogão, abaixa o som, depois caminha com graça e leveza em minha direção.
Lá vem uma reprimenda.
— Sabe, Doti, o que eu falei lá no quarto no outro dia é sério. Está na hora de você parar, respirar, se divertir, encontrar um amor. — Pega minhas mãos e me analisa. — Amiga, você não tem necessidade de trabalhar tanto. Você já nada em dinheiro, graças a Deus.
Recolho minhas mãos de dentro das suas. Sei que ela pensa no meu bem-estar, mas eu gosto do que faço. Amo minha profissão. A mecânica em si, é minha paixão. Engenharia mecânica, na verdade, mas diminui esse status.
Ela dá um suspiro entristecido.
— Fabi, um dia isso tem fim. Por enquanto, você, como minha amiga e irmã, pode me suportar mais um pouquinho com toda essa minha bagagem.
— Tá, tá. Farei isso, mas só porque te amo. — Sorri.
— Você sabe que adoro meu trabalho — tento não demonstrar minha chateação quando explico — a profissão do meu avô e do meu pai. Não quero ser exemplo, quero apenas respeito e que acatem minhas escolhas acima de tudo.
— Seu pai! — Ela força um sorriso desgostoso. — Seu pai é o responsável por você viver essa loucura, Dorotéia. Você não vê?
— Sim, eu vejo — controlo minha irritação para não explodir, enquanto discorro sobre os motivos que ainda me fazem trabalhar feito louca, mesmo que não seja dentro do escritório onde é meu lugar. — Mas nem por isso vou dar as costas para o que sou. Ele errou muito, eu não nego. Apesar disso, é minha obrigação seguir em frente com os negócios da família. E você sabe que vovô confiou a mim essa carga.
Fabi se afasta com as mãos na frente do corpo e conclui seu discurso.
— Tudo bem. É sua família — A olho feio. — Nossa família — emenda —, mas saiba que de lá só tiro seu irmão. O resto, o resto para mim não prestam — Dá com os ombros como se realmente não se importasse. — Ah! A Maria também, ela é ótima cozinheira. — Aponta o dedo esguio adornado por um anel diferente. — Traz ela para morar com a gente.
Solto uma risada com sua declaração. Suas frequentes reclamações de revolta aos meus familiares não me incomodam mais. No fundo, sei que ela tem razão. Eles parecem um bando de sanguessugas, aguardando o momento para sugar o sangue e vitalidade da próxima vítima. No caso, eu. E embora esteja falando da minha família, entendo sua preocupação comigo. Também, minha amiga não perde a oportunidade de me persuadir a trazer Maria para morar conosco. Uma cozinheira de mão-cheia, mas uma fofoqueira de porta de rua.
A puxo pelo braço e dou-lhe um abraço apertado.
— Não precisa gostar deles. Me amando é suficiente. — A Solto depois de um tapa na bunda. — E a Maria ... — faço uma pausa dramática. — Vai continuar onde sempre esteve, na casa do meu pai.
— Convencida! Vai lá cuidar do império Arrais. E não esqueça que seu aniversário está chegando — Acrescenta.
— Não vai ter festa de aniversário, Fabiana. Esqueça.
Ela estreita os olhos verdes delineados por uma maquiagem bem-feita.
— Você que diz, Dorotéia. — Dessa vez, eu estreito os olhos.
— Até mais! Não me espera para o jantar. — Pisco o olho. — Eu vou ser o jantar. — Me afasto dando gargalhadas da sua cara descrente.
Nem mesmo o trânsito caótico me faz desistir de ir à Arrais. Há alguma coisa errada e preciso descobrir o que é. Henrique, há alguns dias não me dá notícias, sempre desconversa e insiste para eu vá à sede.
É exatamente isso que estou fazendo nesse momento, contudo, antes passei em uma das oficinas para finalizar alguns serviços. Como diz o ditado: "olho do dono que engorda o gado". E faço isso constantemente, pelo menos onde trabalho ativamente. Sempre me preocupo com a excelência, tanto dos funcionários quantos da satisfação do cliente.
Eu tenho confiança nos meus funcionários, mas é sempre bom estar de olho. Ainda mais, quando as pessoas da sua família estão na folha de pagamento.
Por isso, liguei para Carmem, secretária do Henrique. Que imediatamente me atendeu.
— Sim, senhora! Deixarei os relatórios prontos para sua supervisão — afirma.
— E, Carmem. Faz um favor para mim?
— Pois não, senhora?
Meu Deus, por que tanta formalidade?
— Primeiro, para de me chamar de senhora.
— Sim, senhora! — ela insiste.
Só rindo mesmo.
— Primeiro. — Enumero. — Não me chama de senhora, segundo e não menos importante, não fala para o Henrique que estou indo.
— Tudo bem, senhora!
Não é possível.
— Perdão, senhora! Quer dizer, Dorotéia.
— Ufa! Finalmente, Carmem.
No trânsito, os carros percorrem o asfalto em marcha lenta.
Odeio coisas lentas, pessoas lentas, vida lenta. Entretanto, paro e respiro.
Eles não têm culpa do congestionamento ou têm? Todos eu não sei, mas esse cara que dirige à minha frente só pode estar dormindo.
Acelero a Khamelion, uma Harley Davidson 883R, para que fique emparelhada ao carro luxuoso. Acelero ainda mais chamando a atenção para mim.
Usando meu jeans surrado com uma blusa da banda Rolling Stones, coloquei minha jaqueta de couro por cima e nos pés coturnos pretos — escondida de Fabi, é claro. Ela me mataria se visse eu destruindo seu look perfeito com essa bota horripilante, segundo ela.
Às vezes, meus looks parecem de uma motoqueira profissional. Se eu fosse do sexo oposto, só precisava de mais tatuagens e odor pungente de cigarro e álcool.
E, Deus me livre, viu? Se você se ilude achando que os homens que fazem parte dos clubes de motocicletas são lindos, musculosos, gostosos e fodões: sinto em informar que você é uma iludida sem precedentes, porque a maioria, é pançudo, feio e peludo.
Um conselho de quem sempre está nesse meio... fique com os boys dos livros que é mais lucrativo.
Respiro fundo, impaciente pelo trânsito caótico. Além do mais, as constantes conversas com a Fabi sempre me deixam instáveis. Apesar disso, não posso deixar de notar o idiota do carro ao lado, me secando sem um pingo de vergonha.
Homens... definitivamente, alguns pensam com a cabeça de baixo.
Para dar voz à minha razão e motivos para ele continuar achando que estou gostando, empino-me ainda mais sobre a moto, fazendo com que a jaqueta suba e mostre o cós da minha calcinha vermelha.
Se ele quer ver, nada mais justo do que mostrar.
Por meio do retrovisor, seus olhos parecem iluminar-se em apreciação aos meus movimentos.
Felizmente, o trânsito segue seu fluxo e tão rápido dei atenção ao lindo do carro, levanto a viseira do capacete, pisco para o gato de olhos exóticos e sigo meu caminho.
Sorrio por dentro ao notar sua falha tentativa de não me perder de vista. Suspiro alto e digo para ninguém além de mim: — boa sorte para ele!
Meus minúsculos se soltam assim que eu paro bruscamente a Khamelion em frente ao prédio da Arrais.
Desço da moto e coloco o capacete em cima do tanque. Como um mantra, elevo o braço um pouco acima da cabeça para que a minha mão cubra o sol forte que bate diretamente sobre meu rosto, para poder apreciar a vista do prédio daqui de baixo.
É lindo e reconfortante ver que a empresa ainda se mantém em pé. O prédio em si, tem uma estrutura bem trabalhada por um arquiteto e engenheiro da minha confiança. Eles fizeram com que reforma mantivesse o conservadorismo do prédio antigo com toques de modernidade refletidos nos seus adornos de vidros escuro e metais.
Meu pai e irmão foram contra a reforma, segundo eles, seria uma loucura fazer uma reconstrução desse tipo em um prédio histórico. Mas, felizmente, com os contatos certos se adquire muitas coisas. E não estou falando de propinas ou favores escusos, e sim de pessoas que realmente estão dispostas a ajudar.
Depois de admirar o céu azul acima do prédio, sigo para entrada da edificação, entrego as chaves a um dos funcionários e me dirijo ao local que por muitos são esquecidos, mas para mim, é um lugar de recordações.
Ao longe, avisto Seu Valdir saindo do vestiário dos funcionários, com seu carrinho de limpeza sortido de toda parafernália que mantém isso aqui limpíssimo.
Seu Valdir ou Valdo, como eu chamo, é um dos empregados mais antigos da Arrais. Já dei várias oportunidades de afastamento do serviço, mas ele é daquelas pessoas que não conseguem ficar parado e continua aqui, limpando o chão com a mesma vitalidade de outrora.
— O senhor vai parar quando mesmo? — Chego de mansinho, lhe assustando no processo.
— Nossa, menina! Desse jeito eu paro mesmo — fala colocando a mão no peito — e não é porque eu quero não, é susto!
O senhor gargalha, e seu sorriso falho de dentes, mostra-me o quanto de vivência ele possui.
— Vamos, seu Valdir. Vim aqui lhe dá um oi e já vou, preciso dar um susto no Henrique — confidencio, fazendo-o sorrir ainda mais.
— Você vai vestir o uniforme?
— É claro, Valdo! Qual a graça de vir aqui e não fazer uma pegadinha com os desavisados?
— Você gosta de encrenca, Doti — ele diz, balançando a cabeça.
— Me espera aí que já volto. — Corro de volta para o vestiário e me enfio rapidamente no primeiro macacão azul que vejo na frente.
Mal, visto a parte de baixo e volto igualmente rápida para onde Valdo me espera, escorado em uma das paredes.
— Prontinho. — Dou um giro mostrando o macacão e ele coça a cabeça sem graça.
— O que foi?
Valdo tempera a garganta antes de falar:
— É que esse macacão é um tanto apertado. — Olha para telhado menos para mim.
— E qual o problema disso? — Sorrio para ele que está levemente corado.
Uma graça.
— Nada, né! — responde — Você não tem jeito mesmo.
De braços dados, seguimos para os elevadores conversando amenidades, mas principalmente, ele me fez dar risadas como nunca. Ainda mais agora, que estou vestida como qualquer outro funcionário da empresa só para irritar o Henrique ou enganar os idiotas.
Sempre me diverti com seu Valdir. Quando vovô era vivo e eu não passava de uma pirralha encrenqueira, Seu Antônio me deixava aos cuidados do velho senhor para ir importunar as funcionárias.
Ao chegar nos elevadores, peço para pessoa que acabou de entrar, que o segure aberto para mim.
— Segura o elevador, por favor! — grito e trato de me despedir do seu Valdir.
— Até logo, seu Valdir. Foi um prazer rever o senhor. — O velhinho me beija na bochecha e aperta-me em um abraço cheio de carinho.
— Até mais, menina! Se cuida — acrescenta e se vai com a sua fiel companheira em mãos.
Adentro ao elevador com um sorriso nos lábios.
É incrível o que determinadas pessoas podem fazer por você apenas com sua simplicidade e gestos de carinho.
— Bom dia! — cumprimento a todos que me respondem por meu apelido.
Uma figura alta se coloca atrás de mim. Faço questão de não o encarar, mas pude sentir seus olhos avaliando minhas curvas o que me fez sentir desnuda durante sua análise.
Incomodada, olho enviesado para o homem por cima do ombro, entretanto, tiro a vista rapidamente ao sentir os pelos da minha nuca ficarem eriçados com o brilho pervertido expresso em seus olhos.
Fito os números luminosos que indicam os andares percorridos, tentando não encarar o macho escroto atrás de mim.
Será que ele não sabe que isso pode ser considerado assédio?
Retiro-me do meu transe unilateral quando o desconhecido toca meu ombro, viro-me devagar para logo em seguida, me deparar com um par de olhos verde-amendoados. Esses mesmos olhos possuem certa diversão, o que contrasta com o homem que exala arrogância.
Devo ressaltar que, depois de algumas troca de farpas com ele, eu não me enganei quanto a isso!
— Moça, me desculpe, mas você não está no elevador errado? — comenta como se isso fosse uma coisa óbvia.
Arqueio a sobrancelha em uma pergunta silenciosa.
— E por que acha isso? — interrogo irritada.
Com a ameaça de um sorriso por baixo do dedo grosso que ele levou até a boca, frisa: — para mim, está claro que você deveria estar no elevador de serviços.
Quem esse idiota acha que é? Só porque estou vestida assim não lhe dá o direito de ser desrespeitoso. Isso significa que ele é um tremendo preconceituoso. Mal sabe que, são essas pessoas, vítimas de seu maldito preconceito, que fazem sua vida mais confortável.
— Me diga, senhor...
— João Paulo Dantas — profere com a voz grossa me causando arrepios.
— Que seja! Me diga, o que o senhor é? O que faz na empresa? — pergunto da forma mais despretensiosa possível.
— Sou advogado. — Deito a cabeça levemente para a direita em um tique ridículo, me perguntando quando Henrique me falaria que a empresa teria outro advogato, digo, advogado.
— Então, João Paulo Dantas, você é advogado desta empresa, portanto, não passa de um funcionário, assim como eu — retruco à altura do seu preconceito e continuo — dividiremos o mesmo elevador, ou o senhor pode ir pelas escadas, ou pelo elevador de serviços.
Indico a saída do elevador que já está com as portas abertas.
Fitamo-nos atentamente, cada um querendo ter razão nessa batalha silenciosa enquanto o ar parece vibrar de tanta tensão, no entanto, a boca do infeliz se curva em um sorriso apetitoso demais para resistir — O idiota está se divertindo — Me perco mais alguns segundos em seus olhos que se tornam mais ferozes, prometendo realizar seus desejos mais insanos, ou seriam meus desejos?
Observo os músculos dos seus braços flexionarem quando ele os cruza na frente do tronco largo e atlético, enquanto se apoia na lateral do elevador. Um gesto que definitivamente confirma para mim que ele não cederia o elevador.
Sinto uma onda de excitação formigar por meu corpo que ficou atraído por esse, esse, esse...
Mas o que diabos estou fazendo? Acorda!
Belisco a palma da mão e saio do estado de excitação descabida para o momento.
Isso tudo é culpa desse corpo traidor, afinal, nunca que eu iria ficar fascinada com esse ser arrogante na minha frente.
Depois de analisá-lo de cima a baixo, e como ele já havia dito que é advogado, chego à conclusão de que provavelmente ele irá ao escritório do Henrique. Sendo assim, mesmo sem querer, me vejo abrindo mão do elevador, pois será lá, na presidência, que o farei engolir essa sua atitude de todo-poderoso arrogante.
— O senhor pode ficar com o elevador, não faço questão de dividi-lo com uma pessoa tão ordinária — rosno entredentes, sem um pingo de remorso quando ponho todo meu desprezo em cada palavra.
Seu sorriso expande-se, mostrando os dentes alinhados e a porra de uma covinha no queixo.
Nossa Senhora das pepecas latejantes, ele tem covinha.
— Eu que agradeço... Senhorita? — pergunta ao mesmo tempo, que se inclina um pouco para frente.
— Não te interessa. Não quero ter o desprazer de lhe falar meu nome. — Saio, deixando-o sozinho naquela merda de elevador.
Mal sabe ele que farei engolir suas palavras preconceituosas.
João Paulo Para o bem da minha própria sanidade, a senhorita casca-grossa sai pisando duro, balançando a bunda grande e empinada que busca espaço dentro do macacão que, notavelmente, não é seu número. Inclino para trás, vendo-a rebolando e solto um gemido ajustando a virilha. — O senhor está bem? — alguém pergunta. Solto lentamente o ar que preenche meus pulmões. De uma hora para outra, ele havia se tornado rarefeito e quente. Não sei o que fazer, se continuo a olhar o gingado do quadril largo e perfeito da senhorita língua afiada, ou entro de uma vez no elevador que se tornou pouco interessante agora. Nunca havia me divertido tanto em provocar uma mulher brava, mas essa me deu vontade de instigá-la mais um pouquinho. Tirar seu prumo. Me fez até esquecer da outra gostosa da moto. Não me passou despercebido que suas feições mostravam o quanto estava excitada. Porra! — Sim,
Dorotéia Já são duas da tarde e ainda não almocei. Minha barriga ronca só em imaginar uma bela refeição, no entanto, a imagem da comida fantasiosa se desfaz quando a porta se abre e meu irmão passa por ela com uma expressão nada boa depois de... uma semana!? — O que você acha que está fazendo, Dorotéia? — Ele puxa a cadeira em frente da mesa e se senta logo em seguida. Paro a análise das projeções de vendas dos últimos meses e o encaro. — Se você disser ao que se refere, eu poderia responder — falo, cruzando as pernas por baixo da mesa e encosto em minha poltrona macia. Embora me faça de tonta, sei perfeitamente que ela se refere ao fato de eu ter barrado novamente a entrada de seu amigo preconceituoso do outro dia. Ele balança a cabeça negativamente e sorri, daquele jeito incrédulo, o jeito que só ele sabe. Ao mesmo tempo, me encara com os olhos quase iguais aos meus. — Por que você vei
João Paulo Faz duas semanas que eu trabalho na Arrais e que a senhorita língua afiada me “humilhou publicamente”. Sem drama, não foi bem uma humilhação já que estávamos apenas nós três e aquilo tudo foi só um showzinho daquela diaba em forma de gente. Apenas uma forma dela mostrar quem manda na porra toda, o que não deixa de ser mortificante ter minha capacidade profissional posta em xeque. Logo eu, o cara que embora sempre tive tudo do bom e do melhor, nunca permaneci de braços cruzados aguardando algum milagre extraordinário acontecer. Ainda na adolescência, procurei me ocupar com alguma coisa que me trouxesse benefícios, nesse caso, contatos, dinheiro e principalmente experiência. Vê-la chegar no escritório e saber que ela é a irmã do meu amigo Henrique, foi uma tremenda surpresa. Mas nada poderia ter me preparado para o que veio a seguir. Depois que entrou, Dorotéia manteve-se firme em me deixar praticament
Dorotéia As semanas passaram como um borrão. Sempre as mesmas coisas. Levantar, brigar com a Fabi, ir à oficina e passar na Arrais, voltar para casa e sonhar que estou sendo fodida pelo babaca Dantas. Não consegui parar de pensar em seus olhos selvagens, na sua pegada e no modo que me domou com seu jeito de macho alfa. É vergonhoso, eu sei! No entanto, tenho que admitir que acordei algumas noites com a calcinha molhada, resultado da excitação exacerbada que sinto quando sonho com aquele infeliz. Faz um tempo que não sinto o toque e o peso de um homem sobre mim. Bem, tem o Fábio, mas ultimamente, trocamos alguns beijinhos, nada com tanta importância. O sexo com ele se tornou desinteressante... sem sal. Por isso mesmo que estou com um mau humor do cão. E para aumentar a sensação de obscuridade que se abateu sobre mim há alguns dias, hoje é meu aniversário de trinta e três anos. Data que muitos usam para c
Dorotéia Eu devo ter xingado ou jogado pedra na cruz! Chego nessa bendita festa e já encontro Maribel com a falsidade dela, meu pai com a demência dele e por fim, o babaca Dantas acompanhado. Essa perturbação que não me deixa desde que o vi com aquela loira aguada agarrada no seu braço. “— Deveria ser eu.” — Essa vozinha chata insiste em pôr palavras onde elas não existem. Além do mais, tem mais urubus esperando pacientemente que ele as note. Uma delas ficava trocando de pé em cima de um salto alto o suficiente para escalar um prédio de 10 andares, o vestido platinado não cobria os peitos plastificados ou as pernas cumpridas. Sigo em direção ao banheiro. Meu pensamento está tão distante que converso comigo mesmo. — Não sei o que dá nessas mulheres ciumentas. Nossa! Elas veem coisas onde não existem, idealizam relacionamentos e até mesmo põe defeitos nas outras. — Dou uma risada nervosa s
Doroteia Não sei por que demoro tanto para entender o que essa tal Renata diz. Ou, talvez, só não queira acreditar que o babaca Dantas esteja noivo dessa pessoa que, definitivamente, nunca vi na feira vendendo banana. Demoro ainda mais para notar que a dita cuja avança sobre mim, berrando descontrolada. — Sua vagabunda! Eu vou acabar com você. Ela se aproxima com a mão levantada para me acertar um tapa — e pela velocidade, não doeria pouco — Por sorte, seguro em seu pulso a poucos centímetros de meu rosto. Fitamo-nos por quinze, vinte ou mais segundos, não sei dizer, cada uma decorando bem os detalhes da outra. Seus traços são tão angelicais que eu poderia jurar que ela seria um ser celestial se não fosse por seus olhos verdes transmitindo um misto de raiva e loucura. — Escute aqui, garota. Eu não sei quem é você, de onde você veio ou o que quer comigo, mas uma coisa te garanto, se você
Dorotéia Sentada na minha sala escura, tento manter os olhos abertos fitando o reflexo da garrafa de vinho barato que não sei onde achei. Busco na mente o que aconteceu depois que saí da casa do meu pai, e depois de mais um gole tomado diretamente da garrafa de vinho, ponho-me a filosofar mentalmente. “É incrível como as coisas que mais queremos esquecer, são as que insistem em bater na porta das lembranças”. É nesse nível de fossa que estou todas as vezes que a imagem do João carregando Renata se repete bem vívidas em minha memória, incontáveis vezes. Ela é linda! Não há por que negar isso. Alta, loira e de olhos verdes. O que mais ela pode querer? “— O cretino Dantas, ‘oras’!” — A vozinha interior que até então estava adormecida me responde com um toque de sarcasmo. Aquela loira aguada é perfeita para ele. Parecem um casal desses de comercial de margarina. — Suspiro alto sorrindo desse
DorotéiaPasso a língua nos lábios ressecados em um gesto que hidrata e, ao mesmo tempo, provoca. João segue o movimento, aproximando a boca da minha. Ele roça seus lábios carinhosamente nos meus enquanto me olha profundamente nos olhos, pedindo, ansiando por permissão.— Faça — instigo em um suspiro sofrido de vontade. — Faça, João! Faça mesmo sabendo que isso não é real — repito.Ele repuxa o canto superior da boca em um sorriso enigmático.— Como você sabe que não é verdade? — pergunta. — Eu estou aqui, com você nos meus braços, mas você é tão incrédula, dura consigo mesma. Uma mulher incapaz...No momento seguinte, tomo a iniciativa que ele não teve e selo nossos lábios em um beijo tímido