Doroteia
Não sei por que demoro tanto para entender o que essa tal Renata diz. Ou, talvez, só não queira acreditar que o babaca Dantas esteja noivo dessa pessoa que, definitivamente, nunca vi na feira vendendo banana.
Demoro ainda mais para notar que a dita cuja avança sobre mim, berrando descontrolada.
— Sua vagabunda! Eu vou acabar com você.
Ela se aproxima com a mão levantada para me acertar um tapa — e pela velocidade, não doeria pouco — Por sorte, seguro em seu pulso a poucos centímetros de meu rosto.
Fitamo-nos por quinze, vinte ou mais segundos, não sei dizer, cada uma decorando bem os detalhes da outra.
Seus traços são tão angelicais que eu poderia jurar que ela seria um ser celestial se não fosse por seus olhos verdes transmitindo um misto de raiva e loucura.
— Escute aqui, garota. Eu não sei quem é você, de onde você veio ou o que quer comigo, mas uma coisa te garanto, se você
Dorotéia Sentada na minha sala escura, tento manter os olhos abertos fitando o reflexo da garrafa de vinho barato que não sei onde achei. Busco na mente o que aconteceu depois que saí da casa do meu pai, e depois de mais um gole tomado diretamente da garrafa de vinho, ponho-me a filosofar mentalmente. “É incrível como as coisas que mais queremos esquecer, são as que insistem em bater na porta das lembranças”. É nesse nível de fossa que estou todas as vezes que a imagem do João carregando Renata se repete bem vívidas em minha memória, incontáveis vezes. Ela é linda! Não há por que negar isso. Alta, loira e de olhos verdes. O que mais ela pode querer? “— O cretino Dantas, ‘oras’!” — A vozinha interior que até então estava adormecida me responde com um toque de sarcasmo. Aquela loira aguada é perfeita para ele. Parecem um casal desses de comercial de margarina. — Suspiro alto sorrindo desse
DorotéiaPasso a língua nos lábios ressecados em um gesto que hidrata e, ao mesmo tempo, provoca. João segue o movimento, aproximando a boca da minha. Ele roça seus lábios carinhosamente nos meus enquanto me olha profundamente nos olhos, pedindo, ansiando por permissão.— Faça — instigo em um suspiro sofrido de vontade. — Faça, João! Faça mesmo sabendo que isso não é real — repito.Ele repuxa o canto superior da boca em um sorriso enigmático.— Como você sabe que não é verdade? — pergunta. — Eu estou aqui, com você nos meus braços, mas você é tão incrédula, dura consigo mesma. Uma mulher incapaz...No momento seguinte, tomo a iniciativa que ele não teve e selo nossos lábios em um beijo tímido
João Paulo Levanto-me cedo no intuito de dar alguns murros no saco de pancadas da academia antes de ir à Arrais. Ao som de Cute One e Wolfgang Black, take me know vibra nas caixas de som, sobrepondo-se ao barulho de meus punhos no saco cheio de areia. Cada soco me faz recordar da conversa com Renata ontem à noite, da minha mãe não me olhando na cara e, agora, meu pai questionando sobre a repentina mudança nos planos de casamento com Renata. Lhe respondo como venho dizendo a todos. — Não me casarei com ela, pelo simples fato de que nunca fomos nada um do outro. Não passou de sexo. — Dou de ombros disparando outro golpe. — E antes que o senhor me pergunte de onde saiu essa história de casamento, foi mais uma ideia esdrúxula e infantil alimentada pela cabeça de mamãe — concluo respirando profundamente. — Tudo bem, filho! Não precisa de estresse. — Aperta meu ombro. — Só tenha cuidado. — Terei
Dorotéia Encaro-me no espelho do restaurante, admirando a perfeição do vestido vermelho, acentuando ainda mais minhas curvas. A hostess me leva até à mesa onde João me espera, vestido em uma calça jeans de lavagem clara e camisa social branca com as mangas dobradas até o meio dos braços. Ele levanta-se vindo ao meu encontro. — Você quer um lenço ou babador? — provoco. — O quê? Não, não! É que você. Nossa! Uau. — Três expressões de encantamento ou decepção. Espero que esteja encantado por mim, João. — Claro, sim! — Sorrio com seu embaraço. — Então, estou linda? — Tento mais uma vez, mas ele não cai. Balança a cabeça negando. — Você sabe que sim. Não tente me deixar mais desnorteado. — Você não me respondeu. — Você. Está. Maravilhosamente. Linda — fala pausadamente cada palavra, depois se curva beijando minha mão. Ponto para meu poder de pers
Dorotéia Dias depois Sigo com os olhos o redemoinho formado pelas poucas bolhas na superfície do meu café. Mexo um pouco mais, comparando a movimentação com minha vida nos últimos dias. Antes, minha única preocupação era me levantar, trabalhar — se eu quisesse —, sair com meus poucos amigos, transar com alguém que realmente fosse satisfazer minhas expectativas, entrar em estado de hibernação depois de tomar uma ou duas taças de sorvete de baunilha, ou de flocos enquanto assistia a série Sobrenatural. Eu sei, nada saudável! Mas, gostoso. Além do mais, é sempre bom ver o sorriso safado do Dean, os suspiros e torcidas de nariz do Sam. Agora estou no meio de uma enxurrada de acontecimentos que indiretamente não deveriam ser tão importantes, exceto o fato de que estão me roubando. Também não posso deixar de mencionar que os últimos dias trabalhando com João não foram nada fáceis.
Dorotéia Dou seguidas voltas na piscina privada da academia que frequento, e nada de dispensar os pensamentos cruéis e de raiva em relação a Renata e ao João. Nadar é uma das formas mais assertivas de tentar me acalmar, mas desde que assisti aquele maldito vídeo, não está funcionando. Pensei seriamente em pegar a Khamelion e sair sem rumo, ir para qualquer lugar que pudesse pensar no que está acontecendo comigo, entretanto, eu poderia ter sofrido um acidente pior do que esse sentimento de traição. Merda! Eu nem devia estar tão revoltada. João não é nada meu. Não somos nada um do outro. Por um instante, fiquei em estado de choque depois que a loira aguada saiu do meu escritório, e por uma força maior chamada curiosidade, conectei o pen drive que ela me passou e assisti o maldito vídeo dela e João transando. Não só um vídeo e sim vários, de datas diferentes. O mais surpreendente é que o último fo
Dorotéia Chego no meu apartamento um pouco depois das nove da noite. Quase morro de susto pela segunda vez na noite, depois que me situo no mais completo escuro e chego até à cozinha. Faminta, abro a geladeira e pego alguns frios, suco de laranja e uma lata dessas de brigadeiro que Maria usa para recheio de bolo — coisa desnecessária, já que ela é uma cozinheira de mão-cheia —, bato com força, sem querer, a porta do armário, depois que peguei o pacote de pão de forma. — Merda! Tomara que Maria não acorde — sussurro, andando praticamente na ponta dos pés para não fazer muito barulho. Depois que termino de fazer o sanduíche, uma mistura de queijo, presunto e frango, sigo para sala. Quando ia me acomodar no tapete, Maria, que pelo visto estava sentada na sala desde o momento em que eu cheguei, acende a luz do abajur de uma vez fazendo minha alma sair fora do corpo e voltar novamente. — Porr
João Paulo Entro embaixo do chuveiro e a sensação da água fria em meu corpo tenso é mais que bem-vinda. Graças a Deus, depois de quase três semanas nesse maldito lugar, hoje à tarde irei embora. Eu e mais três pessoas, escolhidas a dedo por mim e Dorotéia, partimos de São Paulo, passamos pela sede da Arrais no Rio de Janeiro e hoje, pela manhã, terminamos de analisar papéis e mais papéis na filial de Manaus. Há muita coisa errada na gestão de César, o diretor que está à frente dessa filial desde quando o pai da Dorotéia comandava a empresa. Seu nervosismo ficou evidente todas as vezes que ele limpava a testa suada, a cada página lida, valores somados e devidamente anotados. Uma das coisas que mais me chamaram a atenção, é que toda e qualquer transação é feita manualmente, por isso tivemos dificuldades em dar o pontapé inicial desta investigação e voltar para casa. Tenho mais que certeza que ele sabe para onde e