João Paulo
Levanto-me cedo no intuito de dar alguns murros no saco de pancadas da academia antes de ir à Arrais. Ao som de Cute One e Wolfgang Black, take me know vibra nas caixas de som, sobrepondo-se ao barulho de meus punhos no saco cheio de areia.
Cada soco me faz recordar da conversa com Renata ontem à noite, da minha mãe não me olhando na cara e, agora, meu pai questionando sobre a repentina mudança nos planos de casamento com Renata.
Lhe respondo como venho dizendo a todos.
— Não me casarei com ela, pelo simples fato de que nunca fomos nada um do outro. Não passou de sexo. — Dou de ombros disparando outro golpe. — E antes que o senhor me pergunte de onde saiu essa história de casamento, foi mais uma ideia esdrúxula e infantil alimentada pela cabeça de mamãe — concluo respirando profundamente.
— Tudo bem, filho! Não precisa de estresse. — Aperta meu ombro. — Só tenha cuidado.
— Terei
Dorotéia Encaro-me no espelho do restaurante, admirando a perfeição do vestido vermelho, acentuando ainda mais minhas curvas. A hostess me leva até à mesa onde João me espera, vestido em uma calça jeans de lavagem clara e camisa social branca com as mangas dobradas até o meio dos braços. Ele levanta-se vindo ao meu encontro. — Você quer um lenço ou babador? — provoco. — O quê? Não, não! É que você. Nossa! Uau. — Três expressões de encantamento ou decepção. Espero que esteja encantado por mim, João. — Claro, sim! — Sorrio com seu embaraço. — Então, estou linda? — Tento mais uma vez, mas ele não cai. Balança a cabeça negando. — Você sabe que sim. Não tente me deixar mais desnorteado. — Você não me respondeu. — Você. Está. Maravilhosamente. Linda — fala pausadamente cada palavra, depois se curva beijando minha mão. Ponto para meu poder de pers
Dorotéia Dias depois Sigo com os olhos o redemoinho formado pelas poucas bolhas na superfície do meu café. Mexo um pouco mais, comparando a movimentação com minha vida nos últimos dias. Antes, minha única preocupação era me levantar, trabalhar — se eu quisesse —, sair com meus poucos amigos, transar com alguém que realmente fosse satisfazer minhas expectativas, entrar em estado de hibernação depois de tomar uma ou duas taças de sorvete de baunilha, ou de flocos enquanto assistia a série Sobrenatural. Eu sei, nada saudável! Mas, gostoso. Além do mais, é sempre bom ver o sorriso safado do Dean, os suspiros e torcidas de nariz do Sam. Agora estou no meio de uma enxurrada de acontecimentos que indiretamente não deveriam ser tão importantes, exceto o fato de que estão me roubando. Também não posso deixar de mencionar que os últimos dias trabalhando com João não foram nada fáceis.
Dorotéia Dou seguidas voltas na piscina privada da academia que frequento, e nada de dispensar os pensamentos cruéis e de raiva em relação a Renata e ao João. Nadar é uma das formas mais assertivas de tentar me acalmar, mas desde que assisti aquele maldito vídeo, não está funcionando. Pensei seriamente em pegar a Khamelion e sair sem rumo, ir para qualquer lugar que pudesse pensar no que está acontecendo comigo, entretanto, eu poderia ter sofrido um acidente pior do que esse sentimento de traição. Merda! Eu nem devia estar tão revoltada. João não é nada meu. Não somos nada um do outro. Por um instante, fiquei em estado de choque depois que a loira aguada saiu do meu escritório, e por uma força maior chamada curiosidade, conectei o pen drive que ela me passou e assisti o maldito vídeo dela e João transando. Não só um vídeo e sim vários, de datas diferentes. O mais surpreendente é que o último fo
Dorotéia Chego no meu apartamento um pouco depois das nove da noite. Quase morro de susto pela segunda vez na noite, depois que me situo no mais completo escuro e chego até à cozinha. Faminta, abro a geladeira e pego alguns frios, suco de laranja e uma lata dessas de brigadeiro que Maria usa para recheio de bolo — coisa desnecessária, já que ela é uma cozinheira de mão-cheia —, bato com força, sem querer, a porta do armário, depois que peguei o pacote de pão de forma. — Merda! Tomara que Maria não acorde — sussurro, andando praticamente na ponta dos pés para não fazer muito barulho. Depois que termino de fazer o sanduíche, uma mistura de queijo, presunto e frango, sigo para sala. Quando ia me acomodar no tapete, Maria, que pelo visto estava sentada na sala desde o momento em que eu cheguei, acende a luz do abajur de uma vez fazendo minha alma sair fora do corpo e voltar novamente. — Porr
João Paulo Entro embaixo do chuveiro e a sensação da água fria em meu corpo tenso é mais que bem-vinda. Graças a Deus, depois de quase três semanas nesse maldito lugar, hoje à tarde irei embora. Eu e mais três pessoas, escolhidas a dedo por mim e Dorotéia, partimos de São Paulo, passamos pela sede da Arrais no Rio de Janeiro e hoje, pela manhã, terminamos de analisar papéis e mais papéis na filial de Manaus. Há muita coisa errada na gestão de César, o diretor que está à frente dessa filial desde quando o pai da Dorotéia comandava a empresa. Seu nervosismo ficou evidente todas as vezes que ele limpava a testa suada, a cada página lida, valores somados e devidamente anotados. Uma das coisas que mais me chamaram a atenção, é que toda e qualquer transação é feita manualmente, por isso tivemos dificuldades em dar o pontapé inicial desta investigação e voltar para casa. Tenho mais que certeza que ele sabe para onde e
João Paulo Saio feito um louco daquele lugar, respirando melhor à medida que me distancio do apartamento de Dorotéia. Nunca pensei que algo desse tipo me aconteceria, afinal geralmente, eu que era o destruidor de corações e expectativas. Iludido, pensei que essa noite terminaria com Dorotéia em meus braços, fodendo, fazendo amor ou qualquer coisa que me permitisse ficar mais um pouco em sua companhia. Esse pensamento me assusta e conforta ao mesmo tempo, e pior que isso, é saber que estou lascado, apaixonado por aquela diaba de saias. O que pensar de uma mulher que, visivelmente, e sem muito esforço, tem quem ela quiser aos seus pés? Foi loucura minha acreditar cegamente que depois de nosso beijo, haveria mais do que simples tesão entre nós dois? A visão de outro homem que não fosse eu junto a ela, deixa-me devastado. Me faz crer que esse sentimento é unilateral. Entro no carro e fico pe
Dorotéia Pela janela da cozinha do meu apartamento, encaro a imensidão cinza e azul-escuro acima da cidade de São Paulo, indicando que a chuva está por vir. Acordei cedo — como sempre —, embora os acontecimentos da noite passada tenham me incomodado, consegui não por muito tempo, me entregar aos braços do sono e acordar sem cansaço. Parece que há um elefante branco embaixo do meu teto. Ter João tão próximo e, ao mesmo tempo, distante se tornou um grande exercício de autocontrole. Cada vez que minhas pálpebras pesavam, eu despertava com o som da sua voz me chamando de bonita. Em certo momento da noite, não me contive e fui vê-lo, eu queria ter só mais um pouquinho dele. Saí de fininho pelo corredor à meia-luz até chegar ao quarto de hóspedes. Girei a maçaneta, devagar, para minha insatisfação a porta do quarto estava trancada e voltei frustrada para o meu quarto por não poder vê-lo em seu sono. — Você se
João Paulo— Hum, para Doti, não quero beijo agora. — Tranco a boca fugindo do seu beijo molhado.Mais uma vez ela tenta me beijar, sorrindo, mas não fala nada.— Para, Dorotéia. — A empurro e ela rosna.Um latido me acorda de supetão.Ahh, porra! Passo a mão na boca para limpar a baba da cadelinha que entrou em meu quarto na madrugada.— Se você queria um beijo, era só pedir. — Ela me olha com a cabeça levemente pendida para direita e eu sigo o movimento, depois disso, ela salta alegre, dá três voltas ao redor de si mesma e se deita ao pé da cama.Foi quase impossível pegar no sono tendo em vista que eu estava tão perto e tão longe da Dorotéia. Em determinado momento da madrugada, acordei com um barulho na porta, como se alguém tentasse abri-la