Dorotéia
Já são duas da tarde e ainda não almocei. Minha barriga ronca só em imaginar uma bela refeição, no entanto, a imagem da comida fantasiosa se desfaz quando a porta se abre e meu irmão passa por ela com uma expressão nada boa depois de... uma semana!?
— O que você acha que está fazendo, Dorotéia? — Ele puxa a cadeira em frente da mesa e se senta logo em seguida.
Paro a análise das projeções de vendas dos últimos meses e o encaro.
— Se você disser ao que se refere, eu poderia responder — falo, cruzando as pernas por baixo da mesa e encosto em minha poltrona macia.
Embora me faça de tonta, sei perfeitamente que ela se refere ao fato de eu ter barrado novamente a entrada de seu amigo preconceituoso do outro dia.
Ele balança a cabeça negativamente e sorri, daquele jeito incrédulo, o jeito que só ele sabe. Ao mesmo tempo, me encara com os olhos quase iguais aos meus.
— Por que você vei
João Paulo Faz duas semanas que eu trabalho na Arrais e que a senhorita língua afiada me “humilhou publicamente”. Sem drama, não foi bem uma humilhação já que estávamos apenas nós três e aquilo tudo foi só um showzinho daquela diaba em forma de gente. Apenas uma forma dela mostrar quem manda na porra toda, o que não deixa de ser mortificante ter minha capacidade profissional posta em xeque. Logo eu, o cara que embora sempre tive tudo do bom e do melhor, nunca permaneci de braços cruzados aguardando algum milagre extraordinário acontecer. Ainda na adolescência, procurei me ocupar com alguma coisa que me trouxesse benefícios, nesse caso, contatos, dinheiro e principalmente experiência. Vê-la chegar no escritório e saber que ela é a irmã do meu amigo Henrique, foi uma tremenda surpresa. Mas nada poderia ter me preparado para o que veio a seguir. Depois que entrou, Dorotéia manteve-se firme em me deixar praticament
Dorotéia As semanas passaram como um borrão. Sempre as mesmas coisas. Levantar, brigar com a Fabi, ir à oficina e passar na Arrais, voltar para casa e sonhar que estou sendo fodida pelo babaca Dantas. Não consegui parar de pensar em seus olhos selvagens, na sua pegada e no modo que me domou com seu jeito de macho alfa. É vergonhoso, eu sei! No entanto, tenho que admitir que acordei algumas noites com a calcinha molhada, resultado da excitação exacerbada que sinto quando sonho com aquele infeliz. Faz um tempo que não sinto o toque e o peso de um homem sobre mim. Bem, tem o Fábio, mas ultimamente, trocamos alguns beijinhos, nada com tanta importância. O sexo com ele se tornou desinteressante... sem sal. Por isso mesmo que estou com um mau humor do cão. E para aumentar a sensação de obscuridade que se abateu sobre mim há alguns dias, hoje é meu aniversário de trinta e três anos. Data que muitos usam para c
Dorotéia Eu devo ter xingado ou jogado pedra na cruz! Chego nessa bendita festa e já encontro Maribel com a falsidade dela, meu pai com a demência dele e por fim, o babaca Dantas acompanhado. Essa perturbação que não me deixa desde que o vi com aquela loira aguada agarrada no seu braço. “— Deveria ser eu.” — Essa vozinha chata insiste em pôr palavras onde elas não existem. Além do mais, tem mais urubus esperando pacientemente que ele as note. Uma delas ficava trocando de pé em cima de um salto alto o suficiente para escalar um prédio de 10 andares, o vestido platinado não cobria os peitos plastificados ou as pernas cumpridas. Sigo em direção ao banheiro. Meu pensamento está tão distante que converso comigo mesmo. — Não sei o que dá nessas mulheres ciumentas. Nossa! Elas veem coisas onde não existem, idealizam relacionamentos e até mesmo põe defeitos nas outras. — Dou uma risada nervosa s
Doroteia Não sei por que demoro tanto para entender o que essa tal Renata diz. Ou, talvez, só não queira acreditar que o babaca Dantas esteja noivo dessa pessoa que, definitivamente, nunca vi na feira vendendo banana. Demoro ainda mais para notar que a dita cuja avança sobre mim, berrando descontrolada. — Sua vagabunda! Eu vou acabar com você. Ela se aproxima com a mão levantada para me acertar um tapa — e pela velocidade, não doeria pouco — Por sorte, seguro em seu pulso a poucos centímetros de meu rosto. Fitamo-nos por quinze, vinte ou mais segundos, não sei dizer, cada uma decorando bem os detalhes da outra. Seus traços são tão angelicais que eu poderia jurar que ela seria um ser celestial se não fosse por seus olhos verdes transmitindo um misto de raiva e loucura. — Escute aqui, garota. Eu não sei quem é você, de onde você veio ou o que quer comigo, mas uma coisa te garanto, se você
Dorotéia Sentada na minha sala escura, tento manter os olhos abertos fitando o reflexo da garrafa de vinho barato que não sei onde achei. Busco na mente o que aconteceu depois que saí da casa do meu pai, e depois de mais um gole tomado diretamente da garrafa de vinho, ponho-me a filosofar mentalmente. “É incrível como as coisas que mais queremos esquecer, são as que insistem em bater na porta das lembranças”. É nesse nível de fossa que estou todas as vezes que a imagem do João carregando Renata se repete bem vívidas em minha memória, incontáveis vezes. Ela é linda! Não há por que negar isso. Alta, loira e de olhos verdes. O que mais ela pode querer? “— O cretino Dantas, ‘oras’!” — A vozinha interior que até então estava adormecida me responde com um toque de sarcasmo. Aquela loira aguada é perfeita para ele. Parecem um casal desses de comercial de margarina. — Suspiro alto sorrindo desse
DorotéiaPasso a língua nos lábios ressecados em um gesto que hidrata e, ao mesmo tempo, provoca. João segue o movimento, aproximando a boca da minha. Ele roça seus lábios carinhosamente nos meus enquanto me olha profundamente nos olhos, pedindo, ansiando por permissão.— Faça — instigo em um suspiro sofrido de vontade. — Faça, João! Faça mesmo sabendo que isso não é real — repito.Ele repuxa o canto superior da boca em um sorriso enigmático.— Como você sabe que não é verdade? — pergunta. — Eu estou aqui, com você nos meus braços, mas você é tão incrédula, dura consigo mesma. Uma mulher incapaz...No momento seguinte, tomo a iniciativa que ele não teve e selo nossos lábios em um beijo tímido
João Paulo Levanto-me cedo no intuito de dar alguns murros no saco de pancadas da academia antes de ir à Arrais. Ao som de Cute One e Wolfgang Black, take me know vibra nas caixas de som, sobrepondo-se ao barulho de meus punhos no saco cheio de areia. Cada soco me faz recordar da conversa com Renata ontem à noite, da minha mãe não me olhando na cara e, agora, meu pai questionando sobre a repentina mudança nos planos de casamento com Renata. Lhe respondo como venho dizendo a todos. — Não me casarei com ela, pelo simples fato de que nunca fomos nada um do outro. Não passou de sexo. — Dou de ombros disparando outro golpe. — E antes que o senhor me pergunte de onde saiu essa história de casamento, foi mais uma ideia esdrúxula e infantil alimentada pela cabeça de mamãe — concluo respirando profundamente. — Tudo bem, filho! Não precisa de estresse. — Aperta meu ombro. — Só tenha cuidado. — Terei
Dorotéia Encaro-me no espelho do restaurante, admirando a perfeição do vestido vermelho, acentuando ainda mais minhas curvas. A hostess me leva até à mesa onde João me espera, vestido em uma calça jeans de lavagem clara e camisa social branca com as mangas dobradas até o meio dos braços. Ele levanta-se vindo ao meu encontro. — Você quer um lenço ou babador? — provoco. — O quê? Não, não! É que você. Nossa! Uau. — Três expressões de encantamento ou decepção. Espero que esteja encantado por mim, João. — Claro, sim! — Sorrio com seu embaraço. — Então, estou linda? — Tento mais uma vez, mas ele não cai. Balança a cabeça negando. — Você sabe que sim. Não tente me deixar mais desnorteado. — Você não me respondeu. — Você. Está. Maravilhosamente. Linda — fala pausadamente cada palavra, depois se curva beijando minha mão. Ponto para meu poder de pers