Mal termino de tomar meu café e preciso sair às pressas, pois já estava quase atrasada para a faculdade.
Saio do elevador, andando entre os carros no estacionamento, quando meu celular começa a tocar e vejo ser o cara da outra noite.
- Pensei que não iria me atender – diz ele, assim que atendo, destrancando meu HB20.
- Por quê ligou? – Não tinha tempo para enrolação e as vezes precisava ser direta.
- Queria ouvir sua voz.
- Está ouvindo – Coloco o celular no viva-voz, em seguida o cinto de segurança e ligo o motor do carro.
Ele ri baixo.
- Gostei daquele beijo. Você beija bem pra cacete.
Queria dizer o mesmo, mas... tinha uma conduta que devia ser seguida.
- Bom saber.
- Quando vamos repetir?
- Foi pra isso que me encontrou em meio à tantas pessoas?
- Também.
Dirijo para fora do prédio, entrando em uma avenida.
- Também? Como assim?
- Vou fazer um churrasco na minha casa. Deveria aparecer.
Um churrasco.
Não estava habituada com o tipo de churrasco que ele deveria fazer. Quando queríamos comer churrasco, era só ir em uma churrascaria. Sem cheiro de fumaça, bebedeira ou algo do tipo.
- Sei não. Estou indo agora pra faculdade.
- Faz faculdade é?
- Medicina.
- Quer ser médica - Conclui o quê é bastante óbvio.
- Se eu sobreviver a todos os semestres, sim.
- Essa parada aí é difícil mesmo?
- Depende do que você acha difícil – Paro e um cruzamento, encarando um casal que passa na frente dos carros.
- Difícil é fazer um prédio – Ele ri do próprio comentário – Mas e aí, vai vir mermo?
- Eu já disse, não sei.
Ele faz uma breve pausa.
- Quero te ver.
Aquele quero te ver, abalou minhas estruturas. Tinha um certo fraco por homens que, conseguiam dizer o quê pensavam.
- Diz que vai vir, vai.
Eu tinha aula e não fazia ideia de quando sairia daquela tortura.
Mordo o lábio inferior.
- Se eu for, aviso.
- Vou esperar você ligar.
- Tá. Tudo bem – digo antes dele desligar, encerrando a conversa que conseguiu abalar meu interior.
Como todas as segundas-feiras, a faculdade não estava muito movimentava. Só ficava quando era semana de provas.
A maioria faltava, por causa do final de semana e achei que este seria o caso de Bianca, mas não foi bem isso.
Lá estava ela, sentada no fundo da sala, deitada sobre a bolsa.
- Achei que não iria vir hoje.
- Como se existisse essa alternativa na minha vida. Minha mãe depois que se separou, começou a pegar no meu pé – resmunga rouca – Me acordou as 6h da manhã hoje, abrindo janela, falando alto...Eu odeio aquela mulher.
- Gostou do meu presente? – pergunto tocando a corrente da medalhinha no meu pescoço.
- Simples.
- Minha mãe que me deu.
- Não pensei em outra pessoa – Dou de ombros. Meu pai não me dava presentes, era um fato, mas ela podia se mostrar surpresa pelo menos.
Me viro para ela, encostando o braço na cadeira.
- Você não faz ideia de quem me mandou mensagem no I*******m.
Bianca solta o ar dos pulmões, com a cabeça deitada sobre a bolsa e com os olhos fechados.
- Não faço mesmo.
- O cara que eu beijei por último.
Ela abre os olhos, me encarando.
- O que viu eu quase ser destroçada e não fez nada?
Nem tinha percebido se ele havia ficado até o final da briga ou não.
- Ele me chamou pra ir na casa dele. Vai ter um churrasco lá.
- Você nem conhece ele.
- Também não conhecíamos onde estávamos nos metendo ontem.
- Qual o nome dele? – Ela apoia os cotovelos sobre a mesa, erguendo a cabeça.
- No perfil dele está Gael.
Ela revira os olhos.
- E se o nome for falso?
- E se não for? – Ela pondera minha pergunta, semicerrando os olhos – Sei que como eu, quer ir.
Ela ergue uma sobrancelha.
- Você como ninguém, sabe como odeio segunda-feira e essa faculdade de merda.
Sorrio.
- É. Eu sei.
- Então, estamos esperando o quê?
Outra coisa que havia esquecido de mencionar, Bianca topava todos os rolês que surgiam. Não importava onde fosse, quem estivesse lá ou se conseguiríamos voltar para casa. Ela sempre topava.
Dito isso, mando uma mensagem para Gael, que não demora em responder, me dizendo que me esperaria aonde aconteceu o baile de ontem.
Minha memória mais uma vez, não ajudou e a memória de Bianca, por causa do álcool, também não cooperou.
- É por aqui mesmo? – pergunto quando já estamos alguns minutos em uma estrada de terra, cheia de buracos.
Bianca pressiona os lábios com força, o coque feito em seu cabelo frouxo e as bochechas vermelhas.
- Não lembro nem como cheguei em casa ontem, Marcela. Acha mesmo que tenho certeza se estamos no caminho certo?
- Vou ligar para o Gael – digo pegando meu celular.
- Isto. Liga para o desconhecido. Aí ele aproveita já estupra a gente e enterra nesse matagal – Olho para Bianca chocada. Seu humor ás vezes, era péssimo, e havia se tornado pior quando precisou conviver mais tempo com Cláudia.
- Gael – digo quando ele atende – Acho que a gente se perdeu.
- Onde vocês estão?
- Num matagal.
- Continue por este caminho, não faça nenhuma curva. No final da estrada, vira a direita, esquerda e ser novo direita.
Passo as instruções para Bianca após desligar, me mantendo atenta para ter certeza de que iria seguir as orientações à risca.
No final da última curva, finalmente vejo Gael, encostado em uma moto verde- limão.
- Vai lá. Vou ficar aqui – diz Bianca, quando para o carro a poucos passos dele.
Desço do carro, colocando um sorriso no rosto, a medida que me aproximava dele.
- Oi.
- E aí – Os olhos dele vão dos meus pés, até minha cabeça, olhando tudo com bastante atenção – Sua amiga tá bem? – Ele olha para Bianca arrumando o cabelo dentro do carro. Olho para ele sem entender – A coisa me pareceu feia ontem aqui.
- Ah. Ela está bem sim – Sorrio levemente – Só com uma p**a de uma ressaca.
- Quem não tá, não é? – Assinto – Bora lá? Moro lá em cima – Ele aponta para um amontoado de casas no topo do morro.
- Vamos – digo hesitante, antes de girar meus calcanhares e voltar para o caro.
Como imaginei, Gael morava no topo do morro, ao lado de um matagal extenso.Havia pelo menos uma dúzia de carros nos dois lados da rua, fora ás motos; Precisando Bianca, deixar o carro estacionado na outra rua.Caminhamos lado a lado, conversando por olhar. Com certeza, assim como eu, ela não esperava que havia tantas pessoas.A música alta em um funk de Mc Drika, balançava os vidros da janela e tremia o portão de ferro.Algumas mulheres estavam num pequeno grupo na garagem, bebendo e dançando, enquanto conversavam. Fixando seus olhares em nós ao passar. 
Como uma pessoaansiosa, esperei que Gael me mandasse uma mensagem no Instagram à noite, mas ele não mandou.Passei mais tempo do que passava no aplicativo, olhando todos os storys que estavam disponíveis e navegando pela aba explorar, me entretendo com vídeos repetitivos e fofocas de famosos.Até meia-noite, Gael não entrou no Instagram, me fazendo acreditar que tudo não passou de um rolê aleatório com uma pessoa que ele nem conhecia.Fuço praticamente o Instagram dele, olhando cada mina que ele seguia. Sempre com alguma coisa a mais no corpo, sendo peito ou bunda, ou mesmo os dois.
- Então é aqui que faz faculdade?Estávamos no estacionamento da faculdade, dentro do meu carro.- Como me achou? - Ele dá um meio sorriso.- Aquela sua amiga lá. Bianca - Claro, ela queria ver o circo pegar fogo. Uma confusão daquelas talvez - Se ela não me dissesse onde você estava. Encontraria você de qualquer jeito.Ergo as sobrancelhas.- Tudo isto por causa de um áudio? - Fixo meu olhar num ponto dentro do carro.- Você tinha me bloqueado e achei que nunca mais iria querer falar comigo - Seus olhos vagam pelo meu rosto - Só por quê não sou muito bom com as palavras - Ergo meus olhos, encontrando os seus - Não podia terminar o sentimento tão bo
Acabou que bebemos toda a cerveja que comprei, enquanto conversávamos sobre assuntos aleatórios sobre o efeito do álcool.Passamos o restante do dia deitados sobre a areia, na maioria do tempo olhando o céu azul e na outra parte rindo de algum comentário.Estava quase anoitecendo, quando Gael levanta, olhando ao redor.- Temos que ir - diz me olhando em seguida.Suspiro.- Tenho mesmo? - pergunto com a língua enrolada.- Não tem como ficar aqui no escuro.Sento pegando minha roupa, recebendo a ajuda dele ao vestir a calça jeans.Com ás mãos no zíper da calça e os o
O pouco que dormi, foi um sono conturbado. Me mexendo toda hora na cama, sendo torturada pelas palavras que foram ditas.Pouco tempo depois do dia amanhecer, levanto. Tomo minha insulina, apesar de não sentir fome alguma e tomo um banho.Feito isto, em uma bolsa, coloco três mudas de roupa, não sabendo exatamente o que estava fazendo isto.A casa estava em completo em silêncio, quando deixo meu quarto. O único barulho que podia ouvir, era baixo, e vinha da cozinha, onde Luzia já deveria estar fazendo o café da manhã.Dentro do café, olhando os demais carros no estacionamento, penso para onde ir.
Lurdes era uma mulher de aproximadamente quarenta anos, usando um short que mostrava completamente a papada de sua bunda e a blusa que não cobria completamente sua barriga de avental.Era ágil. Enquanto falava dos últimos acontecimentos da favela para Gael, que parecia muito entretido em resolver alguma coisa no celular, limpava os cômodo da casa com maestria.Tentando não atrapalhar seu serviço, me locomovia sempre para o cômodo que ainda estava por limpar, acabando meio por fim, quando ela chegou na cozinha, a voltar para a sala.Da sala, podia ver Gael fazendo uma ligação de vez em quando, irritado com a pessoa do outro lado da linha, enquanto dava ordens.
- Tá indo aonde? - Rubinho pergunta, quando vou na direção do meu carro.- Pensei em seguir você.- Corta essa. Entra aqui logo - diz indicando com a cabeça o carro parado a poucos passos dos meus.Entro no carro, sentando no banco do carona, não me impontando em por o cinto de segurança.Rubinho dá partida, entrando e saindo de ruas estreitas com esgoto a céu aberto, casas amontoadas e um emaranhado de fios expostos.Quanto mais o carro avançava, mais o contraste mudava e se tornava quase impossível de um carro passar, isto graças aos buracos na rua de barro.- Onde a gente tá? - pergunto, ao sentir pela terceira vez, a mão de Rubinho roçar em meu joel
Até na hora que fui dormir, Gael não apareceu. Resultando minha janta sendo pão com mortadela, enquanto assistia um filme infantil.Cansada de esperar por ele, decido ir para a cama, me encolhendo em baixo da coberta.Acabou que dormi muito bem, só acordando quando o despertador tocou na manhã seguinte.Desligo o despertador, me espreguiçando, enquanto encarava o teto do quarto.Sento na cama, respirando fundo, sem notar nenhum vestígio de que Gael esteve por ali.Abrindo minha bolsa, pego minha insulina, sentando novamente na beirada da cama, para tirar o liquido do pequeno frasco com a seringa.<