Cássia nem fazia ideia, mas a ambição de Henrique era um buraco muito mais fundo do que ela poderia imaginar. Para ela, ele era apenas um marido frio, indiferente e infiel. Mas, na verdade, ele era um estrategista calculista, movido por um único objetivo: poder.
Depois de quase cinco anos de casamento — cinco longos anos de traições, frieza e sexo sem graça — Cássia finalmente tomou a decisão que deveria ter tomado no primeiro mês: procurou um advogado e deu entrada no divórcio. Mas Henrique? Ah, ele não era do tipo que aceitava derrotas. E, definitivamente, não ia deixar que sua esposa "inconveniente" atrapalhasse seus planos. Quando recebeu a notícia do pedido de divórcio, ele trincou os dentes, apertou os punhos e praguejou tão alto que o assistente dele pensou que um terremoto estava começando. — Mas que droga, Cássia! Logo agora?! Henrique estava prestes a realizar o sonho da sua vida: tornar-se prefeito. E, para isso, precisava manter a imagem perfeita de um marido dedicado e apaixonado. Uma separação estragaria tudo. — Ela acha mesmo que pode me deixar assim? No meio da campanha? — ele resmungou, andando de um lado para o outro. — Não, não… isso não vai acontecer. O que Cássia não sabia era que todo o império que Henrique construiu — suas festas luxuosas, seus jantares com empresários, sua campanha política brilhante — tudo isso foi financiado pelo dinheiro dela. Sim, ele dependia dela mais do que gostaria de admitir. E agora, com a eleição tão perto, ela queria ir embora? De jeito nenhum. Henrique sabia que precisava agir rápido. Seu plano para o poder não incluía divórcios nem manchetes escandalosas. Ele não aceitaria que Cássia estragasse o momento mais importante da sua vida. E, claro, ele não jogava limpo. Faltavam apenas duas semanas para as eleições quando Henrique chegou em casa com um ar devastado, como se tivesse acabado de escapar por um triz de um desastre monumental. Ele entrou pela porta sem o menor vestígio de seu habitual charme arrogante. Estava sério, abatido, com a testa franzida e os ombros tensos, como se carregasse o peso do mundo. Cássia, que estava confortavelmente deitada no sofá degustando uma taça de vinho e assistindo a um reality show qualquer, arqueou a sobrancelha ao vê-lo. — Nossa, o que aconteceu? Perdeu a eleição antes mesmo de ganhar? — brincou, girando o líquido na taça. Henrique suspirou dramaticamente e passou a mão pelo rosto, como se estivesse se preparando para contar a notícia mais alarmante de sua vida. — Não é brincadeira, Cássia. Eu estou correndo perigo. Ela revirou os olhos. — Você sempre está. Perigo de perder dinheiro, perigo de manchar sua reputação, perigo de tomar um golpe de um político mais esperto… Qual é a ameaça da vez? Henrique ignorou o tom sarcástico dela e se jogou em uma poltrona, parecendo derrotado. — Estou recebendo cartas ameaçadoras há semanas. No começo, achei que era só provocação de adversários políticos, então não dei muita atenção. Mas hoje… hoje foi diferente. Ele fez uma pausa dramática e olhou para ela, esperando uma reação. — Diferente como? Henrique se inclinou para a frente, segurando a mão dela com uma intensidade que a fez estremecer. — Me seguiram, Cássia. Um carro misterioso me perseguiu pelas ruas da cidade. Tentei despistá-los, mas eles quase me fizeram capotar. Foi por pouco… muito pouco. Cássia arregalou os olhos. Ok, agora ele tinha a atenção dela. — Meu Deus! Mas… mas você está bem? Ele assentiu lentamente. — Estou. Mas poderia não estar. Naquela noite, Cássia rolou de um lado para o outro na cama, inquieta. Seu cérebro simplesmente não desligava. — Será que Henrique está falando a verdade? — murmurou para si. Claro, seu marido tinha o dom de ser dramático, mas e se, por acaso, dessa vez ele estivesse certo? E se realmente houvesse um perigo iminente? — Bom, se for verdade… eu estou frita. Se for mentira… bom, aí é só mais um dia normal nesse casamento. — Suspirou e cobriu o rosto com o travesseiro. Depois de muito revirar possibilidades na mente, o sono finalmente venceu. Mas mal sabia ela que o dia seguinte traria surpresas. Um dia, no entardecer, ao chegar em casa, Cássia notou algo estranho: Henrique estava na sala. E isso era muito suspeito. Normalmente, ele chegava tarde, ocupado demais com reuniões políticas e esquemas que ela preferia nem saber. Mas ali estava ele, sentado no sofá, bebendo um whisky e suspirando como se carregasse o peso do mundo nos ombros. Cássia franziu o cenho. — Ok, o que foi agora? A eleição foi cancelada? Roubaram sua coleção de ternos azul-marinho? Henrique suspirou dramaticamente e fez um olhar de “pobre homem injustiçado pela vida”. — Temos outro problema, Cássia. As ameaças aumentaram. Ela cruzou os braços. — Ah, que novidade. — Não é só comigo… — Ele abaixou a voz, como se estivesse prestes a revelar um segredo mortal. Seus olhos fixaram-se nos dela, intensos. — Agora estão envolvendo você. Cássia piscou. — O quê?! Henrique fez mais uma pausa dramática — porque, claro, ele adorava um suspense — e então continuou: — Hoje, o alarme da casa disparou. Liguei para Ermelinda, mas ela estava no mercado. Então corri para casa e, quando cheguei… Nova pausa. — …encontrei nosso quarto invadido. Os olhos de Cássia se arregalaram. — Como assim, invadido?! — Picharam a parede. De vermelho. — De vermelho? Mas que cafona. — Cássia! O foco aqui não é a estética do crime! Ela ergueu as mãos em rendição. — Ok, ok. Continue. Henrique respirou fundo, como se estivesse prestes a dizer algo aterrorizante. — Escreveram uma mensagem… um aviso para que eu desista da eleição… ou sofreremos as consequências. Dessa vez, um calafrio real percorreu a espinha de Cássia. — Mas… você chamou a polícia, certo? — Sim, claro. Eles estão lá em cima, investigando.Cássia soltou um suspiro aliviado. — Bom, ao menos isso.Henrique olhou fixo para ela.— Agora é só esperar que eles resolvam. Devido às ameaças, tomei uma decisão importante. Ela estreitou os olhos. — Que tipo de decisão? Henrique fez um gesto discreto com a cabeça, apontando para alguém atrás dela. Cássia virou-se e, pela primeira vez, seus olhos pousaram em um homem alto, elegantemente vestido, parado na sala de estar. Ele não estava ali apenas presente, ele dominava o ambiente. Corpo atlético, terno perfeitamente ajustado, postura firme, olhar intenso e um certo ar de mistério que fazia qualquer protagonista de filme de ação parecer um amador. Cássia piscou algumas vezes, tentando assimilar a situação. — O que significa isso? — perguntou, voltando-se para Henrique. Ele colocou uma mão em seu ombro e murmurou: — Contratei um guarda-costas para você. Você precisa sair de casa ainda hoje. Cássia sentiu o estômago revirar. — Espera… o quê?! — É por segurança. Assim que e
DE VOLTA AO INÍCIO...A viagem foi longa. Tão longa que, em algum momento, entre o silêncio desconfortável e as árvores passando pela janela, Cássia simplesmente apagou. Encostada no vidro do carro, dormiu profundamente, alheia ao fato de que seu destino era uma casa isolada no meio do nada. Quando Charles finalmente estacionou atrás da casa, já era de madrugada. O lugar era cercado por árvores gigantescas, e a única iluminação vinha da lua filtrando-se entre as folhas. Ele suspirou ao olhar para o banco do passageiro. Cássia continuava desmaiada. — Ótimo!Com um pouco de relutância, saiu do carro e começou a retirar as malas. Mas, ao notar que ela sequer se mexia, decidiu que seria melhor acordá-la antes que precisasse carregá-la casa adentro. — Cássia — chamou, com sua voz firme. Nada. — Cássia, chegamos. Ela resmungou alguma coisa ininteligível e afundou ainda mais no banco. Charles revirou os olhos e se inclinou, tocando-lhe o ombro. — Se não acordar, vou ter que te carreg
O sol mal havia começado a se levantar no horizonte quando Charles já estava de pé. Depois de se alongar rapidamente, ele saiu para correr pelos arredores da cabana, mantendo seu ritmo impecável, como um verdadeiro profissional. O ar fresco da manhã e o som das folhas farfalhando ao vento eram seus únicos companheiros, já que Cássia, sua protegida, dormia profundamente sem a menor preocupação no mundo. No caminho de volta, ele percebeu que a situação da despensa da cabana era crítica —praticamente um deserto alimentar. Sem pensar duas vezes, parou no pequeno mercadinho da cidade mais próxima e comprou algumas coisas essenciais: ovos, pão, leite e, claro, café, porque lidar com Cássia sem café poderia ser um risco à sua própria sanidade. Quando chegou, colocou as sacolas sobre a mesa e começou a guardar os mantimentos, mas logo ouviu um barulho vindo do corredor. — Bom dia! — A voz preguiçosa de Cássia ecoou pelo ambiente enquanto ela bocejava e alongava os braços. — Onde você estav
O entardecer trouxe consigo nuvens pesadas e carregadas. Charles, atento como sempre, percebeu que um temporal se aproximava e resolveu verificar se tudo estava em ordem do lado de fora. O vento começava a sacudir as árvores e um cheiro de terra molhada tomava conta do ar. Ele olhou para o céu escuro e decidiu que era melhor voltar para dentro antes que a tempestade começasse de vez. Assim que entrou, as primeiras gotas de chuva começaram a cair, seguidas de trovões distantes. O ambiente estava silencioso, apenas o som da chuva batendo no telhado preenchia o espaço. Charles pegou o celular e tentou ligar para Henrique, esperando receber novas instruções. Nada. Ele tentou novamente. Ainda nada. Com um suspiro frustrado, ele tentou o telefone do escritório. Nenhuma resposta. Cássia, que estava deitada no sofá folheando uma revista sem muito interesse, percebeu sua expressão preocupada e arqueou a sobrancelha. — O que houve? Não conseguiu falar com Henrique? Charles balançou a cabeç
A chuva caía forte quando Henrique apareceu na porta da cabana. Seu terno estava impecável, mesmo com o temporal castigando lá fora. Ele parecia determinado, mas Charles não se impressionou. Cruzou os braços e, sem rodeios, perguntou com seriedade: — Por que está aqui?Henrique o ignorou por um momento e olhou diretamente para Cássia. — Eu vim ver minha mulher. Charles estreitou os olhos. — Mas, senhor... Henrique ergueu a mão, cortando qualquer protesto. — Se acalme, Charles. Eu só preciso conversar com minha esposa. Cássia ficou parada, olhando para ele como se estivesse diante de um alienígena. Eles estavam casados há cinco anos, mas, durante esse tempo, pareciam dois estranhos. Henrique nunca fora do tipo carinhoso, e agora estava ali, na chuva, agindo como um marido preocupado. Algo estava errado. E ficou ainda mais estranho quando Henrique se aproximou dela, deslizou a mão pelo seu rosto e perguntou com um tom de voz quase... suave: — Como você está, querida? Cássia arr
Cássia sorriu de lado, cruzando os braços enquanto o observava. Ele estava ali, tão concentrado, tão sério, como se cozinhar fosse uma missão de vida ou morte.Ah, mas ela sabia que tinha mexido com ele. Sabia que aquele beijo mais cedo não tinha sido coisa só dela. E se Charles queria fingir que nada aconteceu… bem, ela não iria facilitar. Cássia sorriu maliciosamente. Ah, então ele queria bancar o indiferente? Pois bem, ela poderia jogar esse jogo. — O que temos para o jantar, chef Lamartine? — perguntou, deslizando as mãos pelo balcão e inclinando-se ligeiramente para espiar a panela, sem disfarçar a proximidade entre os dois. Charles, que já estava tenso, sentiu cada terminação nervosa do seu corpo acender como fogos de artifício. Mas ele era um profissional. Um homem disciplinado. E definitivamente não iria ceder tão fácil. Ele pigarreou, manteve os olhos fixos na comida e respondeu em um tom firme: — Sopa. Simples e eficiente. Agora, se puder dar um passo para trás… você pod
Cássia suspirou enquanto pegava os pratos e os colocava sobre a mesa. Talvez estivesse exagerando nas provocações. Charles não era um cara que entrava fácil no jogo, e claramente, ele não estava achando tanta graça assim. Ele virou-se para pegar a panela de sopa, sua expressão séria como sempre, e começou a servir os pratos sem sequer olhar para ela. Cássia mordeu o lábio, tentando pensar em uma forma de amenizar o clima. — Desculpa se te aborreci. — Ela quebrou o silêncio, apoiando o cotovelo na mesa e olhando para ele com um sorriso meio sem jeito. — Fiquei nervosa com a visita surpresa do Henrique e… bem, tentei descontrair. Acho que passei um pouquinho do limite. Charles continuou em silêncio por alguns segundos, pegou sua colher e começou a beber a sopa como se ela não tivesse falado nada. Cássia arqueou as sobrancelhas. — Uau. Tudo isso é ranço de mim ou você é sempre assim, feito um agente secreto sem emoções? Ele não respondeu. Só continuou comendo, como se estivesse em
Depois do jantar, Cássia lançou um olhar furtivo para Charles, ponderando se deveria provocá-lo mais um pouco. Mas antes que pudesse bolar um plano genial para tirá-lo do sério, sentiu o celular vibrar no bolso. "Ah, salvou-se por pouco, senhor guarda-costas de gelo," pensou, rindo para si. Ela se levantou da mesa com um alongamento exagerado, só para ver se Charles reagia de alguma forma. Nada. Nem um desvio de olhar. O homem era um verdadeiro robô de terno. — Bom, vou para a sala. Não se divirta muito lavando a louça. Charles apenas ergueu uma sobrancelha, sem interromper o trabalho meticuloso de enxaguar os pratos. — Não se preocupe, Cássia. Eu me contenho. Ela revirou os olhos e seguiu para a sala, afundando-se no sofá com um suspiro. Pegou o celular e viu que era uma mensagem da sua melhor amiga, Molie. "Amiga, você está viva? Porque se não responder, vou supor que foi sequestrada pelo seu guarda-costas gostoso e agora está vivendo um romance proibido no meio da floresta."