Cássia Moscovisk era uma mulher de 32 anos, cheia de vida e dona de um bom humor contagiante. Seus cabelos loiros, naturalmente ondulados, pareciam sempre estar no enquadramento perfeito para uma cena de comercial de xampu, e seus olhos esverdeados tinham um brilho travesso que encantava e intrigava ao mesmo tempo. Ela não apenas esbanjava beleza, mas também possuía uma sensualidade natural, daquelas que pareciam acontecer sem que ela sequer tentasse.
Filha de um casal que poderia facilmente protagonizar um romance daqueles bem clichês, cheios de declarações apaixonadas e momentos de tirar o fôlego, Cássia cresceu acreditando piamente que o amor verdadeiro existia. Seu pai sempre olhava para sua mãe como se ela fosse a única mulher no planeta, e sua mãe retribuía com um carinho que fazia qualquer um suspirar. Era o tipo de relação que faz qualquer pessoa sonhar com um "felizes para sempre". E Cássia sonhava. Sonhava com seu príncipe encantado, com uma vida digna de um conto de fadas moderno, onde ela teria um amor inabalável e um futuro brilhante.
Aos 22 anos, cheia de planos e determinada, ingressou na faculdade de Direito. Seu objetivo? Defender os injustiçados e, talvez, dar alguns discursos inflamados em tribunais enquanto impressionava a todos com sua eloquência. Mas a vida, como sempre, tinha outros planos. No quarto semestre do curso, sua mãe sofreu um acidente de carro que a deixou em coma. Cássia passou meses em hospitais, segurando a mão dela, torcendo para que ela abrisse os olhos e dissesse algo simples como "onde está meu café?". Mas isso nunca aconteceu. Poucos meses depois, sua mãe faleceu, levando consigo toda a luz e alegria que costumavam encher a casa da família Moscovisk.
A dor foi insuportável, mas pior ainda foi ver seu pai, um homem antes tão forte e apaixonado, desmoronar diante de seus olhos. Ele não suportou a perda da mulher que amava. Sua saúde se deteriorou rápido, como se sua razão de viver tivesse sido arrancada junto com ela. Em poucos anos, ele também partiu, deixando Cássia completamente sozinha.
Aos 26 anos, cercada de uma fortuna herdada, ela se viu diante do maior dilema da sua vida: viver ou simplesmente se entregar ao vazio. Porque dinheiro pode comprar muitas coisas, mas não preenche o buraco que a ausência de quem amamos deixa.
Foi nessa época que ela começou a conversar sozinha com mais frequência.
— Bom dia, espelho. Hoje vamos fingir que temos um motivo para sair da cama? — murmurava, ao se encarar no reflexo.
Ou então:
— Se eu dormir por 48 horas seguidas, isso conta como uma mini hibernação terapêutica? — perguntava para o teto, esperando que algum espírito do universo mandasse uma resposta.
Mas, como o universo é meio preguiçoso, nenhuma resposta veio. E então, ela percebeu que precisava decidir. Ou se entregava de vez ao abismo ou se reinventava. E, como sempre teve um certo talento para a dramática, decidiu que, já que ia viver, faria isso com estilo.
E assim, sua nova jornada começou.
Cássia havia mergulhado tão fundo na sua bolha de tristeza que já nem lembrava a última vez que tinha visto a luz do sol. Sua rotina se resumia a pijamas confortáveis, séries dramáticas e muito chocolate—afinal, nada melhor para afogar as mágoas do que uma maratona de filmes tristes e um estoque infinito de doces.
Foi então que, depois de uma semana trancada em casa, sem contato humano além do entregador de comida, ela recebeu uma visita inesperada.
— Mas que diabos aconteceu com você? — disse Rodrigo, seu amigo dos tempos de faculdade, arregalando os olhos ao vê-la. — Você virou um panda humano?
— Isso é rímel borrado, obrigada por notar — resmungou Cássia, se jogando no sofá.
Rodrigo bufou, cruzando os braços.
— Eu entendo que você esteja de luto, mas chega, Cássia! Você está se afundando nisso. Vamos sair, ver gente, respirar ar puro.
— Ar puro é superestimado — ela rebateu, cobrindo-se com um cobertor.
— Não aceito desculpas. Você vai sair, nem que eu tenha que te carregar.
E, como Rodrigo era persistente (e levemente irritante quando queria), ela acabou cedendo. Duas semanas depois, lá estava Cássia, tentando viver de novo. E "tentando" era a palavra-chave. Não era fácil sair do modo "eremita", mas Rodrigo fazia questão de arrastá-la para festas, encontros e eventos sociais.
Foi em uma dessas festas que Cássia conheceu Henrique Belmont. E foi como se o universo tivesse parado por um segundo. Os olhares se cruzaram, os sorrisos surgiram, e naquele instante ela teve certeza: — É ele. Minha alma gêmea.
Henrique era charmoso, educado e tinha aquele jeito misterioso que deixava tudo mais interessante. O romance foi rápido, intenso e apaixonado. Em poucos meses, estavam casados. Mas Cássia só descobriu a verdade dois meses depois:
Ela havia se casado com um iceberg.
Henrique era frio, individualista e ambicioso. A paixão inicial se dissolveu mais rápido do que um cubo de gelo no deserto. No primeiro mês de casamento, ele já a traía descaradamente. E, como se isso não bastasse, o sexo era tão emocionante quanto um chá de camomila.
— Parabéns, Cássia. Você queria um príncipe encantado e acabou com um sapo que nem tenta pular.
Mas ela tentou suportar. Fez compras, viajou, malhou, nadou… Nadar era a única coisa que a fazia sentir paz, como se cada braçada a afastasse um pouco mais do erro que cometeu.
O casamento durou três anos. Três longos e frustrantes anos. Até que um dia, Cássia finalmente explodiu:
— Eu quero o divórcio! — ela gritou.
Henrique, que estava mais interessado na fortuna dela do que no casamento em si, não aceitou. Tentou convencê-la de que ainda podiam consertar as coisas. Como? Planejando uma viagem pelo mundo.
E, por incrível que pareça, a estratégia até funcionou por um tempo. Henrique começou a lhe dar mais atenção, fazer gestos românticos, parecer… humano.
Mas, como sempre, isso não durou muito.
E Cássia, mais uma vez, percebeu que havia se enganado.
Cássia nem fazia ideia, mas a ambição de Henrique era um buraco muito mais fundo do que ela poderia imaginar. Para ela, ele era apenas um marido frio, indiferente e infiel. Mas, na verdade, ele era um estrategista calculista, movido por um único objetivo: poder. Depois de quase cinco anos de casamento — cinco longos anos de traições, frieza e sexo sem graça — Cássia finalmente tomou a decisão que deveria ter tomado no primeiro mês: procurou um advogado e deu entrada no divórcio. Mas Henrique? Ah, ele não era do tipo que aceitava derrotas. E, definitivamente, não ia deixar que sua esposa "inconveniente" atrapalhasse seus planos. Quando recebeu a notícia do pedido de divórcio, ele trincou os dentes, apertou os punhos e praguejou tão alto que o assistente dele pensou que um terremoto estava começando. — Mas que droga, Cássia! Logo agora?! Henrique estava prestes a realizar o sonho da sua vida: tornar-se prefeito. E, para isso, precisava manter a imagem perfeita de um marido dedicado
Cássia soltou um suspiro aliviado. — Bom, ao menos isso.Henrique olhou fixo para ela.— Agora é só esperar que eles resolvam. Devido às ameaças, tomei uma decisão importante. Ela estreitou os olhos. — Que tipo de decisão? Henrique fez um gesto discreto com a cabeça, apontando para alguém atrás dela. Cássia virou-se e, pela primeira vez, seus olhos pousaram em um homem alto, elegantemente vestido, parado na sala de estar. Ele não estava ali apenas presente, ele dominava o ambiente. Corpo atlético, terno perfeitamente ajustado, postura firme, olhar intenso e um certo ar de mistério que fazia qualquer protagonista de filme de ação parecer um amador. Cássia piscou algumas vezes, tentando assimilar a situação. — O que significa isso? — perguntou, voltando-se para Henrique. Ele colocou uma mão em seu ombro e murmurou: — Contratei um guarda-costas para você. Você precisa sair de casa ainda hoje. Cássia sentiu o estômago revirar. — Espera… o quê?! — É por segurança. Assim que e
DE VOLTA AO INÍCIO...A viagem foi longa. Tão longa que, em algum momento, entre o silêncio desconfortável e as árvores passando pela janela, Cássia simplesmente apagou. Encostada no vidro do carro, dormiu profundamente, alheia ao fato de que seu destino era uma casa isolada no meio do nada. Quando Charles finalmente estacionou atrás da casa, já era de madrugada. O lugar era cercado por árvores gigantescas, e a única iluminação vinha da lua filtrando-se entre as folhas. Ele suspirou ao olhar para o banco do passageiro. Cássia continuava desmaiada. — Ótimo!Com um pouco de relutância, saiu do carro e começou a retirar as malas. Mas, ao notar que ela sequer se mexia, decidiu que seria melhor acordá-la antes que precisasse carregá-la casa adentro. — Cássia — chamou, com sua voz firme. Nada. — Cássia, chegamos. Ela resmungou alguma coisa ininteligível e afundou ainda mais no banco. Charles revirou os olhos e se inclinou, tocando-lhe o ombro. — Se não acordar, vou ter que te carreg
O sol mal havia começado a se levantar no horizonte quando Charles já estava de pé. Depois de se alongar rapidamente, ele saiu para correr pelos arredores da cabana, mantendo seu ritmo impecável, como um verdadeiro profissional. O ar fresco da manhã e o som das folhas farfalhando ao vento eram seus únicos companheiros, já que Cássia, sua protegida, dormia profundamente sem a menor preocupação no mundo. No caminho de volta, ele percebeu que a situação da despensa da cabana era crítica —praticamente um deserto alimentar. Sem pensar duas vezes, parou no pequeno mercadinho da cidade mais próxima e comprou algumas coisas essenciais: ovos, pão, leite e, claro, café, porque lidar com Cássia sem café poderia ser um risco à sua própria sanidade. Quando chegou, colocou as sacolas sobre a mesa e começou a guardar os mantimentos, mas logo ouviu um barulho vindo do corredor. — Bom dia! — A voz preguiçosa de Cássia ecoou pelo ambiente enquanto ela bocejava e alongava os braços. — Onde você estav
O entardecer trouxe consigo nuvens pesadas e carregadas. Charles, atento como sempre, percebeu que um temporal se aproximava e resolveu verificar se tudo estava em ordem do lado de fora. O vento começava a sacudir as árvores e um cheiro de terra molhada tomava conta do ar. Ele olhou para o céu escuro e decidiu que era melhor voltar para dentro antes que a tempestade começasse de vez. Assim que entrou, as primeiras gotas de chuva começaram a cair, seguidas de trovões distantes. O ambiente estava silencioso, apenas o som da chuva batendo no telhado preenchia o espaço. Charles pegou o celular e tentou ligar para Henrique, esperando receber novas instruções. Nada. Ele tentou novamente. Ainda nada. Com um suspiro frustrado, ele tentou o telefone do escritório. Nenhuma resposta. Cássia, que estava deitada no sofá folheando uma revista sem muito interesse, percebeu sua expressão preocupada e arqueou a sobrancelha. — O que houve? Não conseguiu falar com Henrique? Charles balançou a cabeç
A chuva caía forte quando Henrique apareceu na porta da cabana. Seu terno estava impecável, mesmo com o temporal castigando lá fora. Ele parecia determinado, mas Charles não se impressionou. Cruzou os braços e, sem rodeios, perguntou com seriedade: — Por que está aqui?Henrique o ignorou por um momento e olhou diretamente para Cássia. — Eu vim ver minha mulher. Charles estreitou os olhos. — Mas, senhor... Henrique ergueu a mão, cortando qualquer protesto. — Se acalme, Charles. Eu só preciso conversar com minha esposa. Cássia ficou parada, olhando para ele como se estivesse diante de um alienígena. Eles estavam casados há cinco anos, mas, durante esse tempo, pareciam dois estranhos. Henrique nunca fora do tipo carinhoso, e agora estava ali, na chuva, agindo como um marido preocupado. Algo estava errado. E ficou ainda mais estranho quando Henrique se aproximou dela, deslizou a mão pelo seu rosto e perguntou com um tom de voz quase... suave: — Como você está, querida? Cássia arr
Cássia sorriu de lado, cruzando os braços enquanto o observava. Ele estava ali, tão concentrado, tão sério, como se cozinhar fosse uma missão de vida ou morte.Ah, mas ela sabia que tinha mexido com ele. Sabia que aquele beijo mais cedo não tinha sido coisa só dela. E se Charles queria fingir que nada aconteceu… bem, ela não iria facilitar. Cássia sorriu maliciosamente. Ah, então ele queria bancar o indiferente? Pois bem, ela poderia jogar esse jogo. — O que temos para o jantar, chef Lamartine? — perguntou, deslizando as mãos pelo balcão e inclinando-se ligeiramente para espiar a panela, sem disfarçar a proximidade entre os dois. Charles, que já estava tenso, sentiu cada terminação nervosa do seu corpo acender como fogos de artifício. Mas ele era um profissional. Um homem disciplinado. E definitivamente não iria ceder tão fácil. Ele pigarreou, manteve os olhos fixos na comida e respondeu em um tom firme: — Sopa. Simples e eficiente. Agora, se puder dar um passo para trás… você pod
Cássia suspirou enquanto pegava os pratos e os colocava sobre a mesa. Talvez estivesse exagerando nas provocações. Charles não era um cara que entrava fácil no jogo, e claramente, ele não estava achando tanta graça assim. Ele virou-se para pegar a panela de sopa, sua expressão séria como sempre, e começou a servir os pratos sem sequer olhar para ela. Cássia mordeu o lábio, tentando pensar em uma forma de amenizar o clima. — Desculpa se te aborreci. — Ela quebrou o silêncio, apoiando o cotovelo na mesa e olhando para ele com um sorriso meio sem jeito. — Fiquei nervosa com a visita surpresa do Henrique e… bem, tentei descontrair. Acho que passei um pouquinho do limite. Charles continuou em silêncio por alguns segundos, pegou sua colher e começou a beber a sopa como se ela não tivesse falado nada. Cássia arqueou as sobrancelhas. — Uau. Tudo isso é ranço de mim ou você é sempre assim, feito um agente secreto sem emoções? Ele não respondeu. Só continuou comendo, como se estivesse em