DE VOLTA AO INÍCIO...
A viagem foi longa. Tão longa que, em algum momento, entre o silêncio desconfortável e as árvores passando pela janela, Cássia simplesmente apagou. Encostada no vidro do carro, dormiu profundamente, alheia ao fato de que seu destino era uma casa isolada no meio do nada.
Quando Charles finalmente estacionou atrás da casa, já era de madrugada. O lugar era cercado por árvores gigantescas, e a única iluminação vinha da lua filtrando-se entre as folhas. Ele suspirou ao olhar para o banco do passageiro. Cássia continuava desmaiada.
— Ótimo!
Com um pouco de relutância, saiu do carro e começou a retirar as malas. Mas, ao notar que ela sequer se mexia, decidiu que seria melhor acordá-la antes que precisasse carregá-la casa adentro.
— Cássia — chamou, com sua voz firme.
Nada.
— Cássia, chegamos.
Ela resmungou alguma coisa ininteligível e afundou ainda mais no banco.
Charles revirou os olhos e se inclinou, tocando-lhe o ombro.
— Se não acordar, vou ter que te carregar.
Os olhos dela se abriram instantaneamente.
— Nem pense nisso — murmurou, ainda meio grogue.
Com um pequeno sorriso satisfeito, Charles se afastou e esperou enquanto ela finalmente se ajeitava.
Assim que entrou na casa, Cássia piscou algumas vezes, tentando absorver o ambiente.
A fachada do lugar era um tanto desgastada, mas por dentro… Bem, até que era bem aconchegante. A sala tinha um sofá de canto confortável, uma TV e uma estante cheia de livros. O chão era de madeira, e havia um tapete macio no centro, deixando tudo com um ar acolhedor.
Cássia largou sua bolsa no sofá e olhou ao redor, analisando o espaço.
— Não é de todo ruim… — comentou, mais para si mesma.
Depois de alguns segundos, virou-se para Charles e cruzou os braços.
— Ok, momento importante. Eu estou morrendo de fome. Você sabe cozinhar?
Charles, ainda com aquele ar de seriedade inabalável, a olhou de cima a baixo antes de responder:
— Só há um banheiro na casa. Tome um banho e troque de roupa enquanto eu preparo algo para comer.
Cássia arqueou uma sobrancelha.
— O quê?
— Você dormiu no carro a viagem toda. Vai se sentir melhor depois de um banho.
Ela bufou e revirou os olhos.
— Eu sei me cuidar, senhor Charles, não preciso que me diga o que fazer.
— Ótimo. Então faça.
A boca de Cássia se abriu, pronta para soltar uma resposta afiada, mas ela simplesmente desistiu. Estava cansada demais para discutir com um armário humano inflexível. Então, pegou sua bolsa e saiu à procura do quarto. Ao encontrá-lo, abriu a porta e entrou, jogando sua sacola sobre o colchão. Ainda emburrada, começou a revirar suas coisas à procura de algo confortável para vestir.
— Se aquele homem pensa que pode dar ordens em mim…
Mas, enquanto tirava as roupas da sacola, um pensamento lhe veio à mente.
Se Charles realmente sabe cozinhar… bom, talvez essa convivência não seja tão ruim assim. Talvez.
Depois de um banho quente e relaxante, Cássia desceu as escadas sentindo-se renovada. Mas foi quando o aroma delicioso invadiu suas narinas que ela realmente despertou.
— Meu Deus… isso cheira bem demais! — murmurou para si mesma, acelerando o passo até a cozinha.
Ao chegar, encontrou Charles já finalizando o jantar, colocando a comida nos pratos com uma precisão quase militar.
— Uau — disse ela, cruzando os braços e analisando a cena. — Eu esperava um miojo malfeito ou um sanduíche improvisado, mas isso aqui parece coisa de restaurante.
Charles lançou um olhar breve para ela antes de responder, impassível:
— Com o que tinha no armário, isso foi tudo que deu para fazer.
Cássia olhou para a comida: arroz soltinho, um refogado bem temperado e frango grelhado no ponto perfeito.
Ela ergueu uma sobrancelha e sorriu, divertida.
— Se isso é "o que deu para fazer", eu realmente quero saber como é quando você se esforça.
Charles deu de ombros, pegando os talheres e colocando-os na mesa.
— Você estava com fome, então… sente-se e coma.
O tom autoritário dele fez Cássia revirar os olhos, mas ela puxou a cadeira mesmo assim, resmungando enquanto se sentava:
— Sabe, você tem esse jeitão todo durão, mas, no fundo, gosta de dar ordens só para se sentir poderoso.
Ele apoiou os antebraços sobre a mesa e a encarou com aquele olhar penetrante.
— Ou talvez eu apenas queira evitar que você desmaie de fome e me dê mais trabalho.
Ela soltou uma risadinha.
— E eu achando que estava começando a gostar de você.
Charles sorriu de canto, pegando seu próprio prato.
— Pois é… acontece muito.
Cássia revirou os olhos novamente, mas não conseguiu segurar um sorriso.
— Isso foi um sorriso. Ai, meu Deus! Ele sabe sorri.
O sol mal havia começado a se levantar no horizonte quando Charles já estava de pé. Depois de se alongar rapidamente, ele saiu para correr pelos arredores da cabana, mantendo seu ritmo impecável, como um verdadeiro profissional. O ar fresco da manhã e o som das folhas farfalhando ao vento eram seus únicos companheiros, já que Cássia, sua protegida, dormia profundamente sem a menor preocupação no mundo. No caminho de volta, ele percebeu que a situação da despensa da cabana era crítica —praticamente um deserto alimentar. Sem pensar duas vezes, parou no pequeno mercadinho da cidade mais próxima e comprou algumas coisas essenciais: ovos, pão, leite e, claro, café, porque lidar com Cássia sem café poderia ser um risco à sua própria sanidade. Quando chegou, colocou as sacolas sobre a mesa e começou a guardar os mantimentos, mas logo ouviu um barulho vindo do corredor. — Bom dia! — A voz preguiçosa de Cássia ecoou pelo ambiente enquanto ela bocejava e alongava os braços. — Onde você estav
O entardecer trouxe consigo nuvens pesadas e carregadas. Charles, atento como sempre, percebeu que um temporal se aproximava e resolveu verificar se tudo estava em ordem do lado de fora. O vento começava a sacudir as árvores e um cheiro de terra molhada tomava conta do ar. Ele olhou para o céu escuro e decidiu que era melhor voltar para dentro antes que a tempestade começasse de vez. Assim que entrou, as primeiras gotas de chuva começaram a cair, seguidas de trovões distantes. O ambiente estava silencioso, apenas o som da chuva batendo no telhado preenchia o espaço. Charles pegou o celular e tentou ligar para Henrique, esperando receber novas instruções. Nada. Ele tentou novamente. Ainda nada. Com um suspiro frustrado, ele tentou o telefone do escritório. Nenhuma resposta. Cássia, que estava deitada no sofá folheando uma revista sem muito interesse, percebeu sua expressão preocupada e arqueou a sobrancelha. — O que houve? Não conseguiu falar com Henrique? Charles balançou a cabeç
A chuva caía forte quando Henrique apareceu na porta da cabana. Seu terno estava impecável, mesmo com o temporal castigando lá fora. Ele parecia determinado, mas Charles não se impressionou. Cruzou os braços e, sem rodeios, perguntou com seriedade: — Por que está aqui?Henrique o ignorou por um momento e olhou diretamente para Cássia. — Eu vim ver minha mulher. Charles estreitou os olhos. — Mas, senhor... Henrique ergueu a mão, cortando qualquer protesto. — Se acalme, Charles. Eu só preciso conversar com minha esposa. Cássia ficou parada, olhando para ele como se estivesse diante de um alienígena. Eles estavam casados há cinco anos, mas, durante esse tempo, pareciam dois estranhos. Henrique nunca fora do tipo carinhoso, e agora estava ali, na chuva, agindo como um marido preocupado. Algo estava errado. E ficou ainda mais estranho quando Henrique se aproximou dela, deslizou a mão pelo seu rosto e perguntou com um tom de voz quase... suave: — Como você está, querida? Cássia arr
Cássia sorriu de lado, cruzando os braços enquanto o observava. Ele estava ali, tão concentrado, tão sério, como se cozinhar fosse uma missão de vida ou morte.Ah, mas ela sabia que tinha mexido com ele. Sabia que aquele beijo mais cedo não tinha sido coisa só dela. E se Charles queria fingir que nada aconteceu… bem, ela não iria facilitar. Cássia sorriu maliciosamente. Ah, então ele queria bancar o indiferente? Pois bem, ela poderia jogar esse jogo. — O que temos para o jantar, chef Lamartine? — perguntou, deslizando as mãos pelo balcão e inclinando-se ligeiramente para espiar a panela, sem disfarçar a proximidade entre os dois. Charles, que já estava tenso, sentiu cada terminação nervosa do seu corpo acender como fogos de artifício. Mas ele era um profissional. Um homem disciplinado. E definitivamente não iria ceder tão fácil. Ele pigarreou, manteve os olhos fixos na comida e respondeu em um tom firme: — Sopa. Simples e eficiente. Agora, se puder dar um passo para trás… você pod
Cássia suspirou enquanto pegava os pratos e os colocava sobre a mesa. Talvez estivesse exagerando nas provocações. Charles não era um cara que entrava fácil no jogo, e claramente, ele não estava achando tanta graça assim. Ele virou-se para pegar a panela de sopa, sua expressão séria como sempre, e começou a servir os pratos sem sequer olhar para ela. Cássia mordeu o lábio, tentando pensar em uma forma de amenizar o clima. — Desculpa se te aborreci. — Ela quebrou o silêncio, apoiando o cotovelo na mesa e olhando para ele com um sorriso meio sem jeito. — Fiquei nervosa com a visita surpresa do Henrique e… bem, tentei descontrair. Acho que passei um pouquinho do limite. Charles continuou em silêncio por alguns segundos, pegou sua colher e começou a beber a sopa como se ela não tivesse falado nada. Cássia arqueou as sobrancelhas. — Uau. Tudo isso é ranço de mim ou você é sempre assim, feito um agente secreto sem emoções? Ele não respondeu. Só continuou comendo, como se estivesse em
Depois do jantar, Cássia lançou um olhar furtivo para Charles, ponderando se deveria provocá-lo mais um pouco. Mas antes que pudesse bolar um plano genial para tirá-lo do sério, sentiu o celular vibrar no bolso. "Ah, salvou-se por pouco, senhor guarda-costas de gelo," pensou, rindo para si. Ela se levantou da mesa com um alongamento exagerado, só para ver se Charles reagia de alguma forma. Nada. Nem um desvio de olhar. O homem era um verdadeiro robô de terno. — Bom, vou para a sala. Não se divirta muito lavando a louça. Charles apenas ergueu uma sobrancelha, sem interromper o trabalho meticuloso de enxaguar os pratos. — Não se preocupe, Cássia. Eu me contenho. Ela revirou os olhos e seguiu para a sala, afundando-se no sofá com um suspiro. Pegou o celular e viu que era uma mensagem da sua melhor amiga, Molie. "Amiga, você está viva? Porque se não responder, vou supor que foi sequestrada pelo seu guarda-costas gostoso e agora está vivendo um romance proibido no meio da floresta."
Cássia entrou no quarto e fechou a porta atrás de si com um suspiro pesado, encostando-se contra a madeira como se precisasse de apoio para não desmoronar. Seu coração ainda batia forte, suas bochechas estavam em chamas, e todo o seu corpo parecia ter sido eletrificado pelo pequeno embate com Charles. — Ai, meu Deus… — murmurou para si, passando as mãos pelo rosto. Era oficial: ela estava completamente ferrada. Porque uma coisa era admitir para sua amiga, entre risinhos e emojis sugestivos, que Charles era um colírio para os olhos. Outra coisa completamente diferente era sentir, na pele, o efeito que ele tinha sobre ela. E o pior? Ela tinha certeza de que ele sentia o mesmo. O jeito que ele ficou rígido quando ela encostou nele na cozinha. O olhar que ele lançou para ela quando leu a mensagem. O maldito sorrisinho torto, cheio de provocação. Ah, ele sabia. Ele sabia exatamente o que estava acontecendo. Cássia fechou os olhos e balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos in
Cássia tocou no peitoral de Charles com as pontas dos dedos, ela sentiu o peito dele estremecer. O toque de Cássia era leve, hesitante, mas carregado de um perigo silencioso. Charles sentiu. Seu peito tremeu sob os dedos dela, um reflexo traidor de tudo o que ele estava se obrigando a ignorar. O banheiro, já abafado pelo vapor quente, parecia agora uma câmara de tortura. A umidade no ar misturava-se ao calor crescente entre os dois, tornando a atmosfera insuportável. Charles prendeu a respiração. — Se ao menos o problema fosse só o calor... pensou ele. Mas não era. Ele ouvia a respiração acelerada de Cássia, captava o cheiro suave de sabonete misturado ao perfume natural da pele dela. O corpo pequeno e delicado tão próximo ao seu o fazia perder completamente o foco. Ela estava perto demais. E Charles, por Deus, ele lutava contra cada impulso de agarrá-la e beijá-la ali mesmo. Mas ele não podia. Ele sabia que não podia. Ele era um profissional. E estava ali para protegê-la,