A Lua dos Antigos brilhava cheia e majestosa no céu, banhando o Vale da Harmonia com sua luz prateada. Era mais do que um fenômeno celeste; era um símbolo de poder e reverência.
Havia tempos em que essa mesma lua transformava os primeiros lykor, despertando seu lado selvagem e os tornando escravos da fúria. Sob a luz dela, eles perdiam a razão, consumidos pela sede de sangue e pela força incontrolável. Mas, com os séculos, a evolução trouxe equilíbrio. Os lykor aprenderam a dominar suas transformações, e a lua cheia deixou de ser apenas uma fonte de temor, tornando-se a chave de sua força.
Agora, em noites como esta, sua luz intensificava não apenas seus sentidos e habilidades, mas também o vínculo espiritual com sua essência lupina. Althea podia sentir o poder pulsando sob sua pele, mesmo em sua forma humana, como se a energia da lua a chamasse para algo maior, algo que ela ainda não compreendia completamente. A jovem era herdeira do clã Lykir, conhecidos por sua forte ligação com os ventos e pela capacidade de correr mais rápido que qualquer outro lobo.
Aquele era um local sagrado, onde as tribos se reuniam uma vez a cada geração, nas semanas que antecediam o eclipse lunar, para renovarem seus votos com a deusa Arktas. As chamas das tochas tremulavam ao ritmo da leve brisa noturna, lançando sombras dançantes sobre os rostos devotos reunidos ao redor do grande círculo de pedra.
Althea segurava com força o pequeno medalhão em forma de lobo que pendia em seu pescoço, quando viu uma figura atravessar o círculo de pedra — um homem alto, coberto por uma capa de pele que escondia seu rosto — e prontamente, algo dentro dela despertou. O mesmo algo que ela passara anos tentando enterrar. Seu peito apertou e, por um instante, ela sentiu como se o ar tivesse sumido. Ele estava ali. Eryon.
Ele se movia com o mesmo porte imponente de antes e quando seu rosto finalmente se revelou, Althea pode perceber que o tempo havia deixado nele suas marcas, provas das batalhas que enfrentara desde a última vez que se viram.
“Por que você voltou?”, pensou, sentindo uma mistura de raiva e anseio crescer dentro dela.
E logo os olhos de Eryon — cheios de intensidade — encontraram os de Althea, com aquele mesmo brilho cor de mel, que tantas vezes acendeu seus desejos mais íntimos. Ela desviou o olhar, sentindo suas defesas ruírem. E imediatamente reuniu forças para não deixar transparecer o quanto estava impactada. Resolveu que só se permitiria sentir raiva dele.
A cerimônia prosseguiu e a presença de Eryon destoava, até que Althea o perdeu de vista. Ele não fazia parte de nenhum dos clãs reunidos ali e, portanto, não tinha um lugar definido no círculo. Há anos, ele havia se exilado, como quem carrega um segredo daqueles capazes de envolver alguém numa rede de conjecturas e elucubrações até consumir todos que ama. Seu retorno era um enigma.
Sarya, a mais antiga sacerdotisa do Vale da Harmonia, ergueu um artefato sagrado e anunciou em voz alta:
— O eclipse está próximo, e com ele vem o cumprimento da Profecia dos Antigos. Uma união entre luz e trevas decidirá o destino de nosso mundo.
Murmúrios se espalharam pela multidão. Todos conheciam a profecia — falava de dois seres destinados a guiar os lykor em tempos de crise. Um seria marcado pela luz da lua; o outro, pelas sombras do desconhecido. Althea tentou afastar o pensamento que insistia em ligá-la às palavras da sacerdotisa. Ela não queria ser definida por um destino alheio. Seus passos, suas escolhas — tudo era dela. Mas o retorno de Eryon, depois de dez anos, abalara suas certezas de uma forma que ela ainda nem conseguia mensurar.
Assim que a cerimônia terminou, ele apareceu ao lado dela.
— Althea. — Sua voz era grave, mas havia algo de suave nela, como se proferisse um pedido de desculpas velado.
— Você não deveria estar aqui — ela respondeu, forçando um tom gélido. Seus olhos, muito mais belos do que a ridícula memória de Eryon podia lembrar, o encararam como duas tempestades prestes a desabar.
— Não consegui me manter longe. Algo está para acontecer. Você sente isso tanto quanto eu.
— Se é sobre a profecia, esqueça. Eu não sou obrigada a acreditar que eu tenha qualquer relação com isso.
Eryon sorriu de leve, mas havia dor no gesto.
— Está na hora de ouvirmos o vento, Althea. É por isso que estou aqui.
— Então, depois te tanto tempo, a velha profecia te fez voltar? — Ela não foi capaz de esconder o rancor em suas palavras.
— Você sabe o que me fez voltar, Althea. A única coisa da qual não posso fugir, da qual nós dois não podemos fugir. — Ele enfatizou as últimas palavras, fixando seus olhos de pôr-do-sol nos tentadores lábios de Althea. — Quero provar que posso escolher. E minha escolha é você.
Seu coração acelerou, lembrando o quanto ele podia ser direto e objetivo, quando decidia expressar claramente os seus anseios. No entanto, Althea se recusava a ceder. Tudo que Eryon havia feito no passado — a partida sem explicação, os segredos, a maneira como ele desapareceu no momento em que ela mais precisava — ainda a assombrava.
— Você não pode simplesmente voltar e esperar que eu aceite e acredite em tudo que diz. Existe muita coisa em jogo, agora. Muito mais do que antes.
— Eu sei. Por isso estou aqui...
Antes que Eryon pudesse continuar, um som torpe cortou a noite, ecoando por todo o vale. Os guardiões do círculo correram para proteger as sacerdotisas, e a multidão se agitou. Uma figura encapuzada, envolta por uma aura negra, surgiu no centro do círculo e ar ficou denso, preenchido do aroma característico de magia proibida, e anunciou:
— A escolha de vocês já foi feita. E o eclipse trará o fim de todos os reinos. — E ao erguer suas mãos, uma explosão de luz negra rasgou o céu.
Eryon puxou Althea para trás de uma rocha, e olhando-a com toda verdade e firmeza, falou:
— Eu sei que você não confia em mim, mas precisamos lutar juntos.
Althea encarou aqueles olhos intensos por um breve momento. No passado, ela acreditou cegamente nele. Agora, não podia ignorar a desconfiança que cresceu dentro dela. Mas a verdade era que, neste momento, lutar ao lado dele era a única escolha que fazia sentido.
— Tudo bem. Mas depois disso, você me contará a verdade. Toda ela.
Eryon assentiu, e juntos se prepararam para enfrentar a figura que trazia consigo o medo e as trevas do passado e o presságio de um futuro incerto.
O círculo de pedra estava em caos. A figura encapuzada invocava criaturas grotescas das sombras, seres retorcidos que pareciam vibrar entre o mundo real e o espiritual. Uivos de lykor ecoavam pelo vale enquanto os guardiões se preparavam para o combate.Eryon correu em direção aos invasores, empunhando seu par de lâminas curvas. Althea o seguiu, sentindo sua transformação começar. Em segundos, ela era uma grande loba em sua forma completa. Suas patas tocavam o chão com firmeza, os sentidos aguçados captando cada som e cheiro ao seu redor. Ela sentia o sangue correr quente em suas veias, a força de gerações de lykor fluindo por seu corpo.Com as lâminas em suas mãos cortando a escuridão como se fossem extensões de sua vontade, Eryon avançou contra as criaturas. Ao seu lado, Althea investiu, seus dentes reluzindo sob a luz da Lua dos Antigos enquanto rasgava a primeira criatura. Elas não eram feitas de carne, mas de pura sombra, dissipando-se ao contato com o aço ou a mordida feroz de u
— Ainda discutindo, Lykir? — Disse Kael, acomodando todo aquele volume viril na calça que acabara de vestir, com um sorriso malicioso para Althéa e, em seguida, um olhar de desdém para Eryon.O líder dos Varkos tinha uma figura imponente, o corpo esculpido por músculos e decorado com tatuagens vermelhas, como seus olhos. Seus cabelos longos eram de um tom bordô, assim como sua barba cheia e curta, que emoldurava suas feições angulares. Era extremamente atraente e muito consciente do efeito que sua aparência causava. — Não temos tempo para seus dramas pessoais. O eclipse está chegando, e a profecia está se desenrolando mais rápido do que pensávamos. — Kael alfinetou.Althea respirou fundo, colocando de lado suas emoções.— O que descobriu?O Varkos afastou qualquer tom jocoso de sua voz, antes de se pronunciar.— Eirlys não pode estar agindo sozinha. Há algo... ou alguém... que a controla. Precisamos descobrir quem ou o quê.Lobos de outros clãs se juntaram a eles e enquanto discutiam
Em uma noite, há quase trinta anos, a Lua dos Antigos estava alta no céu, envolta em uma majestade prateada, e seus raios dançavam sobre o Espelho da Lua. O eclipse lunar começara transformando o céu em uma pintura sombria e sagrada, e os lykor observavam, em silêncio, o ritual aguardado por toda uma geração. O ar estava denso, carregado de uma energia antiga que pulsava ao mesmo tempo como uma promessa e um presságio de tempos decisivos.Afastada da multidão, em uma clareira protegida pelos carvalhos ancestrais, Lyanna, líder do clã Lykir, enfrentava o momento mais doloroso e sagrado de sua vida. Sobre uma manta de linho bordada com o símbolo da Lua dos Antigos, as contrações se intensificavam, em correntes que traziam a vida e, ao mesmo tempo, arrancavam suas forças. Seus lábios, apertados, mal deixavam escapar um som, mas o suor que escorria por seu rosto denunciava o esforço e o sofrimento. Ela segurava a terra úmida com força, buscando naquele contato um pouco da firmeza que come
Althea e Eryon foram puxados daquela visão no Templo de Veyara. Após emergirem do lago, nadaram até a margem do Espelho da Lua, impulsionando seus corpos exaustos para fora da água. Quando finalmente alcançaram a terra firme, caíram deitados, lado a lado, o peito arfando enquanto tentavam recuperar o fôlego.— Vocês estão malucos? — A voz de Kael irrompeu pelo silêncio da noite, carregada com a familiar mistura de preocupação e sarcasmo. — Teve lobo que mergulhou aí sozinho e nunca voltou, quanto mais duas pessoas tocarem essas águas ao mesmo tempo! Já estava encomendando as lápides de vocês com a frase: "Kael avisou"!Kael jogou a capa sobre os ombros e afastou-se, jogando as mãos para o alto, murmurando algo.Ainda deitados, de barriga para baixo, Althea e Eryon não se moveram. As respirações ofegantes formavam uma sincronia natural, como se seus corpos entendessem algo que suas mentes ainda precisavam alcançar. A Lykir se virou, ficando com o corpo de lado, a cabeça apoiada no braç
Enquanto Eryon beijava sua mão, a brisa fresca da noite carregou um odor metálico e denso que imediatamente fez Althea ficar alerta. Os pelos em sua nuca eriçaram-se antes mesmo de qualquer som se manifestar.Antes de Kael começar a resmungar, ela se virou para as árvores atrás dela. O silêncio repentino era inquietante, como se a própria natureza tivesse parado para avisá-los de que algo estava errado e o cavalo de Eryon relinchou em pânico, fugindo pelo mesmo caminho que acabara de percorrer.— Você também sentiu? — Eryon perguntou, já em movimento, as lâminas curvas reluzindo em suas mãos.Althea não respondeu com palavras. Despiu-se rapidamente e transformou-se, o calor da mudança atravessando seu corpo com a intensidade de sempre. Suas garras tocaram o chão, o olhar prateado atento a cada movimento na escuridão. Sua loba não precisava de mais confirmações: o perigo estava ali.Eryon a seguiu, girando o corpo para cobrir os pontos cegos de Althea. Kael retornava do lado oposto da
A trilha sinuosa que levava ao território Varkos era marcada por penhascos íngremes e florestas densas, pelas quais os ventos não passavam com facilidade. Cada passo parecia mais pesado, não pela dificuldade do terreno, mas pelo silêncio que pairava entre o grupo. Kamar e Sakyr mantinham-se à retaguarda, atentos a cada som, enquanto Kael liderava.Althea, ainda sentindo o peso da separação, manteve-se calada durante a jornada que já durava três dias, alternando entre suas formas lupina e humana. Mesmo sem olhar diretamente para ela, Kael quebrou o silêncio com seu tom provocador habitual, embora houvesse um toque de suavidade em suas palavras.— Você sempre foi tão quieta, Lykir? Ou é o ar daqui que sufoca o seu espírito?Althea ergueu o olhar para ele, o cenho franzido.— Não estou de humor para suas gracinhas, Kael.Ele riu baixo, um som rouco e natural.— Bom, se quer permanecer envolta nesse manto de melancolia, tudo bem. Mas vou avisar: o território Varkos não é gentil com quem c
A pequena gruta revelou-se uma visão fascinante: uma piscina natural de água cristalina, refletindo as luzes suaves dos cristais que adornavam as paredes. O cheiro das ervas misturava-se ao vapor que subia da água, criando uma atmosfera ao mesmo tempo relaxante e revigorante.— Banhos medicinais — explicou Kael, indicando a piscina. — As ervas aquecem o corpo e aliviam a mente. É o remédio perfeito para um coração pesado.Althea olhou para a piscina e depois para ele, surpresa.— Não sabia que os Varkos eram tão... sofisticados.— Há muito que você não sabe sobre nós, Lykir. Entre na água e talvez aprenda algo.Ela hesitou, mas o calor tentador da água era irresistível. Depois de tanto tempo carregando tensões nos ombros, sentiu o desejo de ceder por um momento. Primeiro, mergulhou os pés na água, apreciando o calor agradável que parecia envolver sua pele, e, em seguida, deixou-se afundar até os ombros, sentindo a resistência do líquido dar espaço a uma sensação de leveza.Kael entrou
A entrada para a floresta de Nyrathas era marcada por árvores altas e retorcidas, cujos galhos se entrelaçavam, formando um dossel tão denso que quase não deixava a luz atravessar. O ar ali era diferente, carregado de um frescor úmido e ao mesmo tempo pesado, como se cada respiração exigisse esforço.Eryon parou na beira da trilha, seus olhos absorvendo o máximo de informações sobre o terreno à sua frente, embora dentro dele algo gritasse que nada o prepararia para o que enfrentariam ali. Ele apertou as lâminas curvas em suas mãos, sentindo o segurança do peso do metal, um lembrete do que era real e palpável. Eyle e Lukon estavam logo atrás, o silêncio entre eles mais carregado do que o próprio ar da floresta.— Esse lugar... — começou Lukon, sua voz quebrando o silêncio. — É como se estivesse vivo.— Porque está — respondeu Eyle, seu tom mais pragmático. — Nunca estive aqui, mas reza a lenda que Nyrathas não é como as outras. Ela não é apenas uma floresta, é algo que sente, observa..