Althea sentiu o chão se dissolver sob seus pés. A escuridão densa e opressora envolveu tudo ao seu redor, até que um súbito impacto a lançou contra o solo úmido. O ar estava pesado, impregnado com o cheiro de terra antiga e musgo, e quando abriu os olhos, viu-se rodeada por árvores colossais. As folhas sussurravam segredos em um idioma que sua alma quase compreendia. Estava em Nyrathas. A floresta parecia viva. O vento se movia entre os galhos como dedos invisíveis acariciando a pele, e a energia ao redor vibrava em um fluxo quase palpável. Althea sentiu cada batida de seu coração ressoar no ambiente, como se a própria Nyrathas estivesse provando sua presença. Um arrepio percorreu sua espinha. Não era apenas uma floresta. Era algo mais. Algo que via. Algo que sentia.Próxima a ela, Miralen cambaleou, respirando com dificuldade. Seu corpo tremia, os dedos se contraindo como se mal pudesse controlá-los. A viagem entre as sombras cobrara um preço alto. A bruxa estava exaurida, uma fina c
O silêncio da caverna foi quebrado pelo som de passos. Miralen surgiu da escuridão, trazendo consigo um prato de comida. Seu olhar se afilou ao ver que Althea não havia tocado na refeição da noite anterior.— Que desperdício — ela disse, a voz carregada de irritação. — Você sabe que seus filhotes precisam se alimentar.Althea ergueu o olhar, firme, e respondeu com serenidade calculada:— Meu espírito não pode suportar os grilhões. Estar presa me enfraquece. Como você espera que eu me alimente com essas correntes pesando em meus punhos?Ela disse isso com naturalidade, sua mente trabalhando rápido. Se conseguisse sair daquela masmorra improvisada, teria melhores chances de fuga ou de ser resgatada por Eryon. Miralen, no entanto, riu com escárnio.— Você fala como se fosse uma princesa de Kalyndor — zombou, cruzando os braços. — Mas não passa de uma cadela sarnenta. Seu único valor está no bem-estar dos bebês.A raiva subiu quente dentro de Althea. Com um movimento brusco, ela chutou o
A casa de pedra parecia ainda mais sufocante para Althea, agora que o choque inicial começava a ceder, dando lugar à dor crua da realidade. As chamas da lareira tremeluziam, projetando sombras alongadas nas paredes ásperas, enquanto um cheiro levemente adocicado de ervas queimadas se misturava ao aroma da refeição intocada sobre a mesa. O silêncio denso apenas realçava a fragilidade dos pais de Eryon, que continuavam suas tarefas como se não houvesse mais nada além do dever cego de servir.As lágrimas correram pelo rosto de Althea sem que ela percebesse. O peito doía. A visão de duas pessoas reduzidas a meros cascos vazios, era insuportável. Como Eryon suportaria ver os próprios pais assim? Será que esse estado de torpor poderia ser revertido?Miralen, observando seu sofrimento, soltou uma risada baixa e maldosa.— Que cena patética — murmurou, apoiando-se casualmente na mesa. — Lágrimas por dois velhos que já não servem para nada? Você é mais fraca do que eu imaginava.Althea levanto
A névoa prateada do sonho se dissipava lentamente, dando forma à silhueta imponente de Nykros. Seu olhar, profundo como um abismo estrelado, fixou-se em Althea com ternura e gravidade. Ela não hesitou.— Nykolos e Lyra... Eles precisam de ajuda — disse, sua voz embargada. — Miralen os mantém sob seu domínio. Eu vi o que ela fez com eles. Como posso libertá-los? Como posso impedi-la?Nykros a observou por um momento, seu olhar intenso parecendo atravessá-la, mas não respondeu de imediato. Althea respirou fundo, sentindo a frustração borbulhar dentro de si, mas tentou manter o respeito em sua voz.— Sei que há coisas que ainda não posso compreender, mas tenho muitas perguntas sem respostas. Eu preciso saber mais. Não posso caminhar às cegas. Não quando tantas vidas dependem disso.Ele continuou a encará-la, silencioso, como se pesasse suas palavras, antes de finalmente falar.— Você caminha entre luz e sombras, pequenina. E como toda chama que cresce, precisará de tempo para ver além da
A noite pairava densa sobre os arredores de Nyrathas, e a névoa sinuosa rastejava entre as árvores retorcidas como serpentes de fumaça. Os seis guerreiros se mantinham ocultos entre as sombras, seus olhos atentos ao ambiente carregado de energia antiga. A floresta parecia respirar, e cada som amplificado ecoava na escuridão.Eryon mantinha-se à frente do grupo, seus olhos fixos na imensidão escura que se estendia diante deles. A sensação inquietante em seu peito crescia a cada segundo.Kael, que estava mais atrás, soltou um suspiro impaciente. Seu corpo parecia vibrar de ansiedade, cada fibra sua tensa, pronta para a batalha. Ele não queria apenas resgatar Althea—ele ainda queria arrancá-la dos braços de Eryon.— E o que estamos esperando? — Kael perguntou, a irritação evidente em seu tom.— Assim que cruzarmos essa fronteira, Miralen saberá. — Sua voz era baixa, mas carregada de certeza. — A magia dessa floresta amplifica tudo... nossas presenças, nossas intenções. Ela vai sentir.—
O quarto que Miralen reservou para Althea era frio e austero. A coruja sinistra continuava vigiando-a de seu poleiro, e a corrente dourada no pulso de Althea brilhava, lembrando-a de que estava longe de ser livre.Determinada, Althea sabia que Miralen jamais deixaria a Pedra de Nythar ao seu alcance, mas precisava tentar algo. Seus olhos recaíram sobre a ave, que a observava incansavelmente. Miralen poderia estar ocupada, mas aquele animal certamente sinalizaria qualquer deslize.Ela respirou fundo e fechou os olhos, focando-se na corrente dourada que a ligava à bruxa. A magia pulsava, mas Althea sentiu pequenas variações na energia— brechas quase imperceptíveis. Se conseguisse manipulá-las, talvez conseguisse estender seu alcance além do quarto.Althea levou a mão ao medalhão que repousava contra seu peito. A herança de seu pai sempre a conectara à magia da lua, e já provara ter poderes ocultos. Fechando os olhos, concentrou-se na energia do artefato, tentando canalizá-la sem alertar
Atravessando a floresta densa, Eryon sentiu o frio se intensificar ao se aproximar da casa de pedra. Seu peito se apertou com uma sensação incômoda. Durante todo o caminho, ele sentiu Althea próxima, como se sua presença estivesse gravada em seu próprio sangue. Mas agora... algo estava errado. Era como se ela tivesse sido arrancada do tecido da realidade, um vazio súbito e opressor tomando o lugar onde antes sua energia vibrava.Ele inspirou fundo, tentando estender sua percepção, buscar qualquer resquício dela. Mas tudo o que encontrou foi silêncio. Um silêncio frio, sufocante. Seu coração martelou em desespero, a certeza de que ela estava cada vez mais longe se cravando em sua alma. Seu instinto rugia em alerta, como se o elo entre eles tivesse sido esticado ao ponto de quase se romper.Ao lado dele, Kaydara franziu a testa, parando abruptamente. Ela ergueu uma das mãos e desenhou círculos no ar, como se tentasse captar vestígios invisíveis ao olhar comum.— Houve uma viagem recente
Parada à sua frente, seus cabelos escuros emolduravam o rosto marcado por um rastro de lágrimas que brilhava à luz da lua. Ela não chorava de forma descontrolada, isso não combinava com quem ela era. Mas havia algo na postura de Althea — nos ombros que lutavam para não cair, na respiração que ela segurava para não soltar um soluço — que rasgava Eryon por dentro.— Você não precisa fazer nada agora, Eryon — disse ela, a voz baixa, mas carregada de um peso que ele conhecia bem. — Não agora.Ele sabia o que ela estava dizendo, mesmo que não dissesse as palavras exatas. Ela estava sozinha. Precisava dele. E ele a estava deixando.— Mas precisaria fazer em algum momento. Não temos escolha — disse, mas até para ele a frase soou falsa.— Sempre há escolha. Você que decidiu fugir.A palavra atingiu-o como uma lâmina. Fugir. Ele queria negar, mas como poderia? Era isso que parecia. Talvez até fosse verdade.— Você não entende, Althea...— Então me explique. Só desta vez. Só me diga a verdade,