O círculo de pedra estava em caos. A figura encapuzada invocava criaturas grotescas das sombras, seres retorcidos que pareciam vibrar entre o mundo real e o espiritual. Uivos de lykor ecoavam pelo vale enquanto os guardiões se preparavam para o combate.
Eryon correu em direção aos invasores, empunhando seu par de lâminas curvas. Althea o seguiu, sentindo sua transformação começar. Em segundos, ela era uma grande loba em sua forma completa. Suas patas tocavam o chão com firmeza, os sentidos aguçados captando cada som e cheiro ao seu redor. Ela sentia o sangue correr quente em suas veias, a força de gerações de lykor fluindo por seu corpo.
Com as lâminas em suas mãos cortando a escuridão como se fossem extensões de sua vontade, Eryon avançou contra as criaturas. Ao seu lado, Althea investiu, seus dentes reluzindo sob a luz da Lua dos Antigos enquanto rasgava a primeira criatura. Elas não eram feitas de carne, mas de pura sombra, dissipando-se ao contato com o aço ou a mordida feroz de um lobo.
No meio do tumulto, Althea percebeu uma presença familiar. Kael, o líder do clã Varkos, conhecido por sua ligação com a terra e pela brutalidade em combate, surgia no campo de batalha. Com ele, vinham seus guerreiros, os mais ferozes entre os lykor.
Kael rugiu, transformado em lobo, derrubando duas criaturas sombrias em um só salto para no instante seguinte, dois outros Varkos aplicarem suas mordidas fatais.
“Finalmente apareceu, Althea! Tinha medo de sujar as garras?” A voz de Kael soou na mente dela, carregada de sarcasmo.
“Se quer provocar, Kael, escolha outro momento!” Ela rosnou, desviando de um ataque.
"Pare de uivar tanto. Se eu for morrer aqui, pelo menos quero que saibam que lutei ao lado de alguém que vale a pena."
Ela não respondeu. Não era hora para disputas internas. Kael sempre a desafiara, questionando sua liderança e zombando de sua “ausência” durante os últimos anos. Mas agora, seus esforços estavam alinhados. Pelo menos, por enquanto.
Eryon lutava ao seu lado, cada movimento calculado, cada golpe letal. Mas Althea notou que ele hesitava ao olhar para as sombras maiores, como se reconhecesse algo nelas. Em meio ao caos, ele gritou:
— Althea, temos que chegar à figura encapuzada. Se pegarmos ela, as sombras sucumbirão.
“Como ele sabe disso?” Ela rosnou, desviando de um ataque e rasgando uma criatura em dois.
Mostrando que ainda mantinha a assustadora capacidade de entende-la, na sua forma lupina, Eryon emendou:
— Eu sei porque já a enfrentei antes!
Novamente, o som agudo e perturbador cortou o ar, e o campo de batalha pareceu congelar, envolto em uma áurea de antecipação. Com um gesto, a figura encapuzada fez surgir um círculo de energia escura, que crescia ao seu redor. As criaturas cessaram seus ataques, formando uma barreira para proteger sua mestra.
— Vocês acham que podem resistir? — A voz penetrante ecoou. — Nem mesmo a união de seus clãs pode deter o que está por vir.
Kael avançou, ignorando o perigo, mas foi lançado para trás por uma onda de energia. Althea hesitou por um momento, antes de Eryon colocar a mão em seu dorso:
— Juntos!
Ela reconheceu nos olhos dele aquele fogo que queimava toda sua hesitação. Finalmente, assentiu.
Enquanto avançavam, Kael rugiu na mente de Althea:
“Vocês dois estão escondendo algo! O que sabem que não estamos vendo? Althea, explique-se!”
“Depois!” Ela respondeu, com a determinação da líder que era.
Juntos, Althea e Eryon romperam a barreira, seus ataques combinados criando uma abertura na muralha de sombras. Eles chegaram perto da figura, mas antes que pudessem atacar, ela retirou o capuz, revelando um rosto inesperado: Eirlys, uma antiga sacerdotisa da Lua dos Antigos.
— Vocês não entendem o que estão enfrentando — disse Eirlys. — Este mundo está podre. Apenas a escuridão pode purificá-lo.
Eryon congelou, sua respiração acelerando. Althea percebeu o impacto da revelação de intenções da sacerdotisa caída, mas a batalha continuava, e o destino de toda Lykaria pendia por um fio.
“Eryon, não permita que ela brinque com suas emoções!” Althea gritou em sua mente, ansiando que a ligação entre eles ainda fosse forte o suficiente para transmitir a mensagem.
Ele fechou os olhos por um momento, respirou fundo e se lançou contra Eirlys, determinado a terminar o que havia começado tempos atrás.
Mas, antes que Eryon e Althea pudessem atacar, ela desapareceu em uma explosão de sombras, deixando o vale em um silêncio aterrador. As criaturas sombrias que antes preenchiam o círculo de pedra haviam desaparecido, voltando pelo seu curso de origem.
Em poucos instantes, os outros clãs começaram a recuar e se agrupar para discutir os eventos. Enquanto isso, Eryon conduziu Althea para longe do tumulto, levando-a até uma clareira protegida pelos enormes carvalhos sagrados. Se antecipando as necessidades dela - como de costume - ele estendeu sua capa e ofereceu para que ela cobrisse sua nudez ao voltar a forma humana, virando o rosto para garantir-lhe privacidade.
— Você sabia que ela estava viva — acusou Althea, cobrindo o corpo e voltando-se para encará-lo com seus olhos, ainda prateados pela transformação parcial. — Como você sabia?
Eryon vacilou, era impossível não se afetar com a perspectiva do maravilhoso cheiro da lykor ficando impregnado em sua capa, e por fim, lhe respondeu com sinceridade. — Eu sabia. Descobri recentemente e ela tentou me manipular, mais uma vez. O que eu ainda não conhecia eram as intenções malignas dela. Essa história de escuridão purificar Lykaria é nova para mim.
Althea riu, amarga. — Você sempre sabe mais do que diz. Sempre esconde algo. Assim como quando foi embora.
As palavras dela carregavam o peso do passado. Anos atrás, Eryon tinha feito sua escolha. Ele se afastou de Althea porque acreditava que sua maldição — a fusão de sangue de lobo com a magia proibida — o levaria à morte precoce e arrastaria a futura líder dos Lykir para as sombras do desconhecido.
Althea o observava, na esperança de uma explicação para suas atitudes.
— Você tem todos os motivos para pensar desse jeito — ele finalmente disse, sua voz carregada de algo que soava como arrependimento. — Mas vou lhe provar que mereço sua confiança.
O som de passos na floresta os interrompeu. Kael Varkos surgiu das sombras, completamente nu e com um sorriso de dentes ainda afiados, trazendo consigo a familiar tensão que sempre existira entre eles.
— Ainda discutindo, Lykir? — Disse Kael, acomodando todo aquele volume viril na calça que acabara de vestir, com um sorriso malicioso para Althéa e, em seguida, um olhar de desdém para Eryon.O líder dos Varkos tinha uma figura imponente, o corpo esculpido por músculos e decorado com tatuagens vermelhas, como seus olhos. Seus cabelos longos eram de um tom bordô, assim como sua barba cheia e curta, que emoldurava suas feições angulares. Era extremamente atraente e muito consciente do efeito que sua aparência causava. — Não temos tempo para seus dramas pessoais. O eclipse está chegando, e a profecia está se desenrolando mais rápido do que pensávamos. — Kael alfinetou.Althea respirou fundo, colocando de lado suas emoções.— O que descobriu?O Varkos afastou qualquer tom jocoso de sua voz, antes de se pronunciar.— Eirlys não pode estar agindo sozinha. Há algo... ou alguém... que a controla. Precisamos descobrir quem ou o quê.Lobos de outros clãs se juntaram a eles e enquanto discutiam
Em uma noite, há quase trinta anos, a Lua dos Antigos estava alta no céu, envolta em uma majestade prateada, e seus raios dançavam sobre o Espelho da Lua. O eclipse lunar começara transformando o céu em uma pintura sombria e sagrada, e os lykor observavam, em silêncio, o ritual aguardado por toda uma geração. O ar estava denso, carregado de uma energia antiga que pulsava ao mesmo tempo como uma promessa e um presságio de tempos decisivos.Afastada da multidão, em uma clareira protegida pelos carvalhos ancestrais, Lyanna, líder do clã Lykir, enfrentava o momento mais doloroso e sagrado de sua vida. Sobre uma manta de linho bordada com o símbolo da Lua dos Antigos, as contrações se intensificavam, em correntes que traziam a vida e, ao mesmo tempo, arrancavam suas forças. Seus lábios, apertados, mal deixavam escapar um som, mas o suor que escorria por seu rosto denunciava o esforço e o sofrimento. Ela segurava a terra úmida com força, buscando naquele contato um pouco da firmeza que come
Althea e Eryon foram puxados daquela visão no Templo de Veyara. Após emergirem do lago, nadaram até a margem do Espelho da Lua, impulsionando seus corpos exaustos para fora da água. Quando finalmente alcançaram a terra firme, caíram deitados, lado a lado, o peito arfando enquanto tentavam recuperar o fôlego.— Vocês estão malucos? — A voz de Kael irrompeu pelo silêncio da noite, carregada com a familiar mistura de preocupação e sarcasmo. — Teve lobo que mergulhou aí sozinho e nunca voltou, quanto mais duas pessoas tocarem essas águas ao mesmo tempo! Já estava encomendando as lápides de vocês com a frase: "Kael avisou"!Kael jogou a capa sobre os ombros e afastou-se, jogando as mãos para o alto, murmurando algo.Ainda deitados, de barriga para baixo, Althea e Eryon não se moveram. As respirações ofegantes formavam uma sincronia natural, como se seus corpos entendessem algo que suas mentes ainda precisavam alcançar. A Lykir se virou, ficando com o corpo de lado, a cabeça apoiada no braç
Enquanto Eryon beijava sua mão, a brisa fresca da noite carregou um odor metálico e denso que imediatamente fez Althea ficar alerta. Os pelos em sua nuca eriçaram-se antes mesmo de qualquer som se manifestar.Antes de Kael começar a resmungar, ela se virou para as árvores atrás dela. O silêncio repentino era inquietante, como se a própria natureza tivesse parado para avisá-los de que algo estava errado e o cavalo de Eryon relinchou em pânico, fugindo pelo mesmo caminho que acabara de percorrer.— Você também sentiu? — Eryon perguntou, já em movimento, as lâminas curvas reluzindo em suas mãos.Althea não respondeu com palavras. Despiu-se rapidamente e transformou-se, o calor da mudança atravessando seu corpo com a intensidade de sempre. Suas garras tocaram o chão, o olhar prateado atento a cada movimento na escuridão. Sua loba não precisava de mais confirmações: o perigo estava ali.Eryon a seguiu, girando o corpo para cobrir os pontos cegos de Althea. Kael retornava do lado oposto da
A trilha sinuosa que levava ao território Varkos era marcada por penhascos íngremes e florestas densas, pelas quais os ventos não passavam com facilidade. Cada passo parecia mais pesado, não pela dificuldade do terreno, mas pelo silêncio que pairava entre o grupo. Kamar e Sakyr mantinham-se à retaguarda, atentos a cada som, enquanto Kael liderava.Althea, ainda sentindo o peso da separação, manteve-se calada durante a jornada que já durava três dias, alternando entre suas formas lupina e humana. Mesmo sem olhar diretamente para ela, Kael quebrou o silêncio com seu tom provocador habitual, embora houvesse um toque de suavidade em suas palavras.— Você sempre foi tão quieta, Lykir? Ou é o ar daqui que sufoca o seu espírito?Althea ergueu o olhar para ele, o cenho franzido.— Não estou de humor para suas gracinhas, Kael.Ele riu baixo, um som rouco e natural.— Bom, se quer permanecer envolta nesse manto de melancolia, tudo bem. Mas vou avisar: o território Varkos não é gentil com quem c
A pequena gruta revelou-se uma visão fascinante: uma piscina natural de água cristalina, refletindo as luzes suaves dos cristais que adornavam as paredes. O cheiro das ervas misturava-se ao vapor que subia da água, criando uma atmosfera ao mesmo tempo relaxante e revigorante.— Banhos medicinais — explicou Kael, indicando a piscina. — As ervas aquecem o corpo e aliviam a mente. É o remédio perfeito para um coração pesado.Althea olhou para a piscina e depois para ele, surpresa.— Não sabia que os Varkos eram tão... sofisticados.— Há muito que você não sabe sobre nós, Lykir. Entre na água e talvez aprenda algo.Ela hesitou, mas o calor tentador da água era irresistível. Depois de tanto tempo carregando tensões nos ombros, sentiu o desejo de ceder por um momento. Primeiro, mergulhou os pés na água, apreciando o calor agradável que parecia envolver sua pele, e, em seguida, deixou-se afundar até os ombros, sentindo a resistência do líquido dar espaço a uma sensação de leveza.Kael entrou
A entrada para a floresta de Nyrathas era marcada por árvores altas e retorcidas, cujos galhos se entrelaçavam, formando um dossel tão denso que quase não deixava a luz atravessar. O ar ali era diferente, carregado de um frescor úmido e ao mesmo tempo pesado, como se cada respiração exigisse esforço.Eryon parou na beira da trilha, seus olhos absorvendo o máximo de informações sobre o terreno à sua frente, embora dentro dele algo gritasse que nada o prepararia para o que enfrentariam ali. Ele apertou as lâminas curvas em suas mãos, sentindo o segurança do peso do metal, um lembrete do que era real e palpável. Eyle e Lukon estavam logo atrás, o silêncio entre eles mais carregado do que o próprio ar da floresta.— Esse lugar... — começou Lukon, sua voz quebrando o silêncio. — É como se estivesse vivo.— Porque está — respondeu Eyle, seu tom mais pragmático. — Nunca estive aqui, mas reza a lenda que Nyrathas não é como as outras. Ela não é apenas uma floresta, é algo que sente, observa..
Eryon sentia os braços de Althea ao redor de seu corpo, o rosto dela enterrado em seu peito como se nunca mais quisesse soltá-lo. Sua respiração era irregular, quase entrecortada, enquanto um leve tremor em sua voz quebrava o silêncio.— Eu sabia que te encontraria. — O sussurro dela, carregado de alívio e emoção, cravou-se fundo no coração dele.Ele a segurou com igual intensidade, o coração acelerado, os dedos deslizando pelos cabelos escuros dela até alcançar a mecha prateada, que parecia brilhar com uma luz etérea. Naquele momento, tudo ao redor desapareceu, como se a própria floresta respeitasse a singularidade do reencontro.— Você está bem? — Ele perguntou, segurando o rosto dela entre as mãos, os polegares acariciando suavemente suas bochechas enquanto procurava por qualquer sinal de dor ou exaustão.Althea assentiu, mas seus olhos cinzentos brilhavam com lágrimas que teimavam em cair.— Eu sinto tanto a sua falta, Eryon.Antes que ele pudesse responder, Althea o puxou para um