— Ainda discutindo, Lykir? — Disse Kael, acomodando todo aquele volume viril na calça que acabara de vestir, com um sorriso malicioso para Althéa e, em seguida, um olhar de desdém para Eryon.
O líder dos Varkos tinha uma figura imponente, o corpo esculpido por músculos e decorado com tatuagens vermelhas, como seus olhos. Seus cabelos longos eram de um tom bordô, assim como sua barba cheia e curta, que emoldurava suas feições angulares. Era extremamente atraente e muito consciente do efeito que sua aparência causava.
— Não temos tempo para seus dramas pessoais. O eclipse está chegando, e a profecia está se desenrolando mais rápido do que pensávamos. — Kael alfinetou.
Althea respirou fundo, colocando de lado suas emoções.
— O que descobriu?
O Varkos afastou qualquer tom jocoso de sua voz, antes de se pronunciar.
— Eirlys não pode estar agindo sozinha. Há algo... ou alguém... que a controla. Precisamos descobrir quem ou o quê.
Lobos de outros clãs se juntaram a eles e enquanto discutiam os próximos passos, Althea sentiu algo pulsar em seu medalhão. Um calor súbito subiu por sua pele, se concentrando em sua têmpora direita, e uma visão inundou sua mente: um altar antigo, em ruínas, cercado por chamas negras. Era um local que ela reconhecia, o Templo de Veyara, onde dizem que a Lua dos Antigos nasceu pela primeira vez.
— Precisamos ir para Veyara — disse ela, sua voz decidida. — É onde dizem que tudo começou. E, provavelmente, onde tudo terminará, daqui a quatro semanas.
Eryon e Kael olharam em volta, todos encaravam Althea, hipnotizados pela áurea prateada que ela emanava. Apesar de suas diferenças, ambos sentiam que Althea tinha razão. Mas a jornada até o templo seria perigosa, já que as coisas pareciam estar um tanto fora de seus cursos naturais, em todos os territórios.
O continente de Lykaria é uma terra vasta e diversificada, marcada por sua beleza selvagem, tradições antigas e territórios dominados por diferentes clãs, cada um com suas particularidades culturais. Governado pela influência da Lua dos Antigos, Lykaria é um lugar no qual a magia permeia o cotidiano, e os elementos naturais são tanto aliados quanto inimigos.
Enfim, um grupo de sete lykor se preparou para seguir em direção a Veyara: Althea, acompanhada de dois dos melhores guerreiros Lykir, a loba Eyle e o lobo Sakyr; Kael, Kamar e Lukon, do clã Varkos e Eryon, o exilado. Todos sabiam que as alianças que formassem agora seriam cruciais para enfrentar o que estava por vir.
***
As noites no vale são iluminadas por vaga-lumes mágicos, que dançam em sincronia com a brisa. De acordo com as lendas, o vale foi o primeiro local criado pelos deuses, um símbolo de harmonia entre luz e escuridão, um ponto de equilíbrio entre as forças naturais do continente.
Após percorrem quilômetros em suas formas de lobo, exceto Eryon, que os acompanhou a cavalo, chegaram ao lago prateado que fica no meio do Vale da Harmonia, conhecido como Espelho da Lua, local definido para a primeira parada daquela incursão.
Eryon desceu do cavalo e após desamarrar suas provisões sentiu-se atraído pela magia do lago, colocou seus pertences no chão e seguiu a passos largos, atendendo aquele irresistível chamado.
— Cuidado, exilado. Se pisar aí, pode acabar mais perdido que um lobo em mar aberto.
Eryon sequer respondeu a Kael e quando tocou as águas prateadas seus olhos assumiram um aspecto antinatural. Seu corpo se enrijeceu por alguns instantes e em seguida, ele caiu no Espelho da Lua. Althea assistia a cena enquanto se vestia e se apressou em ajudá-lo.
— Althea! Não toque nisso! — Gritou Kael. — Já viu o que acontece quando se mete a pata em coisa que não deve?
Ela continuou avançando, com determinação. E quando estava prestes a tocar a água, lembrou que aquela era uma experiência muito individual: alguém que necessite muito de uma resposta e que não pretenda usa-la para praticar o mal, a encontrará quando tocar a magia contida nas águas do Espelho da Lua. Mesmo sem saber exatamente o que de fato aconteceria ao se juntar a Eryon, mergulhou sua mão no lago.
Eryon foi transportado para um templo com grandes claraboias que preenchiam o espaço com a luz natural da Lua dos Antigos. Ele sabia que estava em Veyara. Uma das sacerdotisas tinha um intenso brilho contornando-a e ele sentiu a necessidade de fixar seu olhar nela. A mulher prepara o que parece ser um ritual, adicionando alguns lírios de sangue ao líquido prateado contido numa tigela feita de pedra lunar. Por fim, secretamente tira do colo uma pedra negra, encostando-a na água, que se agita levemente enquanto ela recita sua prece:
"Oh, Lua dos Antigos, guardiã do equilíbrio entre luz e trevas, escute meu clamor. Proteja meu filho, fruto de duas forças opostas, mas unidas pelo amor. Que ele caminhe entre mundos com sabedoria, e que sua marca brilhe como um farol de esperança e harmonia."
Eryon sentiu uma onda de energia em suas costas e percebeu a presença de Althea. Ela veio ao seu encontro, com uma expressão de vergonha e culpa:
- Eu agi por impulso, não deveria estar aqui e entendo o quanto isso é inconveniente.
- Não é, Althea. De verdade, estou muito feliz por você estar aqui comigo. – Ele diz, entrelaçando seus dedos em sua mão, o encaixe continuava perfeito e o calor era irresistível. – Não quero mais segredos.
Althea sentiu seu coração disparar não apenas pelo toque, mas com a sinceridade que ela percebeu vindo dele, com o compromisso que ele realmente pareceu assumir em eliminar os segredos entre eles.
No instante seguinte, todo o templo escureceu. Era o eclipse. A sacerdotisa, que continuava repetindo aquelas palavras, finalizou a sentença e começou a andar, apressadamente.
Eryon puxou Althea e ambos seguiram a sacerdotisa até um modesto quarto, onde perceberam a presença de um bebê. O pequeno dormia profundamente em um cesto, sob a cama estreita. A sacerdotisa pegou a criança no colo e com a voz carregada de amor, lhe disse:
- Que a luz guie suas escolhas. – Depositando um suave beijo em seu peito. - Que as sombras te respeitem e nunca te consumam. – Beijando delicadamente o topo da sua cabeça.
O ambiente foi envolto numa aura de amor e proteção, e tanto Eryon quanto Althea, experimentam uma sensação de paz e pertencimento em seus corações.
Momentos depois, a mulher saiu apressada, abraçada ao recém-nascido, carregando um pacote que parecia conter provisões. Eryon e Althea, que os acompanhavam de perto, sentiram a empolgação da sacerdotisa ao andar pelos corredores ainda escuros do templo, até chegar a uma porta e topar com um homem alto, esguio, com barba cheia e pele oliva.
O olhar âmbar daquele homem se iluminou ao vislumbrar a sacerdotisa e eles se cumprimentaram com um beijo afoito, repleto de afeto e cumplicidade. A mulher o entregou a pedra negra que usara no ritual – que ele rapidamente guardou na pequena bolsa presa ao seu cinto.
Em seguida, o homem inclinou a cabeça até o bebê, encostando em sua pequena testa enquanto sussurrava palavras inaudíveis que, instantaneamente, produziram um formigamento nas costas de Eryon. No mesmo instante, uma luz transpassou as vestes simples do pequeno no colo da sacerdotisa, que o virou para que o homem expusesse a pele entre as escápulas do bebê, tocando a fonte do intenso brilho.
Ele fez movimentos circulares, revelando grifos antigos que se estenderam como uma tatuagem dourada e o formigamento nas costas de Eryon aumentou, desviando sua atenção. Althea percebeu e apertou sua mão, o exilado pareceu estar em algum tipo de transe e tudo aconteceu muito rápido: a lua cheia voltou a iluminar o céu, Eryon começou a tremer como se não controlasse seus movimentos, a Lykir gritou seu nome e instantaneamente sentiu como se tivessem ganhado a atenção do homem misterioso, pois ele lançou um olhar terno exatamente na direção em que ela e Eryon estavam. Em seguida, ele voltou-se para o bebê e disse, com determinação e doçura:
- Eryon, fruto do nosso amor, que seu nome ecoe como o equilíbrio que nosso mundo tanto precisa. Seja forte, meu pequeno, e um dia você encontrará seu propósito.
Eryon e Althea são puxados por uma incrível força.
Em uma noite, há quase trinta anos, a Lua dos Antigos estava alta no céu, envolta em uma majestade prateada, e seus raios dançavam sobre o Espelho da Lua. O eclipse lunar começara transformando o céu em uma pintura sombria e sagrada, e os lykor observavam, em silêncio, o ritual aguardado por toda uma geração. O ar estava denso, carregado de uma energia antiga que pulsava ao mesmo tempo como uma promessa e um presságio de tempos decisivos.Afastada da multidão, em uma clareira protegida pelos carvalhos ancestrais, Lyanna, líder do clã Lykir, enfrentava o momento mais doloroso e sagrado de sua vida. Sobre uma manta de linho bordada com o símbolo da Lua dos Antigos, as contrações se intensificavam, em correntes que traziam a vida e, ao mesmo tempo, arrancavam suas forças. Seus lábios, apertados, mal deixavam escapar um som, mas o suor que escorria por seu rosto denunciava o esforço e o sofrimento. Ela segurava a terra úmida com força, buscando naquele contato um pouco da firmeza que come
Althea e Eryon foram puxados daquela visão no Templo de Veyara. Após emergirem do lago, nadaram até a margem do Espelho da Lua, impulsionando seus corpos exaustos para fora da água. Quando finalmente alcançaram a terra firme, caíram deitados, lado a lado, o peito arfando enquanto tentavam recuperar o fôlego.— Vocês estão malucos? — A voz de Kael irrompeu pelo silêncio da noite, carregada com a familiar mistura de preocupação e sarcasmo. — Teve lobo que mergulhou aí sozinho e nunca voltou, quanto mais duas pessoas tocarem essas águas ao mesmo tempo! Já estava encomendando as lápides de vocês com a frase: "Kael avisou"!Kael jogou a capa sobre os ombros e afastou-se, jogando as mãos para o alto, murmurando algo.Ainda deitados, de barriga para baixo, Althea e Eryon não se moveram. As respirações ofegantes formavam uma sincronia natural, como se seus corpos entendessem algo que suas mentes ainda precisavam alcançar. A Lykir se virou, ficando com o corpo de lado, a cabeça apoiada no braç
Enquanto Eryon beijava sua mão, a brisa fresca da noite carregou um odor metálico e denso que imediatamente fez Althea ficar alerta. Os pelos em sua nuca eriçaram-se antes mesmo de qualquer som se manifestar.Antes de Kael começar a resmungar, ela se virou para as árvores atrás dela. O silêncio repentino era inquietante, como se a própria natureza tivesse parado para avisá-los de que algo estava errado e o cavalo de Eryon relinchou em pânico, fugindo pelo mesmo caminho que acabara de percorrer.— Você também sentiu? — Eryon perguntou, já em movimento, as lâminas curvas reluzindo em suas mãos.Althea não respondeu com palavras. Despiu-se rapidamente e transformou-se, o calor da mudança atravessando seu corpo com a intensidade de sempre. Suas garras tocaram o chão, o olhar prateado atento a cada movimento na escuridão. Sua loba não precisava de mais confirmações: o perigo estava ali.Eryon a seguiu, girando o corpo para cobrir os pontos cegos de Althea. Kael retornava do lado oposto da
A trilha sinuosa que levava ao território Varkos era marcada por penhascos íngremes e florestas densas, pelas quais os ventos não passavam com facilidade. Cada passo parecia mais pesado, não pela dificuldade do terreno, mas pelo silêncio que pairava entre o grupo. Kamar e Sakyr mantinham-se à retaguarda, atentos a cada som, enquanto Kael liderava.Althea, ainda sentindo o peso da separação, manteve-se calada durante a jornada que já durava três dias, alternando entre suas formas lupina e humana. Mesmo sem olhar diretamente para ela, Kael quebrou o silêncio com seu tom provocador habitual, embora houvesse um toque de suavidade em suas palavras.— Você sempre foi tão quieta, Lykir? Ou é o ar daqui que sufoca o seu espírito?Althea ergueu o olhar para ele, o cenho franzido.— Não estou de humor para suas gracinhas, Kael.Ele riu baixo, um som rouco e natural.— Bom, se quer permanecer envolta nesse manto de melancolia, tudo bem. Mas vou avisar: o território Varkos não é gentil com quem c
A pequena gruta revelou-se uma visão fascinante: uma piscina natural de água cristalina, refletindo as luzes suaves dos cristais que adornavam as paredes. O cheiro das ervas misturava-se ao vapor que subia da água, criando uma atmosfera ao mesmo tempo relaxante e revigorante.— Banhos medicinais — explicou Kael, indicando a piscina. — As ervas aquecem o corpo e aliviam a mente. É o remédio perfeito para um coração pesado.Althea olhou para a piscina e depois para ele, surpresa.— Não sabia que os Varkos eram tão... sofisticados.— Há muito que você não sabe sobre nós, Lykir. Entre na água e talvez aprenda algo.Ela hesitou, mas o calor tentador da água era irresistível. Depois de tanto tempo carregando tensões nos ombros, sentiu o desejo de ceder por um momento. Primeiro, mergulhou os pés na água, apreciando o calor agradável que parecia envolver sua pele, e, em seguida, deixou-se afundar até os ombros, sentindo a resistência do líquido dar espaço a uma sensação de leveza.Kael entrou
A entrada para a floresta de Nyrathas era marcada por árvores altas e retorcidas, cujos galhos se entrelaçavam, formando um dossel tão denso que quase não deixava a luz atravessar. O ar ali era diferente, carregado de um frescor úmido e ao mesmo tempo pesado, como se cada respiração exigisse esforço.Eryon parou na beira da trilha, seus olhos absorvendo o máximo de informações sobre o terreno à sua frente, embora dentro dele algo gritasse que nada o prepararia para o que enfrentariam ali. Ele apertou as lâminas curvas em suas mãos, sentindo o segurança do peso do metal, um lembrete do que era real e palpável. Eyle e Lukon estavam logo atrás, o silêncio entre eles mais carregado do que o próprio ar da floresta.— Esse lugar... — começou Lukon, sua voz quebrando o silêncio. — É como se estivesse vivo.— Porque está — respondeu Eyle, seu tom mais pragmático. — Nunca estive aqui, mas reza a lenda que Nyrathas não é como as outras. Ela não é apenas uma floresta, é algo que sente, observa..
Eryon sentia os braços de Althea ao redor de seu corpo, o rosto dela enterrado em seu peito como se nunca mais quisesse soltá-lo. Sua respiração era irregular, quase entrecortada, enquanto um leve tremor em sua voz quebrava o silêncio.— Eu sabia que te encontraria. — O sussurro dela, carregado de alívio e emoção, cravou-se fundo no coração dele.Ele a segurou com igual intensidade, o coração acelerado, os dedos deslizando pelos cabelos escuros dela até alcançar a mecha prateada, que parecia brilhar com uma luz etérea. Naquele momento, tudo ao redor desapareceu, como se a própria floresta respeitasse a singularidade do reencontro.— Você está bem? — Ele perguntou, segurando o rosto dela entre as mãos, os polegares acariciando suavemente suas bochechas enquanto procurava por qualquer sinal de dor ou exaustão.Althea assentiu, mas seus olhos cinzentos brilhavam com lágrimas que teimavam em cair.— Eu sinto tanto a sua falta, Eryon.Antes que ele pudesse responder, Althea o puxou para um
Eryon pôs-se em pé, os sentidos em alerta máximo.— Quem está aí? — Ele perguntou, a voz firme, mas carregada de exaustão.Das sombras, uma figura surgiu. Uma mulher alta e esguia, diferente de qualquer outra que ele já havia visto. Sua pele era pálida, quase translúcida, e seus olhos verdes brilhavam com uma intensidade que parecia atravessar Eryon. Tinha uma beleza etérea, sim, mas de uma forma que parecia quase maligna. Vestia algo que parecia feito de fios de luz e trevas, os contornos de seu corpo destacando-se em uma perfeição quase sobrenatural.— Até que enfim nos encontramos, Eryon.A voz feminina era doce, sedutora, mas carregava algo que o fazia estremecer.— Quem é você? — Ele ergueu as lâminas curvas em um movimento instintivo, os músculos tensos enquanto dava um passo para trás.A mulher sorriu, um sorriso que parecia conter mil segredos. Seus longos cabelos, de um cobre profundo, ondulavam como se tocados por um vento invisível.— Eu sou Miralen — disse ela, a voz acari