Capítulo 4: Feita de amor

Em uma noite, há quase trinta anos, a Lua dos Antigos estava alta no céu, envolta em uma majestade prateada, e seus raios dançavam sobre o Espelho da Lua. O eclipse lunar começara transformando o céu em uma pintura sombria e sagrada, e os lykor observavam, em silêncio, o ritual aguardado por toda uma geração. O ar estava denso, carregado de uma energia antiga que pulsava ao mesmo tempo como uma promessa e um presságio de tempos decisivos.

Afastada da multidão, em uma clareira protegida pelos carvalhos ancestrais, Lyanna, líder do clã Lykir, enfrentava o momento mais doloroso e sagrado de sua vida. Sobre uma manta de linho bordada com o símbolo da Lua dos Antigos, as contrações se intensificavam, em correntes que traziam a vida e, ao mesmo tempo, arrancavam suas forças. Seus lábios, apertados, mal deixavam escapar um som, mas o suor que escorria por seu rosto denunciava o esforço e o sofrimento. Ela segurava a terra úmida com força, buscando naquele contato um pouco da firmeza que começava a lhe escapar. Seu corpo tremia, mas sua determinação permanecia intacta.

Apesar da dor física, o que mais pesava era o vazio em seu peito. Em meio à penumbra, sua mente voltava, inevitavelmente, para Aedric, o homem que fora tudo para ela. Havia pouco mais de um ano, ele surgira naquele território como um guerreiro nômade, um mensageiro de um clã distante. Lyanna lembrava-se do dia em que o vira pela primeira vez: ele era imponente, com uma calma que parecia dominar o próprio vento, olhos de um azul profundo, como se carregassem os mistérios do mundo. Enquanto todos o viam como um estranho, ela o enxergou por inteiro.

O vínculo entre eles fora instantâneo. Nas noites silenciosas do vale, longe dos olhos atentos do clã, Lyanna e Aedric se encontravam na clareira dos carvalhos. Seus toques eram gentis, mas carregados de uma paixão quase primal. Ela, sempre tão firme e controlada, se entregou a ele como se cada toque, cada beijo, fosse um elo irrompendo o peso que carregava. Ele a segurava como se ela fosse preciosa, como se o vento — ao qual os Lykir eram tão devotados — soprasse apenas para aproximá-los.

— Você é como o vento, Lyanna — sussurrou ele certa noite, seus dedos percorrendo a linha do rosto dela com devoção. — Livre e feroz. Quem poderia prender o vento?

— Talvez o vento não precise ser preso — respondeu ela, com um sorriso suave, puxando-o para perto.

Naquela noite, os corpos se uniram como as almas que foram desde o princípio. Cada gesto entre eles era uma promessa silenciosa, um amor que transcendia o tempo. Aedric era a calmaria que ela nunca soube que precisava. Quando ele partiu para cumprir uma missão, prometeu voltar. Mas semanas depois, os ventos trouxeram notícias: Aedric desaparecera. Pouco tempo depois Lyanna sentiu, no fundo do coração, que ele estava morto. Não havia corpo, não havia confirmação — apenas a dor implacável que vinha do elo que compartilhavam e que fora precocemente rompido.

Seu mundo quase desabou, mas dentro de si, havia uma chama que a manteve de pé: o filhote que crescia em seu ventre, o fruto do amor mais puro que ela conhecera. Por essa criança, ela precisava resistir.

Agora, naquela clareira sagrada, enquanto a Lua dos Antigos mergulhava em sombras, Lyanna sabia que estava chegando ao seu limite. As sacerdotisas, ao seu redor, entoavam cânticos ancestrais, suas vozes quase suplicantes à deusa Arktas:

— Oh, Arktas, guia dos lykor, conceda-nos sua luz! Proteja esta geração, que será nossa força nos tempos de trevas!

O eclipse se completava, e Lyanna, com a força restante, empurrou uma última vez. Um único grito rompeu seus lábios, ecoando pelo vale, e então o silêncio tomou tudo.

O choro da criança, claro e forte, rasgou o ar como um chamado. Lyanna, pálida e enfraquecida, olhou para a filha com lágrimas nos olhos, um sorriso débil iluminando seu rosto. No instante em que a segurou nos braços, a luz voltou ao vale. Um feixe prateado, puro e imaculado, desceu diretamente da Lua dos Antigos, envolvendo o corpo da recém-nascida como um manto de poder. Os lykor assistiram, paralisados, enquanto aquela luz descia dos céus e parecia sussurrar um segredo antigo ao mundo.

Quando a luz se dissipou, algo permaneceu: uma mecha prateada brilhava em meio ao cabelo escuro da bebê, bem na sua têmpora direita, como um símbolo da bênção da deusa Arktas. As sacerdotisas caíram de joelhos, murmurando orações. Lyanna, com a voz fraca, mas cheia de amor, sussurrou:

— Você foi feita de amor, minha pequena Althea. Não deixe ninguém te convencer do contrário. Seja luz onde houver sombras, como a lua que ilumina o céu mais escuro.

Os olhos de Lyanna se fecharam, e seu corpo cedeu a dor contida em seu coração. A vida escapou dela como o vento que acaricia o rosto e desaparece. A sacerdotisa Sarya, amparou a criança para que sentisse o calor que ainda emanava do corpo de sua mãe. Momentos depois, ergueu Althea nos braços, sentindo a energia do amor materno se entranhando em seu pequeno corpo. Ela fitou a Lua dos Antigos, agora com seu brilho restaurado, e sussurrou palavras de uma profecia antiga:

— Quando luz e sombras se encontrarem, o equilíbrio será restaurado. Mas apenas o amor verdadeiro poderá impedir que sejam consumidos.

Para alguns, a morte de Lyanna foi atribuída ao peso de seu sacrifício. Sua alma, diziam, fora entregue para selar o destino da filha, garantindo que Althea carregasse consigo o equilíbrio entre luz e trevas. Outros, acreditavam que ela estava sendo castigada por desprezar as tradições, ao não concluir o ritual de escolha de companheiro antes de Aedric partir.

Nos anos seguintes, todo o clã Lykir se dedicou a criar Althea com base nos valores de Lyanna: coragem, compaixão e determinação. Desde cedo, ela treinava com os guerreiros, era instruída pelos anciãos e aprendia com as sacerdotisas. Embora não soubesse, estava sendo preparada para liderar.

Seu vínculo com a Lua dos Antigos era mais forte que o de qualquer outro lykor. Mesmo jovem, ela conseguia sentir a energia da lua pulsando em seu sangue. As sacerdotisas a ensinaram a respeitar esse poder, mas esconderam dela a profecia.

Quando Althea completou sete anos, foi levada ao Templo de Veyara. Era um lugar místico, quase fora do tempo. Foi ali que aconteceu a sua primeira transformação, muito antes do previsto.

A beleza da loba deixou todos impressionados. Seus olhos cinza, agora brilhavam com uma intensidade prateada, assim como a faixa de pelos luminosos que se estendia desde sua testa até a parte de trás do pescoço, conferindo a Althea uma aparência imponente.

Mas a transformação precoce a deixara acuada. Toda a dor, a adaptação ao novo corpo, o controle do lado selvagem — era demais para uma criança de tão pouca idade. Althea rosnava e se debatia, assustada. Então, quando tudo parecia escapar do seu controle, ela fugiu.

Foi nesse momento que esbarrou em um menino franzino, de cabelos castanhos encaracolados e olhos quentes como o pôr do sol. Algo inexplicável aconteceu. Althea parou, sentindo um calor diferente percorrer a porção prateada do seu pelo.

O menino, surpreso, grudou as costas contra a parede mais próxima. A loba se sentiu atraída por ele, mais e mais e quando sentiu o toque carinhoso em sua cabeça, o impossível aconteceu: sua transformação começou a regredir, de forma suave e indolor.

O menino tirou a própria capa e envolveu o corpo trêmulo da pequena loba, protegendo-a do frio e da vergonha de sua vulnerabilidade. Quando ela o encarou, seus olhos num tom de cinza profundo encontraram aqueles olhos cor de mel, e ela se sentiu em paz.

Naquele instante, uma conexão inexplicável foi forjada.

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