O carro seguia pelas ruas do centro da cidade, vindo de um dos bairros da periferia. Era uma das poucas manhãs frescas naquele começo de verão, fazendo com que as ruas ficassem cheias de pessoas que aproveitavam o dia na praça principal da cidade. As duas mulheres no veículo, mãe e filha, estavam em silêncio. Não um silêncio constrangedor, elas apenas não tinham do que falar enquanto seguiam para o centro médico onde a garota fazia seu tratamento.
Mariana bufou apoiando a cabeça no vidro da janela do carro, estava cansada das constantes idas ao médico para as transfusões de sangue. Infelizmente, havia nascido com uma rara doença de sangue praticamente sem cura, e a única maneira de mantê-la viva era fazendo o procedimento que vinha se tornando gradativamente mais eficiente. Os cabelos negros e cacheados da garota mexiam com o vento que entrava pela fresta da janela aberta, fazendo-a ter que os colocar no lugar constantemente. A garota pensou nas possibilidades futuras. Quando tudo aquilo findasse, poderia viajar para o exterior, conhecer lugares e pessoas novas, ela sorriu com seus devaneios. Antes de mais nada precisava se curar e isso, finalmente, não parecia mais um sonho utópico.
— Podemos passar em algum lugar legal depois do hospital! — A mãe falou, olhando para a garota amuada no banco do passageiro. — Poderíamos comprar alguma coisa para comer e dar uma volta!
— Se eu sair de lá hoje — Mariana respondeu meio para baixo. — Todas as vezes tenho que passar a noite em observação. Além disso, se eu tiver que ficar lá de castigo, não quero que durma na recepção. Sei que você tem suas coisas para fazer e não quero ficar atrapalhando.
— Você não me atrapalha filha, mas dessa vez realmente vou ter que voltar pra casa se você for ficar! — a mulher sorriu sem graça — Acharam pistas do paradeiro de um garoto que pode ser seu primo, sua tia pretende montar um grupo de busca amanhã bem cedo. Não posso deixá-la sozinha, não em um momento tão complicado como esse.
Mariana olhou para a mãe, a mulher parecia tão cansada desde que haviam se mudado. O rosto, que antes possuía uma forma arredondada, agora estava levemente sulcado, as marcas do cansaço salientaram em um par de olheiras escuras e os primeiros fios brancos apareciam em seu cabelo. Mãe e filha tinham ido morar na nova cidade por causa do desaparecimento do garoto, haviam se mudado para dar apoio a mãe dele que estava devastada, isso havia sido há mais de um ano. Mesmo com o passar dos meses elas mantiveram o lugar como novo lar, Jéssica não conseguia deixar a irmã, Elane, sozinha com sua dor. Mariana sentia-se infeliz pela tia que não aceitava que o garoto poderia estar morto e continuava indo atrás de cada pista, mesmo a maioria resultando em mais tristeza por não encontrar o filho, muitas das vezes não encontrando nada.
— Espero que dessa vez encontrem alguma coisa! — a jovem sussurrou quase que para si mesma — Já faz muito tempo, isso não faz bem pra ninguém.
— Sim! — A mulher olhou para a filha e lhe acariciou o rosto. — Mas temos que ter fé que Deus vai devolver o Erick vivo e forte. Elane está certa de não perder as esperanças, no lugar dela eu jamais desistiria de te encontrar, iria até o fim do mundo por você.
Não demorou até estarem em frente ao hospital, o prédio era uma construção nova que se destacava entre as outras em estilo barroco que a circundavam. O lugar contava com uma equipe de médicos jovens que haviam se mudado para a cidade com o intuito de construir o centro médico. Miguel, responsável pelo tratamento de Mariana, era um desses vários profissionais vindos de fora e já havia tratado outras pessoas com a doença que a garota sofria, o que era um alívio, pois o tratamento feito por ele era o primeiro a dar resultados relevantes.
Mariana seguiu a enfermeira em direção a um dos consultórios, passaria por alguns exames e depois seria levada para um quarto onde faria a transfusão de sangue e ficaria em observação.
***
— Olha só! Se não é minha paciente favorita! — Miguel entrou no quarto sendo acompanhado por um sorriso de Mariana. — Como está se sentindo?
O médico aparentava não ter mais do que trinta e cinco anos e arrancava suspiros das mães por sua beleza. A pele amendoada possuía um brilho natural que o destacava entre os demais, e o sorriso encantador era o que mais cativava as mulheres.
— Bem! Eu até poderia ir pra casa. —Ela falou rindo. — Não tem tremores, nem nada de errado com meu organismo.
— Sei que quer ir pra casa. Também não gosto de ficar aqui quando sou eu o paciente. E você deve estar bem apreensiva. — Miguel direcionou o olhar do prontuário para Mariana. — Mas, se te alivia o coração, serei voluntário para uma certa busca amanhã.
— Vai ajudar tia Elane com as buscas do Erick? — a garota perguntou com lágrimas nos olhos.
— Essa cidade já viu muitas crianças que morreram ou desapareceram. — Miguel suspirou — Enquanto puder, vou ajudar as famílias a acharem seus filhos ou vou ajudar curando os filhos de todo mundo por aqui. Acho que era essa a intenção da minha mãe quando escolheu meu nome!
Mariana sorriu, sabia que as chances de encontrarem o primo vivo eram mínimas, mas com pessoas respeitadas como Miguel ajudando a procurá-lo, ao menos a tia ainda teria esperança de que não a haviam abandonado. A garota deitou de forma mais confortável depois que o médico saiu, tentaria dormir um pouco já que tinha que ficar lá até a manhã seguinte, devido a algumas vezes que seu corpo reagiu mal ao sangue recebido. Mariana estava começando a cochilar quando a porta do quarto foi aberta e um estranho o adentrou com flores.
— Porta errada! — o rapaz falou, olhando sem graça — Desculpa, achei que era o quarto da minha irmã, ela estava recebendo sangue aqui e a enfermeira falou alguma coisa sobre o corredor à direita, primeira porta à… — ele bufou — eu jurava que era a da esquerda!
Mariana tentou conter o riso. Mesmo constrangida, o rapaz parecia bem pior que ela, o rosto dele parecia queimar de tão vermelho.
— Sou quase sua irmã, também estava tomando um sanguinho novo! — ela falou fazendo-o rir quebrando um pouco o momento constrangedor.
— Meu nome é Paulo! — O rapaz alto sorriu, fazendo seus pequenos olhos com traços asiáticos se tornarem ainda menores.
— Mariana! — Ela puxou o cobertor para tampar sua camisola que só então havia notado que estava aparecendo, deixando à vista os vários pandas fofos que a estampavam.
— Eu estou sendo muito deselegante por ainda não ter saído! — Paulo falou, passando a mão nos cabelos longos. — Desculpa incomodar, Mariana.
Ele saiu do quarto e encostou a porta, deixando a garota novamente sozinha. Mariana finalmente caiu no riso enquanto pegava seu celular, precisava contar para Giovanna sobre o bonitão invasor de quartos. Aquele tipo de coisa não aconteceria se ela estivesse toda produzida, mas já que estava de pijama…
Paulo olhou para as flores em sua mão enquanto a porta do quarto fechava atrás de si. O jovem arrumou os cabelos e jogou o ramalhete em uma lixeira, não precisava mais delas, já havia encontrado quem procurava. O rapaz seguiu em direção à saída do hospital parando, ao escutar o som de uma voz familiar. Ao virar, se deparou com Miguel que o encarava.— O que faz aqui? — Miguel indagou, se aproximando do outro.Paulo sorriu reconhecendo o médico, mesmo depois de tantos anos o outro não havia mudado praticamente nada. Ainda mantinha o semblante sério e o constante alerta contra tudo e todos, era realmente um dos cachorrinhos que seu pai havia domado.— Agora entendi o motivo de ter tido tanta dificuldade em rastreá-la, o cheiro dela estar disfarçado com o seu! — Paulo falou o encarando. — Achou que a Alcateia não ia encontrar a garota em a
Nicolas entrou na casa de fazenda fora da cidade, jogando a mochila sobre o sofá. Ele sentia-se patético em ter que fingir ser um aluno do ensino médio, mas era assim que o Clã do qual fazia parte estava sobrevivendo a tanto tempo sem ser perseguido. Sua função era procurar e eliminar todo futuro lobisomem não permitindo o aumento do número de membros da outra espécie. Dara se aproximou dele, os olhos vermelhos da vampira pareciam duas brasas em chamas contrastando com a pele cor de ébano da mulher que quase sempre mantinha sua forma das sombras.— O Ian quer falar com você! — Dara falou sentando-se no sofá.— Claro!Nicolas seguiu para os fundos da casa, abrindo a porta de onde funcionava o escritório de Ian. Sobre um sofá, uma jovem estava desacordada com o pescoço sangrando, os cabelos claros da garota tomavam um tom avermelhado em contato
Miguel olhou pela janela, o céu ostentava uma enorme lua de cor amarelada. O homem respirou fundo, tinha mantido Mariana em segurança desde o dia em que a havia conhecido, quando ela chegou à cidade, mas depois da próxima noite não poderia mais protegê-la. A garota estaria entregue ao seu destino. Paulo se aproximou do outro na janela.— Eu tenho uma pergunta — ele falou, tirando a atenção de Miguel — Por que ninguém despertou nessa cidade há centenas de anos? Uma coisa é a Alcateia ter abandonado o lugar, outra completamente diferente é não acontecer nenhum despertar.— É o que sempre me pergunto! Quando eu fazia parte da Ordem, estávamos de olho nos desaparecimentos de crianças da cidade. Tínhamos uma suposição de que elas poderiam ser lobisomens ainda não despertos, mas a teoria acabou não dando em
Mariana acordou ainda tonta e quis esfregar os olhos, mas não conseguia levar a mão no rosto, pois estava acorrentada. A garota tentou puxar as mãos, mas as algemas das correntes eram muito justas. Ela olhou ao redor, notando que além de acorrentada estava em uma jaula, do lado de fora Giovanna estava amarrada em uma cadeira.— Giovanna. — A garota murmurou, tentando acordar a outra sem chamar atenção de quem as havia prendido. — Giovanna, acorda!Mariana tirou um dos calcanhares dos tênis jogando o calçado na amiga que acordou assustada.— Minha Nossa Senhora de Lourdes! — Ela gritou, balançando a cadeira de um lado para o outro antes de cair no chão. — Que merda é essa? Socorro! Meu tio é da polícia, vai ficar sabendo disso!— Para de gritar, sua idiota, precisamos achar uma forma de fugir — Giovanna olhou para amiga,
Paulo corria, sob sua forma da besta, em direção ao rastro do fedor dos vampiros, o cheiro estava cada vez mais forte. Ele ficou novamente sobre duas patas, farejando a trilha, quando foi atingido por uma vampira. O lobisomem bateu contra uma árvore e logo se levantou, vendo a mulher em posição de ataque com as presas aparecendo. Aquele seria um alvo fácil, ela tinha tido a vantagem do efeito surpresa e não a aproveitou para acabar com ele ou mordê-lo, agora estava totalmente vulnerável contra o lobisomem, maior e mais forte do que ela.Paulo ergueu o tórax, uivando, enquanto ela sibilava em sua direção. Ele foi ao encontro da vampira que correu ao seu encontro, preparada para atacar. O lobisomem agarrou a mulher pelos cabelos, batendo-a de um lado para o outro, antes de segurá-la pela cabeça a erguendo até a altura dos olhos. Os olhos do lobisomem brilharam sob o luar enqu
Paulo olhou para Giovanna, a humana estava tranquila, o que era um bom sinal. Outros humanos não tinham uma boa reação com a verdade, mas ela estava totalmente calma. Era essa tranquilidade que havia garantido a sobrevivência da garota na noite anterior, quando haviam lhe contado toda a verdade sobre o que eram. Como resposta a garota falou que não havia problema naquilo, contanto que ela pudesse ajudar Mariana.— Não é a primeira vez que vê um lobisomem! — Paulo perguntou para a garota que estava deitada no sofá.— Meu bisavô era um homem peculiar e numa noite o vi de madrugada — Giovanna parou pensando — ele provavelmente estava voltando a “ser gente”. Por anos achei que era coisa da minha cabeça, até a noite passada! Deveria ter perguntado para minha avó, ela sempre jogou indiretas sobre essas coisas.Paulo riu do termo “volt
Mariana suspirou antes de parar em frente de casa, suas mãos estavam trêmulas e, só então, ela notou que os dentes rangiam de nervosismo. Sua vida não era mais a mesma e, a partir daquele momento, teria que mentir para as pessoas que mais amava. Infelizmente aquilo era uma regra entre as outras espécies: evitar que os humanos descobrissem sobre suas existências. Dessa forma, conseguiam garantir a segurança de todos por milhares de anos.A garota destrancou o portão e colocou um sorriso falso no rosto, entrando na casa. O lugar estava silencioso, provavelmente a mãe estava cuidando da loja. Na sala, algumas fotos da família fizeram seus olhos se encherem de lágrimas. Aqueles dias nunca mais voltariam, ela não seria mais a mesma. Mariana conteve as lágrimas, sentia falta do pai naquele momento mais do que sentiu em toda sua vida. Talvez ele poderia ter a ajudado. Se ele ainda estives
Nicolas olhava enquanto Thiago andava de um lado para o outro, visivelmente impaciente, estavam trancados em um pequeno mausoléu no cemitério da cidade. Tinham saído para procurar o futuro lobisomem, mas se esconderam depois que Nicolas reconheceu o cheiro da criatura que caçavam como sendo de um membro da linhagem dos rastreadores lobisomens. Não arriscariam uma luta direta com a linhagem pura dos lobisomens. Teriam de ficar no esconderijo até o pôr do sol quando finalmente poderiam retornar para a fazenda. O lugar empoeirado tinha uma mistura de cheiros de flores de cravo e morte recente, o odor forte incomodava Nicolas. Gostava de humanos enquanto ainda vivos, depois da morte não tinham mais nenhuma utilidade para sua espécie, daquela forma eram apenas repugnantes.— Escutou o uivar ontem à noite? Acha que vai ser seguro você continuar com seu plano de se tornar um híbrido? — Nico