Primeira lua cheia

Miguel olhou pela janela, o céu ostentava uma enorme lua de cor amarelada. O homem respirou fundo, tinha mantido Mariana em segurança desde o dia em que a havia conhecido, quando ela chegou à cidade, mas depois da próxima noite não poderia mais protegê-la. A garota estaria entregue ao seu destino. Paulo se aproximou do outro na janela.

— Eu tenho uma pergunta — ele falou, tirando a atenção de Miguel — Por que ninguém despertou nessa cidade há centenas de anos? Uma coisa é a Alcateia ter abandonado o lugar, outra completamente diferente é não acontecer nenhum despertar.

— É o que sempre me pergunto! Quando eu fazia parte da Ordem, estávamos de olho nos desaparecimentos de crianças da cidade. Tínhamos uma suposição de que elas poderiam ser lobisomens ainda não despertos, mas a teoria acabou não dando em nada.

— Não seriam os vampiros, eles não conseguem fazer o que eu faço. — Paulo deu de ombros. — A linhagem de rastreadores deles foi extinta há muito tempo. Eu sinto o cheiro de um grupo deles por perto, mas duvido que eles possam estar envolvidos, devem ser uns pobres coitados com medo de ir para uma cidade grande e encontrar com a Ordem. A cidade é pequena, talvez o isolamento genético seja o responsável pelo fim da licantropia. Pode ser que não carreguem mais nossa maldição em seu DNA.

— Foi exatamente essa a conclusão da Ordem, mas ainda tem crianças desaparecendo sem deixar rastros.

— E temos a Mariana, o primeiro despertar depois de tanto tempo!

— Ela se mudou para cá há pouco tempo! — Miguel falou, esclarecendo a situação.

— Falando nela, achei um jeito de trazê-la aqui amanhã! — Paulo riu. — Convidei ela e a amiga humana, elas estão com dó do pobre Paulo que a irmã não melhora. Eu me sinto menos culpado, pois realmente tenho uma irmã e ela realmente sofre com os sintomas da maldição, logo contei meia verdade para as duas, não uma mentira.

Miguel bufou, era contra os métodos que os rastreadores usavam para atrair novos lobisomens que não tinham ideia do que eram. A primeira transformação já era assustadora por si só e eles a tornavam ainda pior com correntes e prisões.

***

Mariana olhou no espelho enquanto se arrumava, estava com dor de cabeça desde que havia acordado e nada aliviava a dor. Ela ainda achava um pouco estranho irem na casa de Paulo sendo que tinham visto ele apenas três vezes, no hospital, no supermercado e um pouco aleatoriamente na rua. Por outro lado, Giovanna achava muito importante socializar com o rapaz, já que ele era irmão de uma futura colega de sala e talvez a amiga estivesse interessada nele. A garota deixou o quarto, procurando por um remédio para dor de cabeça.

— Ainda está com dor? — A mãe perguntou enquanto ela tomava o remédio. — Deveria ficar em casa descansando.

— Giovanna me mata! Estamos com esse rolê marcado e ela está toda animada! — Mariana riu, pegando sua mochila, iria para a casa de Giovanna depois do passeio, pois era melhor do que voltar sozinha de noite.

— Juízo e se cuida! — A mãe falou olhando pra ela. — Qualquer coisa me liga que eu te busco.

***

Paulo olhou para Miguel que estava lendo o jornal da cidade. O lobisomem mais jovem riu, até que o outro fazia bem seu papel de cidadão humano normal, até conseguia imaginá-lo constituindo uma família e lutando para esconder quem realmente era. Paulo sentou à mesa, juntando-se ao outro com uma caneca de café, Miguel ergueu o olhar o encarando.

— Não vai caçar? — Paulo perguntou. — É lua cheia e logo meus convidados vão chegar, não quero um velho igual você aqui atrapalhando.

— Eu não caço. — Miguel dobrou o jornal enquanto Paulo fazia uma cara de nojo. — Tem quase dez anos que não faço isso. E essa casa é minha, deveria pedir autorização antes de trazer pessoas para cá, pirralho mal educado.

— De membro da Ordem, para um lobisomem que vive de sangue doado. — Paulo falou negando com a cabeça. — Ou compra o sangue que bebe? A verdadeira decadência dos lobisomens.

— Cada um escolhe seu estilo de vida. — Miguel levantou. — Além disso, depois que revelar a verdade vou ficar do lado de Mariana, a apoiando, e mostrar pra ela que há outro tipo de vida além de caçar e matar vampiros. Somos muito mais do que a Alcateia ou a Ordem pregam por aí, podemos ser livres para escolher como vamos viver, ninguém precisa ser um assassino se não quiser.

— Sabe que ela vai ter que se alimentar de verdade para controlar o frenesi! — Paulo o encarou e o outro concordou — Não dá pra controlar a fera só com sangue, é preciso de carne pra isso, ao menos no começo. No fim, somos feras descontroladas e você não pode mudar isso com seu poder da positividade. Quando a besta toma conta, qualquer um pode ser nosso alimento.

O som da campainha deu aquela conversa como encerrada, Miguel subiu indo para seu quarto enquanto Paulo foi para a porta. Ele olhou pelo olho mágico vendo Mariana e Giovanna, tudo estava indo como planejado.

— Desculpa a demora, estava procurando uma camisa! — Ele falou, abrindo a porta e sorrindo para a dupla.

Giovanna sorriu para Mariana com uma cara de “não precisava” enquanto eles entravam. Mariana viu um retrato de Miguel sobre o criado e Paulo riu, deveria ter escondido aquela foto idiota.

— O Doutor Miguel é amigo da família! Como ainda não nos mudamos formalmente, ele está me deixando ficar na casa dele enquanto realiza o tratamento da minha irmã.

Mariana sentiu-se um pouco mais aliviada em saber que a casa era do médico, pois assim não sentia que estava na casa de um completo estranho. Não que eles fossem próximos, mas sentia que Miguel era uma pessoa de confiança.

— Que tudo esse lugar! — Giovanna falou olhando a sala. — Quero ser rica assim quando for adulta.

— Tudo é possível! — Paulo falou. — Vou pegar pipoca e refrigerante.

Paulo foi para a cozinha pegar a bebida já “preparada” para suas convidadas especiais. Ele levou as bebidas para as duas que conversavam na sala sobre o quão grande seria a casa de Giovanna no futuro.

— Um brinde aos novos amigos! — Giovanna falou, erguendo o copo.

Paulo olhou enquanto elas bebiam e não demorou para estarem desacordadas sobre o sofá.

— Acho que vou precisar da sua ajuda! — Ele gritou chamando por Miguel.

Os dois homens carregaram a dupla desacordada para o porão, as trancando em seus devidos lugares. Miguel olhou com pena para as jovens, aquele era o momento em que suas vidas mudariam para sempre.

— Não é culpa sua! — Paulo colocou a mão sobre o ombro do outro. — Vamos subir, voltamos quando elas acordarem.

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