Nicolas entrou na casa de fazenda fora da cidade, jogando a mochila sobre o sofá. Ele sentia-se patético em ter que fingir ser um aluno do ensino médio, mas era assim que o Clã do qual fazia parte estava sobrevivendo a tanto tempo sem ser perseguido. Sua função era procurar e eliminar todo futuro lobisomem não permitindo o aumento do número de membros da outra espécie. Dara se aproximou dele, os olhos vermelhos da vampira pareciam duas brasas em chamas contrastando com a pele cor de ébano da mulher que quase sempre mantinha sua forma das sombras.
— O Ian quer falar com você! — Dara falou sentando-se no sofá.
— Claro!
Nicolas seguiu para os fundos da casa, abrindo a porta de onde funcionava o escritório de Ian. Sobre um sofá, uma jovem estava desacordada com o pescoço sangrando, os cabelos claros da garota tomavam um tom avermelhado em contato com o sangue que gotejava em direção ao chão.
— Nicolas! — Ian falou, levantando de sua cadeira — Espero que não se importe com a presença da Ashley, estou pensando se vou a transformar ou não. O sangue desta mulher é tão bom, seria um desperdício matá-la sem beber novamente. Além disso, quem vai sentir falta de uma pessoa que leva a vida como ela? — Ian sorriu olhando para a mulher. Podia escutar o coração dela batendo tão fraco que logo pararia, aquilo o enchia de uma sádica felicidade. — Mas não foi pra falar sobre humanos que te chamei.
O homem estendeu a mão mostrando uma cadeira em frente a sua mesa para o outro sentar, e Nicolas apenas o obedeceu.
— Estamos com um problema, Nicolas. — Ian fez girar o globo que estava sobre a mesa. — Você não conseguiu encontrar o futuro lobisomem e a lua cheia está chegando. Precisamos resolver essa questão antes que os rastreadores cheguem e façam dele uma arma para nos matar.
— Seja quem for, está com o cheiro disfarçado! — ele bufou — O médico deve saber quem é o está protegendo, o que é estranho, já que ele parece não se importar muito com a questão lobisomens vs. vampiros.
— Odeio a presença daquele homem, principalmente pelo fato de que, se nos livrarmos dele, vamos chamar a atenção da maldita Alcateia. Não temos força contra eles, nenhum clã vampiro da atualidade tem. — Ian respirou fundo, arrumando os cabelos escuros. — Preciso que encontre logo quem é esse futuro lobisomem, antes da lua cheia, ou vamos ter alguns conflitos de interesse e sei que você não quer isso!
Nicolas engoliu em seco, em anos nunca tinha sido ameaçado por outro vampiro e sabia que não tinha forças contra Ian. Apesar de sua linhagem ser mais antiga do que a do outro, não haviam muitos dos seus, enquanto que a outra linhagem era formada por vampiros com mais de quinhentos anos que não passavam seu sangue se não fosse para os melhores, deixando a linhagem mais poderosa, por ser mais próxima dos primeiros vampiros. Ian era um vampiro da terceira geração de sua linhagem, enquanto que Nicolas era da décima geração. Além disso, o outro vampiro era mais velho, o que o tornava ainda mais forte.
— Pode ir agora, tenho assuntos a resolver com Ashley! — O vampiro riu, indo em direção da mulher sobre o sofá.
Nicolas deixou o escritório, seguindo para fora da casa, ele chutou uma árvore criando uma marca enorme onde a havia atingido. Thiago o observava, sentado sobre o telhado. O vampiro riu. Se tivesse o dom de rastreador como o de Nicolas e pudesse sair no sol, já estaria no poder. O vampiro no solo levantou a cabeça, vendo o vampiro sobre o telhado com a lua iluminando suas várias tatuagens espalhadas por todo o corpo.
— O que quer? — Nicolas gritou e o outro saltou do telhado para o chão.
— Estou curioso — Thiago espanou a poeira da bota —, temos quase trinta vampiros no covil e só você tem que achar os lobinhos e se livrar deles. Me deixa te ajudar novamente, prometo que vou ser um bom menino.
— Sabe que suas práticas não são bem-vistas, por isso não pode mais caçar junto comigo. E é por culpa das coisas estranhas que você faz que o Ian deixa a Dara o tempo todo na sua cola te vigiando.
— Eu sei, mas são minhas práticas que me tornaram melhor que qualquer um aqui!
Thiago sorriu, tirando as luvas e mostrando as unhas como as do começo das transformações dos lobisomens. O outro olhou com desdém para aquelas feições monstruosas. Há muito tempo havia desistido de entender o que se passava na mente de Thiago.
— Eu sou o futuro Nicolas! Se fiquei assim com pequenas doses do sangue dos lobisomens não transformados, imagina como posso ficar com uma quantidade maior do sangue de um de verdade.
Nicolas sorriu, Thiago poderia estar certo. Apesar da aparência grotesca, o outro logo seria mais poderoso do que qualquer vampiro ou lobisomem, um Deus entre qualquer espécie, mesmo que o preço para isso fosse ser uma besta mais feia do que os lobisomens.
***
A clínica já estava vazia quando o vampiro entrou sendo motivo de comentários entre as enfermeiras, falavam sobre o quão belo o homem era. Ian sorriu para a mulher na recepção, suas presas podiam ser notadas, levemente maiores que os demais dentes, mas nada que denunciava sua verdadeira natureza. A mulher sorriu timidamente de volta, já caindo aos encantos da aura sedutora que o vampiro era capaz de produzir. Ian sentia-se vitorioso, sua linhagem de sangue havia lhe dado aquele dom de seduzir qualquer humano que mostrasse o mínimo interesse por sua beleza. Era exatamente com aquele dom que sua linhagem muitas das vezes se misturava em linhagens da realeza humana seduzindo reis e rainhas no passado.
— Boa noite! — Ele olhou a atendente nos olhos. — Eu estou procurando o Doutor Miguel, a senhorita poderia me informar se ele ainda está aqui?
— Ele, está sim. — A mulher respondeu automaticamente, ainda presa nos encantos do vampiro. — Mas os atendimentos dele já encerraram.
— Se me falar onde é a sala dele, ele não vai se zangar — Ian se aproximou mais da mulher, olhando profundamente em seus olhos — é só uma visita rápida e ele não vai saber que você foi minha cúmplice.
— Tudo bem! — A atendente abriu uma gaveta, entregando um cartão de acesso para Ian que riu vitorioso. Era patética a fraqueza dos humanos contra seus poderes.
— Fico muito agradecido, minha querida. — Ele sorriu, depositando um beijo nas costas da mão da mulher hipnotizada e depois seguiu para o elevador.
Ian deixou o elevador no quarto andar, o vampiro alinhava seu terno enquanto caminhava para o consultório do médico, conseguia sentir o cheiro do outro, mesmo ainda no corredor. Ian não se importava que o outro ficasse na cidade, desde que o médico não ficasse no seu caminho. Estava indo lá exatamente para deixar isso claro, qualquer lobisomem inimigo da Alcateia era seu amigo.
— O que posso ajudar? — O médico indagou, abrindo a porta antes do outro estar próximo dela.
O vampiro sorriu, não se deixaria ser intimidado, nem pelo tamanho nem pelos olhos já amarelos do outro. Duvidava que Miguel fosse fazer qualquer coisa contra ele naquele lugar, ambos sabiam das complicações caso os humanos os descobrissem, já havia ocorrido no passado e resultou em milhares de mortes por todos os lados.
— Eu venho em paz. — Ian tirou um lenço branco de seda do bolso e o balançou no ar. — Venho quase como um amigo, alguém em quem você pode…
— Nem em um milhão de anos vou confiar em alguém da sua espécie! Não precisa nem terminar sua frase — Miguel estalou os dedos, dando um passo para dentro do consultório deixando a passagem livre para o vampiro. — Não tenho a noite toda, sanguessuga.
— Quanta indelicadeza! — O vampiro guardou o lenço enquanto entrava no escritório.
Vampiro e lobisomem pararam cara a cara, Ian sentia-se impressionado, em nenhum momento as batidas do coração do médico haviam se descompassado, era raro encontrar lobisomens tão controlados como aquele. A reação da maioria deles era de completa fúria, que não faziam o menor esforço para disfarçar.
— Vou ser breve. — Ian olhou ao redor. — Afinal, você não tem toda a eternidade para me escutar… — ele olhou para a cara zangada de Miguel, era melhor ser breve — essa cidade não pertence à Alcateia, abandonaram esse lugar e eu o controlo desde então. Basicamente, o que quero dizer é que sou eu quem dita as regras dessa cidade, mas você pode ficar aqui, desde que não me perturbe. Sei que não é mais amigo dos outros lobisomens.
Miguel ergueu uma das sobrancelhas, encarando o vampiro que se mantinha sério. Talvez o outro soubesse sobre os desaparecimentos das crianças, já que se autodeclarava dono de toda aquela cidade.
— Se dá as regras aqui, deve saber o que está acontecendo com as crianças. — Ian deu de ombros.
— Não ligo para os assuntos dos humanos, não passam de comida para mim. Mas espero que tenha sido bem claro com você.
Miguel aproximou-se do vampiro, pegando-o pelo colarinho e erguendo-o ao ar colocando-o contra a parede, as feições do médico começaram a tornar-se distorcidas. Ian deixou as presas à mostra sibilando para o outro.
— Você se engana, vampiro. — Miguel apertou ainda mais o outro contra a parede, causando rachaduras na superfície. — Enquanto o sol nascer os vampiros não vão ter poder nesse mundo, não serão donos de nada além de seus túmulos.
O lobisomem jogou o vampiro contra o chão e o outro deslizou até a outra extremidade do consultório parando perto da porta. Ian levantou-se e arrumou o terno. Se era guerra que o médico queria era isso que ele teria.
Miguel olhou pela janela, o céu ostentava uma enorme lua de cor amarelada. O homem respirou fundo, tinha mantido Mariana em segurança desde o dia em que a havia conhecido, quando ela chegou à cidade, mas depois da próxima noite não poderia mais protegê-la. A garota estaria entregue ao seu destino. Paulo se aproximou do outro na janela.— Eu tenho uma pergunta — ele falou, tirando a atenção de Miguel — Por que ninguém despertou nessa cidade há centenas de anos? Uma coisa é a Alcateia ter abandonado o lugar, outra completamente diferente é não acontecer nenhum despertar.— É o que sempre me pergunto! Quando eu fazia parte da Ordem, estávamos de olho nos desaparecimentos de crianças da cidade. Tínhamos uma suposição de que elas poderiam ser lobisomens ainda não despertos, mas a teoria acabou não dando em
Mariana acordou ainda tonta e quis esfregar os olhos, mas não conseguia levar a mão no rosto, pois estava acorrentada. A garota tentou puxar as mãos, mas as algemas das correntes eram muito justas. Ela olhou ao redor, notando que além de acorrentada estava em uma jaula, do lado de fora Giovanna estava amarrada em uma cadeira.— Giovanna. — A garota murmurou, tentando acordar a outra sem chamar atenção de quem as havia prendido. — Giovanna, acorda!Mariana tirou um dos calcanhares dos tênis jogando o calçado na amiga que acordou assustada.— Minha Nossa Senhora de Lourdes! — Ela gritou, balançando a cadeira de um lado para o outro antes de cair no chão. — Que merda é essa? Socorro! Meu tio é da polícia, vai ficar sabendo disso!— Para de gritar, sua idiota, precisamos achar uma forma de fugir — Giovanna olhou para amiga,
Paulo corria, sob sua forma da besta, em direção ao rastro do fedor dos vampiros, o cheiro estava cada vez mais forte. Ele ficou novamente sobre duas patas, farejando a trilha, quando foi atingido por uma vampira. O lobisomem bateu contra uma árvore e logo se levantou, vendo a mulher em posição de ataque com as presas aparecendo. Aquele seria um alvo fácil, ela tinha tido a vantagem do efeito surpresa e não a aproveitou para acabar com ele ou mordê-lo, agora estava totalmente vulnerável contra o lobisomem, maior e mais forte do que ela.Paulo ergueu o tórax, uivando, enquanto ela sibilava em sua direção. Ele foi ao encontro da vampira que correu ao seu encontro, preparada para atacar. O lobisomem agarrou a mulher pelos cabelos, batendo-a de um lado para o outro, antes de segurá-la pela cabeça a erguendo até a altura dos olhos. Os olhos do lobisomem brilharam sob o luar enqu
Paulo olhou para Giovanna, a humana estava tranquila, o que era um bom sinal. Outros humanos não tinham uma boa reação com a verdade, mas ela estava totalmente calma. Era essa tranquilidade que havia garantido a sobrevivência da garota na noite anterior, quando haviam lhe contado toda a verdade sobre o que eram. Como resposta a garota falou que não havia problema naquilo, contanto que ela pudesse ajudar Mariana.— Não é a primeira vez que vê um lobisomem! — Paulo perguntou para a garota que estava deitada no sofá.— Meu bisavô era um homem peculiar e numa noite o vi de madrugada — Giovanna parou pensando — ele provavelmente estava voltando a “ser gente”. Por anos achei que era coisa da minha cabeça, até a noite passada! Deveria ter perguntado para minha avó, ela sempre jogou indiretas sobre essas coisas.Paulo riu do termo “volt
Mariana suspirou antes de parar em frente de casa, suas mãos estavam trêmulas e, só então, ela notou que os dentes rangiam de nervosismo. Sua vida não era mais a mesma e, a partir daquele momento, teria que mentir para as pessoas que mais amava. Infelizmente aquilo era uma regra entre as outras espécies: evitar que os humanos descobrissem sobre suas existências. Dessa forma, conseguiam garantir a segurança de todos por milhares de anos.A garota destrancou o portão e colocou um sorriso falso no rosto, entrando na casa. O lugar estava silencioso, provavelmente a mãe estava cuidando da loja. Na sala, algumas fotos da família fizeram seus olhos se encherem de lágrimas. Aqueles dias nunca mais voltariam, ela não seria mais a mesma. Mariana conteve as lágrimas, sentia falta do pai naquele momento mais do que sentiu em toda sua vida. Talvez ele poderia ter a ajudado. Se ele ainda estives
Nicolas olhava enquanto Thiago andava de um lado para o outro, visivelmente impaciente, estavam trancados em um pequeno mausoléu no cemitério da cidade. Tinham saído para procurar o futuro lobisomem, mas se esconderam depois que Nicolas reconheceu o cheiro da criatura que caçavam como sendo de um membro da linhagem dos rastreadores lobisomens. Não arriscariam uma luta direta com a linhagem pura dos lobisomens. Teriam de ficar no esconderijo até o pôr do sol quando finalmente poderiam retornar para a fazenda. O lugar empoeirado tinha uma mistura de cheiros de flores de cravo e morte recente, o odor forte incomodava Nicolas. Gostava de humanos enquanto ainda vivos, depois da morte não tinham mais nenhuma utilidade para sua espécie, daquela forma eram apenas repugnantes.— Escutou o uivar ontem à noite? Acha que vai ser seguro você continuar com seu plano de se tornar um híbrido? — Nico
Os dois lobisomens corriam lado a lado pela floresta. Mariana sentia-se livre como nunca havia se sentido em toda sua vida. Os pequenos animais que viviam por lá fugiam deles, mas aquilo não era um problema. Não estava lá procurando por coelhos, seu alvo era uma presa bem maior. A jovem lobisomem pulou por sobre uma árvore caída enquanto farejava o ar. O odor forte dos vampiros de alguma forma parecia a atrair e era aquele cheiro que ela estava perseguindo.Mariana olhou para Paulo ao seu lado, os dois não podiam se comunicar verbalmente, mas era como se suas mentes fossem apenas uma enquanto estavam na forma animalesca. Era hora de testar o quão potente seu faro era naquela forma. Ela ficou sobre as duas pernas farejando suas presas, mas o cheiro não remetia a apenas um, talvez houvesse muitos deles. Paulo notou a mesma coisa, aquele não seria um bom lugar de caça. Se existia um clã, eles est
10 anos antesO garoto correu por entre as árvores, seu corpo esguio de apenas treze anos se movia por entre a escuridão da mata enquanto escutava os latidos dos cães de caça que pertenciam à sua família. Os animais o perseguiam pelo bosque, seu próprio pai havia soltado os cães para irem atrás do garoto. A cada passo sentia mais o suor gelado que escorria por sua pele, o corpo também reagia mal à toda aquela agitação. Sua temperatura subia cada vez mais, por culpa da doença em seu sangue. Estava disposto a não parar sua fuga, mesmo que isso lhe custasse a vida. Apenas não queria mais viver naquele lugar, não poderia prosseguir com aquela vida onde era sempre um erro. Tinha sido um desperdício do tempo do pai, como o próprio homem havia lhe dito. Se questionava: o que adiantaria continuar seu tratamento, se não poderia cumprir sua miss&at