Bom, aqui estou eu para a minha mais nova realidade, em busca de um sonho, reencontrar a minha família, rever os meus amigos e descobrir porque todos se afastaram de. Mas, isso ficará para depois, por enquanto eu preciso desaparecer para que o meu marido nunca me encontre e quem sabe conquistarei a minha tão sonhada liberdade?
***
Dias atuais...
— Ei, garota, ou, acorda! — Uma voz masculina pede e com um resmungo baixo, eu me ajeito em cima da poltrona, olhando o lado de fora do ônibus. — Já chegamos. — Ele informa.
— Chegamos aonde? — questiono após bocejar e me espreguiçar, olhando com curiosidade a belíssima cidade através da janela.
— Estamos em Monte Verde, senhorita, no interior de Minas Gerais. — Ele diz e meu peito infla tanto que parece que os meus pulmões vão explodir, e um sorriso tão grande vem logo em seguida. No mesmo instante me agito e tiro minha bolsa do bagageiro acima da minha cabeça e me habilito a sair do coletivo. Qual a sensação de pisar no chão com os meus próprios pés? É verdadeiramente indescritível. Simplesmente não consigo comparar, nem mesmo quando eu era solteira e viajava pelo mundo a fora se comparar a essa sensação. Ai, Deus, eu não consigo parar de sorrir e nem de olhar para todos os lados ao mesmo tempo. Tudo aqui é tão lindo e é tão… atrativo! Casas pequenas, com telhados alaranjados, paredes brancas, com desenhos delicados e flores, tem flores por todos os lugares que se possa imaginar. Nas portas, nas janelas, calçadas e postes. É incrível, mas o meu sorriso cresceu ainda mais. A quanto tempo não sorrio de verdade? Faz muito tempo mesmo, anos na verdade.
— Caramba, até as pessoas daqui são bonitas! — sussurro, admirando o aspecto dos moradores que passeiam alheias pelas calçadas. Seguro firme a minha bolsa e caminho por mais algum tempo desbravando a cidade e suas infinitas belezas, até sentir o meu estômago reclamar sem um mínimo de receio. Só então me lembro de que não como nada desde ontem à noite. Pensar nisso me leva ao momento mais louco da minha vida. Sacudo a cabeça. — Não, não quero me prender a isso agora — resmungo para a minha pessoa e continuo a andar, até encontrar um lugar aconchegante para comer algo. — Quitanda da Lídia. — Leio a placa, sorrindo igual uma boba e entro no estabelecimento. Logo o cheiro adocicado das massas me rodeia e invade as minhas narinas, cativando-me. Enquanto caminho lentamente pelo curto corredor de prateleiras de vidro, olho para todas as sortes de massas expostas nelas e me perco olhando de uma para a outra sem saber exatamente o que escolher.
— Bom dia! Você é turista? — Uma garota ruiva e com sardas no rosto pergunta, parando ao meu lado. Tiro a cara que estava quase colada no vidro transparente e a olho sem abandonar o meu mais novo amigo… o meu sorriso feliz.
— Bom dia! Ah, não, na verdade, eu acabei de me mudar para essa cidade.
— Ou, que legal! Quer pedir algo? — Ela aponta para as prateleiras. Dou de ombros com um suspiro.
— Confesso que estou com a boca cheia d'água, mas não sei o que pedir realmente. Alguma sugestão?
— Claro! A moda da casa, vem, vou te mostrar. — Ela contorna o balcão e eu sigo logo atrás dela. — Esse é o famoso pão de queijo de minas, ele é o campeão de vendas entre os turistas nessa época do ano e esse aqui é o queijo ferral, saboroso para acompanhar o pão de sal.
— Ai nossa, parecem deliciosos!
— Faz o seguinte, escolha uma mesa lá fora, na calçada, se acomode e aprecie a nossa cidade. Vou montar uma bandeja especial para você e assim poderá experimentar de tudo um pouco, o que acha?
— Sério? Quer dizer, você pode fazer isso?
— Sim, eu posso! — Ela parece se divertir com o meu jeito de falar. — A propósito, me chamo Lídia. — Arqueio as sobrancelhas.
— Lídia? A mesma da placa?
— Exatamente a mesma Lídia da placa.
— Eu me chamo Eva… — Hesito e ela aguarda que eu conclua a minha apresentação. — Eva Ferri.
— Ferri. É um prazer te conhecer!
— Obrigada, é um prazer também!
Como foi sugerido, escolho uma mesa embaixo do Tudor da loja e aprecio mais uma vez a beleza de Monte Verde, e minutos depois, Lídia chega à mesa com uma bandeja grande e bem recheada com pães, torradas, rosquinhas, bolinhos, tortinhas e muito mais. Ela se senta em uma cadeira de frente para mim e serve duas xícaras de café preto. Ficamos um bom tempo devorando essa comida maravilhosamente deliciosa e jogando conversa fora. Enfim, descobri que Lídia não é dessa cidade, mas chegou a este lugar casada com um padeiro mineiro, daí a ideia de abrir a própria quitanda e mesmo após a sua separação, ela continuou trabalhando no que a satisfaz e a deixa realizada. Falar de mim para ela não foi algo muito fácil, então fiz um breve resumo dos fatos: casada, separada e procurando respirar ares diferentes.
— Sabe onde encontro uma pousada, ou um hotel barato para dormir por aqui?
— Pode ter certeza de que eu sei. — Ela aponta para o outro lado da rua. — Aquela é a pousada da senhora Dolores. Ela é uma senhora maravilhosa e te receberá com muito carinho.
— Nossa, obrigada, Lídia, você me salvou outra vez!
— De nada! Mas, espere um pouco, vou colocar essas sobras em uma bandeja e você poderá experimentar o que não aguentou.
— Claro! Só, me fala quanto custou esse café da manhã tão exageradamente gostoso?
— Para você, nada! Não sei por que mas adorei te conhecer! Considere esse gesto como um presente de boas-vindas, hã?
— De verdade? — indago incrédula.
— De verdade.
A pousada da Dolores é tão graciosa por fora quanto é por dentro. Os tons avermelhados da madeira em contraste com o branco das paredes, a torna ainda mais aconchegante. É interessante dizer que boa parte da estrutura dessa pousada é toda em madeira e poucas partes são de vidros e alvenaria. O verde que rodeia esse lugar transmite muita paz e eu não me canso de olhar o lado de fora pela janela. Após estar devidamente instalada em um dos quartos, aproveito para descansar um pouco e à noite visto pelo menos três pares de roupas, tamanho o frio que faz aqui. E devo ter ficado maluca, pois nesse exato momento estou dançando sozinha no meio do cômodo e rindo à toa. E quando a música imaginária em minha cabeça termina me deixo cair em cima do colchão. Nunca imaginei que um dia sentira falta dessa minha liberdade. Penso e puxo o edredom, cobrindo o meu corpo um pouquinho gelado. Pego o meu livro em cima do criado mudo e me dedico a leitura até ser vencida pelo cansaço mais uma vez. Durante a noite tenho um sono inquieto e me mexo muito na cama, e em algum momento abro uma brecha de olho. Noto que o meu livro está caído no chão e com um resmungo baixo o pego e ponho de volta no pequeno móvel. Enquanto me ajeito debaixo das cobertas quentinhas, percebo a porta do quarto se abrir lentamente e imediatamente fico em alerta. Meu coração dispara como um louco enfurecido quando Logan entra no aposento e seu olhar duro cai sobre mim.
— Como… como me encontrou aqui? — indago em um misto de desespero e nervosa, sentindo uma ânsia de vômito subir pela minha garganta. Ele não me responde, apenas me dá as costas e fecha lentamente a porta com uma chave, me encarando logo em seguida.
— Não acreditou que conseguiria fugir de mim, não é, Eva? — Seu tom de voz está incrivelmente grosso e calmo. Contudo, as lágrimas preenchem os meus olhos sem medida e começam a se derramar imediatamente, molhando o meu rosto, e o meu ar é cortado no mesmo instante.
— Ah!!! — Solto um grito abafado, puxando o ar exasperadamente, e abro os olhos, encontrando a penumbra do quarto. Desesperadamente me sento no colchão e acendo a luz do abajur, certificando-me que o cômodo está completamente quieto e vazio. Engulo com dificuldade em meio a uma respiração conturbada. — Foi só pesadelo — digo para mim mesma e repito várias e várias vezes. Rapidamente me livro dos lençóis e salto para fora da cama, recebendo o frio do piso sobre os meus pés, fazendo-me arrepiar inteirinha. Calço os confortáveis chinelos de dedo e corro para o banheiro, debruçando-me no vaso sanitário e começo a vomitar, até que não me reste nada no estômago. Minutos depois, saio do quarto e caminho pelo longo corredor em busca de alívio. A casa toda está silenciosa, o que me diz que todos devem estar dormindo agora. Dirijo-me direto para a cozinha da pousada e acendo uma luz. Chá. Eu preciso de um chá para me acalmar. Calmamente começo a mexer em algumas gavetas e portas em busca de algo milagroso que me ajude com essa agonia.
O sol finalmente brilha para todos.— Acordada a essa hora, menina? — A voz da doce senhora me faz parar rígida a caminho do fogão.— Ah, é! — Chego a resfolegar. — Tive um pesadelo e…— Gostaria de um chá. – Ela afirma e eu respiro fundo.— Sim, eu gostaria.— Sente-se, menina, deixe isso comigo. — Apenas assinto sem contestar.Observo dona Dolores ir para atrás do balcão e abaixo dele ela pega um enorme pote de vidro com algumas folhas dentro dele. — Eu amo chá de laranjeira e ele vai te ajudar a dormir melhor. — Sorrio de boca fechada. Dormir melhor, é disso que eu preciso. Penso. — Quando estou sem sono é ele quem me salva e quando se está muito agitada, ele é um santo remédio. — Ela resmunga e põe algumas folhas dentro do bule, o levando ao fogo em seguida. — Não quero me meter na sua vida, menina, mas algo me diz que você veio para Monte Verde para se esconder de algo que te faz muito mal. — A mulher comenta e me lança um olhar escrutínio que me deixa incomodada. Até parece que
Uma segunda chance para a vida.Havia me esquecido de como é bom me divertir, conversar, sorrir e ter amigos, mas principalmente, havia me esquecido de que preciso tomar decisões e continuar com a minha vida tomando essas decisões. Tipo, por três anos precisei ocupar o meu tempo para não enlouquecer e agora preciso ocupar o meu tempo para me favorecer e acredite, viver enfiada na quitando da Lídia ou enfurnada no quarto da pousada de dona Dolores me mantém no patamar que antes, com o diferencial de que não vivo tensa e sim, sorridente. É como se eu fosse um passarinho e por muitos anos a portinha da gaiola estivesse fechada, no entanto, agora ela que está aberta e eu simplesmente não sei por onde começar. Contudo, preciso fazer algo que me faça sentir útil. Eu preciso de um emprego... acho. Penso enquanto ajudo a doce senhora a guardar a louça dentro do armário.— Eu estive pensando — comento de repente. Ela me entrega outra pilha de loucas limpas e secas, e eu levo para o outro armár
Nem tudo é perfeito, mas ainda assim, vale a pena viver.— Boa sorte para você! — A mulher resmunga e se afasta da porta, voltando pelo corredor.— O quê? Você não vai...— Boa sorte, garota! — Respiro fundo e encaro a porta fechada por alguns segundos, e só então eu levo uma mão ao trinco, girando-o logo em seguindo e abro apenas uma brecha. Imediatamente levo a outra mão a boca e seguro o riso quando vejo que as meninas estão envolvidas em uma guerra de travesseiros em cima das camas de solteiro, que estão uma bagunça. Abro ainda mais a porta e adentro o quarto para chamar-lhes a atenção, mas, elas parecem não perceber a minha presença. Até um apito agudo soar por todo o cômodo. Um som tão irritante que me faz tampar os ouvidos. As meninas param a guerra imediatamente e olham na direção do som.— Suas pestinhas mal-educadas, parem com isso já! — Só então me dou conta de que a sargenta... digo, a governanta havia voltado.— Sua chata! — Uma das meninas ralha e desce da cama. A outra
Uma babá fora de série.Respiração pesada, suor frio, medo e pavor. Eu consigo ouvir até os sons dos seus passos pelo longo corredor atrás daquela porta. Droga, a noite aqui nessa mansão parece bem pior do que o dia! Penso e imediatamente vou para a pequena varanda. Apoio-me no peitoril e puxo a respiração várias e várias vezes, mas para o meu desespero, ela não vem.— Ele não está aqui, Eva. Ele não está aqui. — Repito incontáveis vezes, tentando me convencer do óbvio, mas o meu cérebro parece não aceitar essa informação. Forço-me a abrir os olhos e tenho o vislumbre da garoa fina que começa a cair pela madrugada, molhando as folhagens do jardim. Extremamente ofegante, eu saio da cama e na sequência do quarto apressada, e ando com a mesma pressa pelo corredor, abraçando a escuridão dos cômodos pelo caminho, e com uma ansiedade palpável, abro a porta da frente e aprecio o frio implacável que vem do lado de fora. Ansiosa pela paz, eu corro de encontro ao frio da madruga, recebendo os p
Uma doce melodia tem poder de afastar os nssos medos.— Esperem aqui, meninas, eu tive uma ideia. — Salto para fora da cama, ouvindo os seus protestos atrás de mim e corro até o quarto delas. Pego seus celulares e os fones de ouvidos que estão largados nos criados mudos ao lado de suas camas e volto imediatamente para o meu quarto. — Prontinho. Agora coloquem esses fones — peço sem lhes dar muitas explicações e começo a mexer nos aparelhos. Logo uma melodia clássica começa a tocar e elas me encaram desnorteadas. — Agora se deitem e concentrem-se nessa música. Ela vai acalmá-las e vocês não vão mais ouvir esses trovões. — Elas se olham e depois para mim.— Tem certeza, Eva? — Sorrio para passar-lhes confiança.— Só, fechem os olhos e concentrem-se na melodia, meninas — insisto e não demora para elas relaxarem e adormecerem. No segundo seguinte, estou sozinha outra vez e volto para os meus pensamentos errantes. Fito as garotas adormecidas por algum tempo e penso se aquela música seria c
— Você viu o que eu vi? — Ska pergunta livrando-se das suas roupas para entrar no chuveiro, enquanto me dedico a escovar os meus dentes diante do espelho retangular da bancada de mármore perolado. — Eles não pareciam... — Rolo os olhos para essa conversa completamente sem sentido. Diferente de mim, Ska é uma garota romântica e sonhadora. Ela costuma ver tudo cor de rosa e para tudo existe um lado bom das coisas. Já eu, sou mais realista e durona, do tipo pé no chão mesmo e desde o acidente de mamãe, sinto-me responsável por tanto por ela quanto pelo nosso pai. Valéria pode até me achar criança demais, a final, quem daria ouvidos a uma adulta minúscula de apenas sete anos que ver a realidade nua e crua da vida como eu? Arg! Ela pensa que não percebi, mas com certeza está rodeando o meu pai, e pode ter certeza de que não irei facilitar uma relação entre eles. Ela até podia ser a pessoa certa para o cargo de esposa do senhor Erick Ventura e mãe perfeita para as filhas de um viúvo descons
A arte imita a vida.Horas depois...— Ok, meninas, do que vocês precisam? — Eva pergunta, entrando no nosso quarto de brinquedos. É final de tarde e tudo está preparado para a nossa encenação. Em um canto perto de uma janela larga tem uma pequena mesa montada com um jantar de mentirinha para duas pessoas.— Precisamos da sua ajuda para ensaiar. — Ergo as páginas com as nossas falas diante dos seus olhos.— Sei, e o que eu tenho que fazer? Eu as observo, enquanto falam?— Na verdade, você também terá que interpretar para abrir o nosso momento de falar.— Você já fez alguma peça na vida, Eva? — Ska indaga se aproximando.— Sim, mas já faz muito tempo.— Então tem ideia de como se faz.— Sim, eu tenho.— Ótimo! Vem, sente-se aqui — peço e seguro a sua mão, e a faço ocupar uma cadeira pequena e cor de rosa. A porta do quarto se abre outra vez e papai passa por ela completamente afobado. Ele engole com dificuldade, devido a respiração ofegante. Provavelmente correu para o nosso quarto. Pe
As vezes uma boa surpresa tem o poder de libertar uma alma dolorida.Não é ele! Não é ele! Não é ele! Não é ele! Repito incontáveis vezes, enquanto corro para longe da mansão.“VOCÊ VAI JANTAR COMIGO, PORQUE ME PERTENCE, É MINHA E EU MANDO EM TUDO NESSE LUGAR!!!” O som raivoso continua a ecoar de um lado para o outro dentro da minha cabeça. Por que ele não me deixa em paz de uma vez? Por que não consigo esquecer de tudo que me fez? Eu só... quero ser normal outra vez! Ofegante, paro em frente ao lago e sem forças, me sento na grama. Logo sinto a presença do senhor Ventura ao meu lado e de rabo de olho o observo levar os braços acima dos joelhos. Ele não diz nada, nem mesmo uma pergunta e o seu silêncio, assim como os berros que deu dentro daquele quarto é assustador. Fale alguma coisa! Fale alguma coisa! Meu ser pede desesperado. Eu preciso calar aqueles gritos dentro da minha cabeça. Os malditos gritos.— Eu... sou casada. — As palavras escapam trêmulas da minha boca sem eu sentir e