10

Nem tudo é perfeito, mas ainda assim, vale a pena viver.

— Boa sorte para você! — A mulher resmunga e se afasta da porta, voltando pelo corredor.

— O quê? Você não vai...

— Boa sorte, garota! — Respiro fundo e encaro a porta fechada por alguns segundos, e só então eu levo uma mão ao trinco, girando-o logo em seguindo e abro apenas uma brecha. Imediatamente levo a outra mão a boca e seguro o riso quando vejo que as meninas estão envolvidas em uma guerra de travesseiros em cima das camas de solteiro, que estão uma bagunça. Abro ainda mais a porta e adentro o quarto para chamar-lhes a atenção, mas, elas parecem não perceber a minha presença. Até um apito agudo soar por todo o cômodo. Um som tão irritante que me faz tampar os ouvidos. As meninas param a guerra imediatamente e olham na direção do som.

— Suas pestinhas mal-educadas, parem com isso já! — Só então me dou conta de que a sargenta... digo, a governanta havia voltado.

— Sua chata! — Uma das meninas ralha e desce da cama. A outra se deixa cair no colchão e ambas olham para mim.

— Quem é você? — Elas perguntam em uníssono. Abro a boca para responder-lhes, porém, a mulher ao meu lado me rouba a oportunidade.

— Ela se chama Eva e será a nova babá de vocês.

— Ah, que merda!

— Jade, olha essa boca!

— Ah, sai daqui sua velha idiota!

— Sabe o que eu acho? Que a Valéria deveria cuidar diretamente de vocês. Melhor, ela devia interná-las em um colégio interno. Definitivamente não sei o que ela está esperando para fazer isso! — As crianças pegam os travesseiros e jogam na governanta, que sai correndo horrorizada para fora do quarto. Mais uma vez me pego rindo das travessuras dessas garotas. Contudo, paro quando percebo que elas ainda me encaram sérias demais. Constrangida, limpo a minha garganta e decido falar algo para elas.

— Deixe-me apresentar direto para vocês. Eu me chamo Eva Ferri e o contrário do que acabaram de lhes dizer, eu não vim aqui para colocá-las nos eixos e sim, para tornar a vida de vocês um pouco mais doce. — As garotinhas se olham desconfiadas e depois para mim.

— Doce? Valéria sempre arrumou sargentos para nos fazer andar na linha. Por que com você seria diferente? — Dou de ombros.

— Bom, eu poderia dizer qualquer coisa para convencê-las, mas prefiro que comprovem o que estou dizendo por si mesmas. Que tal alguns dias como experiência? Se gostarem, eu fico e ajudo a cuidar de vocês, se não, vou embora sem reclamar. — Elas voltam a se olhar e misteriosamente se afastam para perto de uma janela. As meninas começam a conversar baixinho entre si. Em algum momento elas param o diálogo, olham para mim de novo e voltam a falar.

— Feito! — Uma delas diz, me estendendo uma mão. Com um sorriso satisfeito, eu aperto a mão dela e depois a da outra garota.

— Eu sou a Jade e essa é a Skarlitti. — Olho de uma para a outra constatando como é incrível semelhança entre elas!

— Ok, e tem alguma maneira de eu identificá-las? — Abro um sorriso amarelo.

— Até tem, mas não vamos facilitar assim para você, babá. — Jade rebate e pisca um olho para mim e a Skarlitti sorri malévola. Reviro os olhos.

— Tudo bem, eu me viro! Agora, que tal sairmos um pouco desse quarto e brincarmos lá fora no jardim?

— Sério? A tia Valéria jamais permitiria isso. — Dou de ombros.

— Bom, eu preciso provar algo a vocês, certo? E então, vocês vêm?

***

Observar as meninas correndo, gritando e rindo com uma animação exagerada me traz boas lembranças de casa. Eu costumava cuidar dos meus primos pequenos nas horas vagas, ou quando minha tia precisava ir trabalhar. Ela não confiava em babás e eu gostava de ficar com eles. E voltando a esse momento aqui, a brincadeira da hora é barra bandeira e acreditem, elas nunca ouviram falar. Mas podem apostar que elas estão se divertindo como nunca. Contudo, quando o cansaço chegou nos deitamos na grama e admiramos para o céu em silêncio. E, nossa! Ele está tão lindo e sem uma sombra de nuvens. Os sons das nossas respirações aceleradas se misturam a brisa suave e mesmo sem saber o porquê, me pego sorrindo. O barulho de um carro me faz sentar e curiosa, eu observo o carro negro seguir pela longa passarela de concreto até parar em frente à casa. Um homem usando um quepe escuro sai do veículo e abre a porta para um homem que está ao telefone. Inevitavelmente observo o seu porte: alto, muito alto e o conjunto de terno caro o torna uma figura poderosa, imponente. Ele parece bravo alguém e isso me faz lembrar uma pessoa que quero muito apagar da minha existência. O homem se afasta do carro e caminha com passos firmes o curto trajeto da passarela até a casa, enquanto faz alguns gestos expressivos com as mãos. O mais intrigante dessa visão é a sua fisionomia. Embora ele esteja bravo com algo, não me parece uma pessoa ruim, nem frio, nem mesmo rígido. Ele parece... triste, muito triste. Suspiro.

— Ele não é lindo? — A voz da garotinha ao meu lado me desperta e me faz desviar o olhar.

— O quê? — questiono desnorteada.

— Nosso pai, ele não é lindo? — A outra menina repete a indagação. Volto a olhá-lo. Juro que não parei para observar os seus detalhes. Cabelos curtos e escuros, pele clara e rosto livre de pelos. É tudo que consigo ver daqui. Dou de ombros.

— Eu não sei, não reparei — falo com desdém, afinal, eu não vim aqui para isso mesmo. — Que tal mais uma rodada? — sugiro e elas se animam.

— Eva, será que podemos conversar um minuto? — Valéria pede, acabando com a nossa alegria. Bufo ao perceber a cara de poucos amigos que a mulher traz consigo.  — Meninas, entrem, está na hora do banho.

Aaah! — Elas resmungam frustradas, mas obedecem.

— Eva, venha comigo.

De volta a sala de visitas, não encontro Dolores em lugar nenhum. Com um tom sério e devo até dizer um pouco ríspido Valéria pede para sentar-me em um dos sofás e ela se acomoda de frente para mim. A mulher me avalia em silêncio por um tempo, deixando-me um pouco constrangida, porém, mantenho o meu olhar firme no seu e ela finalmente abre a boca.

— Gostei de você interagindo com as meninas — comenta para a minha satisfação, porém, aguardo que continue. — E pelo jeito elas também gostaram muito de você. — Não seguro um sorriso sutil. — Mas, preciso que esteja disponível vinte e quatro horas por dia e todos os dias da semana aqui na mansão.

Op’s!

— Desculpe, eu não entendi.

— Estou dizendo que você precisará se mudar para essa casa, Eva. Seu quarto será ao lado do quarto das meninas, assim, se elas precisarem, você estará lá por elas a qualquer hora do dia ou da noite. — Limpo a garganta.

— Então, eu terei que dormir aqui? — Merda, eu não esperava por isso!

— A caso estou falando grego, garota? — Respiro fundo para essa indagação autoritária. — Solicitei a um dos empregados que levasse a Dolores para a pousada e na volta ele trará as suas coisas.

— Mas… — Tento protesta, mas ela continua.

— A sua folga será nos domingos e poderá ir aonde quiser, e quando quiser. É claro que pode acontecer de precisarmos dos seus serviços nesses dias também, e se isso acontecer não se preocupe, receberá um extra pelo seu trabalho — balbucio, mas não consigo dizer nada. — A governanta lhe mostrará o seu quarto, no entanto, antes de ir quero avisá-la que terá todo um cronograma diário a fazer com essas meninas. Quero elas bem ocupadas até o momento de ir para a cama. O senhor Valverde tem muito o que fazer e não tem tempo para crianças agora. — O que dizer do que acabei de ouvir? Esses adultos são feitos de que, de gelo? — Pode ir agora, Eva. — É claro que sim! Resmungo internamente igual uma criança birrenta. Carrasca é pouco para se dizer dessa mulher e essas meninas têm toda razão, a tia não gosta delas e faz de tudo para separá-las do pai. Penso enquanto subo as escadas logo atrás da governanta, sentido um arrepio na coluna a cada degrau que ponho os meus pés. Eu simplesmente não consigo evitar de pensar que ficar nessa casa me fará mal de todas as formas possíveis. Ela abre a porta do quarto de hóspedes e no mesmo segundo sou absorvida por sua elegância e requinte, e ela se fecha atrás de mim fazendo um eco horrendo, comparando-se as portas de ferro de uma cela.

Respiro profundamente e repito esse ato várias vezes sem deixar transparecer o meu pavor.

— Temos horários para tudo nessa casa, garota. Desjejum, almoço, lanche e até mesmo jantar. Não deixe essas meninas se atrasarem, a Valéria detesta atrasos. Quando suas coisas chegarem não se preocupe, alguém virá arrumar tudo em seus devidos lugares. — Viro-me para olhá-la, porém, ela me olha dos pés à cabeça com desdém. — Se mexa, você não veio aqui a passeio — ralha fazendo um gesto desprezível com as mãos.

— Tá! — Mexo-me rapidamente, dando graças a Deus por finalmente sair do quarto aliviada e passo o resto do dia com as gêmeas.

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