Nem tudo é perfeito, mas ainda assim, vale a pena viver.
— Boa sorte para você! — A mulher resmunga e se afasta da porta, voltando pelo corredor.
— O quê? Você não vai...
— Boa sorte, garota! — Respiro fundo e encaro a porta fechada por alguns segundos, e só então eu levo uma mão ao trinco, girando-o logo em seguindo e abro apenas uma brecha. Imediatamente levo a outra mão a boca e seguro o riso quando vejo que as meninas estão envolvidas em uma guerra de travesseiros em cima das camas de solteiro, que estão uma bagunça. Abro ainda mais a porta e adentro o quarto para chamar-lhes a atenção, mas, elas parecem não perceber a minha presença. Até um apito agudo soar por todo o cômodo. Um som tão irritante que me faz tampar os ouvidos. As meninas param a guerra imediatamente e olham na direção do som.
— Suas pestinhas mal-educadas, parem com isso já! — Só então me dou conta de que a sargenta... digo, a governanta havia voltado.
— Sua chata! — Uma das meninas ralha e desce da cama. A outra se deixa cair no colchão e ambas olham para mim.
— Quem é você? — Elas perguntam em uníssono. Abro a boca para responder-lhes, porém, a mulher ao meu lado me rouba a oportunidade.
— Ela se chama Eva e será a nova babá de vocês.
— Ah, que merda!
— Jade, olha essa boca!
— Ah, sai daqui sua velha idiota!
— Sabe o que eu acho? Que a Valéria deveria cuidar diretamente de vocês. Melhor, ela devia interná-las em um colégio interno. Definitivamente não sei o que ela está esperando para fazer isso! — As crianças pegam os travesseiros e jogam na governanta, que sai correndo horrorizada para fora do quarto. Mais uma vez me pego rindo das travessuras dessas garotas. Contudo, paro quando percebo que elas ainda me encaram sérias demais. Constrangida, limpo a minha garganta e decido falar algo para elas.
— Deixe-me apresentar direto para vocês. Eu me chamo Eva Ferri e o contrário do que acabaram de lhes dizer, eu não vim aqui para colocá-las nos eixos e sim, para tornar a vida de vocês um pouco mais doce. — As garotinhas se olham desconfiadas e depois para mim.
— Doce? Valéria sempre arrumou sargentos para nos fazer andar na linha. Por que com você seria diferente? — Dou de ombros.
— Bom, eu poderia dizer qualquer coisa para convencê-las, mas prefiro que comprovem o que estou dizendo por si mesmas. Que tal alguns dias como experiência? Se gostarem, eu fico e ajudo a cuidar de vocês, se não, vou embora sem reclamar. — Elas voltam a se olhar e misteriosamente se afastam para perto de uma janela. As meninas começam a conversar baixinho entre si. Em algum momento elas param o diálogo, olham para mim de novo e voltam a falar.
— Feito! — Uma delas diz, me estendendo uma mão. Com um sorriso satisfeito, eu aperto a mão dela e depois a da outra garota.
— Eu sou a Jade e essa é a Skarlitti. — Olho de uma para a outra constatando como é incrível semelhança entre elas!
— Ok, e tem alguma maneira de eu identificá-las? — Abro um sorriso amarelo.
— Até tem, mas não vamos facilitar assim para você, babá. — Jade rebate e pisca um olho para mim e a Skarlitti sorri malévola. Reviro os olhos.
— Tudo bem, eu me viro! Agora, que tal sairmos um pouco desse quarto e brincarmos lá fora no jardim?
— Sério? A tia Valéria jamais permitiria isso. — Dou de ombros.
— Bom, eu preciso provar algo a vocês, certo? E então, vocês vêm?
***
Observar as meninas correndo, gritando e rindo com uma animação exagerada me traz boas lembranças de casa. Eu costumava cuidar dos meus primos pequenos nas horas vagas, ou quando minha tia precisava ir trabalhar. Ela não confiava em babás e eu gostava de ficar com eles. E voltando a esse momento aqui, a brincadeira da hora é barra bandeira e acreditem, elas nunca ouviram falar. Mas podem apostar que elas estão se divertindo como nunca. Contudo, quando o cansaço chegou nos deitamos na grama e admiramos para o céu em silêncio. E, nossa! Ele está tão lindo e sem uma sombra de nuvens. Os sons das nossas respirações aceleradas se misturam a brisa suave e mesmo sem saber o porquê, me pego sorrindo. O barulho de um carro me faz sentar e curiosa, eu observo o carro negro seguir pela longa passarela de concreto até parar em frente à casa. Um homem usando um quepe escuro sai do veículo e abre a porta para um homem que está ao telefone. Inevitavelmente observo o seu porte: alto, muito alto e o conjunto de terno caro o torna uma figura poderosa, imponente. Ele parece bravo alguém e isso me faz lembrar uma pessoa que quero muito apagar da minha existência. O homem se afasta do carro e caminha com passos firmes o curto trajeto da passarela até a casa, enquanto faz alguns gestos expressivos com as mãos. O mais intrigante dessa visão é a sua fisionomia. Embora ele esteja bravo com algo, não me parece uma pessoa ruim, nem frio, nem mesmo rígido. Ele parece... triste, muito triste. Suspiro.
— Ele não é lindo? — A voz da garotinha ao meu lado me desperta e me faz desviar o olhar.
— O quê? — questiono desnorteada.
— Nosso pai, ele não é lindo? — A outra menina repete a indagação. Volto a olhá-lo. Juro que não parei para observar os seus detalhes. Cabelos curtos e escuros, pele clara e rosto livre de pelos. É tudo que consigo ver daqui. Dou de ombros.
— Eu não sei, não reparei — falo com desdém, afinal, eu não vim aqui para isso mesmo. — Que tal mais uma rodada? — sugiro e elas se animam.
— Eva, será que podemos conversar um minuto? — Valéria pede, acabando com a nossa alegria. Bufo ao perceber a cara de poucos amigos que a mulher traz consigo. — Meninas, entrem, está na hora do banho.
— Aaah! — Elas resmungam frustradas, mas obedecem.
— Eva, venha comigo.
De volta a sala de visitas, não encontro Dolores em lugar nenhum. Com um tom sério e devo até dizer um pouco ríspido Valéria pede para sentar-me em um dos sofás e ela se acomoda de frente para mim. A mulher me avalia em silêncio por um tempo, deixando-me um pouco constrangida, porém, mantenho o meu olhar firme no seu e ela finalmente abre a boca.
— Gostei de você interagindo com as meninas — comenta para a minha satisfação, porém, aguardo que continue. — E pelo jeito elas também gostaram muito de você. — Não seguro um sorriso sutil. — Mas, preciso que esteja disponível vinte e quatro horas por dia e todos os dias da semana aqui na mansão.
Op’s!
— Desculpe, eu não entendi.
— Estou dizendo que você precisará se mudar para essa casa, Eva. Seu quarto será ao lado do quarto das meninas, assim, se elas precisarem, você estará lá por elas a qualquer hora do dia ou da noite. — Limpo a garganta.
— Então, eu terei que dormir aqui? — Merda, eu não esperava por isso!
— A caso estou falando grego, garota? — Respiro fundo para essa indagação autoritária. — Solicitei a um dos empregados que levasse a Dolores para a pousada e na volta ele trará as suas coisas.
— Mas… — Tento protesta, mas ela continua.
— A sua folga será nos domingos e poderá ir aonde quiser, e quando quiser. É claro que pode acontecer de precisarmos dos seus serviços nesses dias também, e se isso acontecer não se preocupe, receberá um extra pelo seu trabalho — balbucio, mas não consigo dizer nada. — A governanta lhe mostrará o seu quarto, no entanto, antes de ir quero avisá-la que terá todo um cronograma diário a fazer com essas meninas. Quero elas bem ocupadas até o momento de ir para a cama. O senhor Valverde tem muito o que fazer e não tem tempo para crianças agora. — O que dizer do que acabei de ouvir? Esses adultos são feitos de que, de gelo? — Pode ir agora, Eva. — É claro que sim! Resmungo internamente igual uma criança birrenta. Carrasca é pouco para se dizer dessa mulher e essas meninas têm toda razão, a tia não gosta delas e faz de tudo para separá-las do pai. Penso enquanto subo as escadas logo atrás da governanta, sentido um arrepio na coluna a cada degrau que ponho os meus pés. Eu simplesmente não consigo evitar de pensar que ficar nessa casa me fará mal de todas as formas possíveis. Ela abre a porta do quarto de hóspedes e no mesmo segundo sou absorvida por sua elegância e requinte, e ela se fecha atrás de mim fazendo um eco horrendo, comparando-se as portas de ferro de uma cela.
Respiro profundamente e repito esse ato várias vezes sem deixar transparecer o meu pavor.
— Temos horários para tudo nessa casa, garota. Desjejum, almoço, lanche e até mesmo jantar. Não deixe essas meninas se atrasarem, a Valéria detesta atrasos. Quando suas coisas chegarem não se preocupe, alguém virá arrumar tudo em seus devidos lugares. — Viro-me para olhá-la, porém, ela me olha dos pés à cabeça com desdém. — Se mexa, você não veio aqui a passeio — ralha fazendo um gesto desprezível com as mãos.
— Tá! — Mexo-me rapidamente, dando graças a Deus por finalmente sair do quarto aliviada e passo o resto do dia com as gêmeas.
Uma babá fora de série.Respiração pesada, suor frio, medo e pavor. Eu consigo ouvir até os sons dos seus passos pelo longo corredor atrás daquela porta. Droga, a noite aqui nessa mansão parece bem pior do que o dia! Penso e imediatamente vou para a pequena varanda. Apoio-me no peitoril e puxo a respiração várias e várias vezes, mas para o meu desespero, ela não vem.— Ele não está aqui, Eva. Ele não está aqui. — Repito incontáveis vezes, tentando me convencer do óbvio, mas o meu cérebro parece não aceitar essa informação. Forço-me a abrir os olhos e tenho o vislumbre da garoa fina que começa a cair pela madrugada, molhando as folhagens do jardim. Extremamente ofegante, eu saio da cama e na sequência do quarto apressada, e ando com a mesma pressa pelo corredor, abraçando a escuridão dos cômodos pelo caminho, e com uma ansiedade palpável, abro a porta da frente e aprecio o frio implacável que vem do lado de fora. Ansiosa pela paz, eu corro de encontro ao frio da madruga, recebendo os p
Uma doce melodia tem poder de afastar os nssos medos.— Esperem aqui, meninas, eu tive uma ideia. — Salto para fora da cama, ouvindo os seus protestos atrás de mim e corro até o quarto delas. Pego seus celulares e os fones de ouvidos que estão largados nos criados mudos ao lado de suas camas e volto imediatamente para o meu quarto. — Prontinho. Agora coloquem esses fones — peço sem lhes dar muitas explicações e começo a mexer nos aparelhos. Logo uma melodia clássica começa a tocar e elas me encaram desnorteadas. — Agora se deitem e concentrem-se nessa música. Ela vai acalmá-las e vocês não vão mais ouvir esses trovões. — Elas se olham e depois para mim.— Tem certeza, Eva? — Sorrio para passar-lhes confiança.— Só, fechem os olhos e concentrem-se na melodia, meninas — insisto e não demora para elas relaxarem e adormecerem. No segundo seguinte, estou sozinha outra vez e volto para os meus pensamentos errantes. Fito as garotas adormecidas por algum tempo e penso se aquela música seria c
— Você viu o que eu vi? — Ska pergunta livrando-se das suas roupas para entrar no chuveiro, enquanto me dedico a escovar os meus dentes diante do espelho retangular da bancada de mármore perolado. — Eles não pareciam... — Rolo os olhos para essa conversa completamente sem sentido. Diferente de mim, Ska é uma garota romântica e sonhadora. Ela costuma ver tudo cor de rosa e para tudo existe um lado bom das coisas. Já eu, sou mais realista e durona, do tipo pé no chão mesmo e desde o acidente de mamãe, sinto-me responsável por tanto por ela quanto pelo nosso pai. Valéria pode até me achar criança demais, a final, quem daria ouvidos a uma adulta minúscula de apenas sete anos que ver a realidade nua e crua da vida como eu? Arg! Ela pensa que não percebi, mas com certeza está rodeando o meu pai, e pode ter certeza de que não irei facilitar uma relação entre eles. Ela até podia ser a pessoa certa para o cargo de esposa do senhor Erick Ventura e mãe perfeita para as filhas de um viúvo descons
A arte imita a vida.Horas depois...— Ok, meninas, do que vocês precisam? — Eva pergunta, entrando no nosso quarto de brinquedos. É final de tarde e tudo está preparado para a nossa encenação. Em um canto perto de uma janela larga tem uma pequena mesa montada com um jantar de mentirinha para duas pessoas.— Precisamos da sua ajuda para ensaiar. — Ergo as páginas com as nossas falas diante dos seus olhos.— Sei, e o que eu tenho que fazer? Eu as observo, enquanto falam?— Na verdade, você também terá que interpretar para abrir o nosso momento de falar.— Você já fez alguma peça na vida, Eva? — Ska indaga se aproximando.— Sim, mas já faz muito tempo.— Então tem ideia de como se faz.— Sim, eu tenho.— Ótimo! Vem, sente-se aqui — peço e seguro a sua mão, e a faço ocupar uma cadeira pequena e cor de rosa. A porta do quarto se abre outra vez e papai passa por ela completamente afobado. Ele engole com dificuldade, devido a respiração ofegante. Provavelmente correu para o nosso quarto. Pe
As vezes uma boa surpresa tem o poder de libertar uma alma dolorida.Não é ele! Não é ele! Não é ele! Não é ele! Repito incontáveis vezes, enquanto corro para longe da mansão.“VOCÊ VAI JANTAR COMIGO, PORQUE ME PERTENCE, É MINHA E EU MANDO EM TUDO NESSE LUGAR!!!” O som raivoso continua a ecoar de um lado para o outro dentro da minha cabeça. Por que ele não me deixa em paz de uma vez? Por que não consigo esquecer de tudo que me fez? Eu só... quero ser normal outra vez! Ofegante, paro em frente ao lago e sem forças, me sento na grama. Logo sinto a presença do senhor Ventura ao meu lado e de rabo de olho o observo levar os braços acima dos joelhos. Ele não diz nada, nem mesmo uma pergunta e o seu silêncio, assim como os berros que deu dentro daquele quarto é assustador. Fale alguma coisa! Fale alguma coisa! Meu ser pede desesperado. Eu preciso calar aqueles gritos dentro da minha cabeça. Os malditos gritos.— Eu... sou casada. — As palavras escapam trêmulas da minha boca sem eu sentir e
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al
Incapacitado, ficou maluca? Você foi malvada comigo. Como pode me deixar sozinho aqui? Sabia o quanto eu te amava, o quanto eu te queria. Estávamos tão felizes, éramos felizes e mesmo assim resolveu nos deixar. Eu Sinto tanto a sua falta, Anne! Meu peito dói tanto e meu coração sangra a cada vez que respiro. Queria poder te abraçar de novo ao menos pela última vez. Por que fez isso comigo? Com a gente? Conosco? Indago e volto a encher a taça de vinho e saboreio lentamente a bebida que me traz boas lembranças de nós dois. Minha vontade é de chorar, mas acredito que as minhas lágrimas já secaram.— Oi, querido! Não gosto quando você fica sofrendo assim sozinho pelos cantos. — Valéria diz assim que invade o meu espaço pessoal. Ela abre aquele sorriso de sempre cheio de brilho e de insinuações. Seus olhos chegam a brilhar varrendo o meu corpo com avidez e isso me causa uma ânsia insuportável. Não sei por que ainda a aguento aqui na minha casa. Talvez seja porque ela tem me ajudado muito