Uma babá fora de série.
Respiração pesada, suor frio, medo e pavor. Eu consigo ouvir até os sons dos seus passos pelo longo corredor atrás daquela porta. Droga, a noite aqui nessa mansão parece bem pior do que o dia! Penso e imediatamente vou para a pequena varanda. Apoio-me no peitoril e puxo a respiração várias e várias vezes, mas para o meu desespero, ela não vem.
— Ele não está aqui, Eva. Ele não está aqui. — Repito incontáveis vezes, tentando me convencer do óbvio, mas o meu cérebro parece não aceitar essa informação. Forço-me a abrir os olhos e tenho o vislumbre da garoa fina que começa a cair pela madrugada, molhando as folhagens do jardim. Extremamente ofegante, eu saio da cama e na sequência do quarto apressada, e ando com a mesma pressa pelo corredor, abraçando a escuridão dos cômodos pelo caminho, e com uma ansiedade palpável, abro a porta da frente e aprecio o frio implacável que vem do lado de fora. Ansiosa pela paz, eu corro de encontro ao frio da madruga, recebendo os pingos finos da chuva que molham lentamente o meu rosto. Ainda ofegante, eu fecho os olhos e abro os meus braços para apreciar a sensação de liberdade de novo, e incrivelmente todo o meu pânico cai bem diante dos meus pés. Ergo a cabeça para o céu escuro e sorrio amplamente para ele, enquanto giro com lentidão em meu próprio eixo. Não sei dizer quanto tempo fiquei aqui debaixo dessa água gélida vinda do céu, só sei que o meu corpo finalmente sossegou e que toda a minha aflição já não existia mais. No entanto, só voltei para os meus aposentos quando o frio fez o meu corpo reclamar demasiadamente. Então envolvi-me com os meus braços, contornei a casa e entrei pelas portas dos fundos. De volta ao meu quarto, tomei uma ducha quente, vesti uma roupa igualmente aquecida e finalmente adormeci, e só despertei com o familiar canto dos pássaros. Pássaros? Merda! Rosno e dou um salto brusco para fora da cama quando percebo que estou em cima do horário. Tomo um banho rápido dessa vez, faço a minha higiene pessoal, visto uma roupa qualquer e corro para o quarto das meninas.
— Você está atrasada! — Uma das gêmeas que ainda não consigo identificar quem é resmunga assim que invado o cômodo e para a minha satisfação, ambas já estão devidamente arrumadas e prontas para o dia de aula.
— Desculpe, eu não tive uma noite muito boa — confesso sem rodeios.
— Você terá que nos acompanhar até o colégio, Eva e deve ir com o motorista nos pegar perto de meio-dia. Não se atrase! Estamos ansiosas por mais dia com a nossa nova babá. — É claro que segurei um sorriso imenso de pura satisfação e mantive-me séria.
— Claro. E ah... eu não me atrasarei, pode deixar. — Olho de uma para a outra sem saber o que dizer ao certo e uma delas rola os olhos para mim com impaciência.
— Ok, eu detesto mesmo ser confundida! Eu sou a Jade e a única maneira de me reconhecer é essa minúscula pintinha no cantinho do meu olho. E Skarlitti tem a mesma marca, só que na coxa esquerda. Mantemos esse segredinho bem guardado para apavorar a nossa querida tia Valéria. — Rio do comentário da menina.
— Obrigada, Jade! E, vamos, ou levaremos uma boa bronca da sua tia.
Tudo parece bem simples. Após o café da manhã o motorista nos leva para o colégio, eu deixo as meninas lá e me certifico de que entraram com segurança na escola e depois disso, a minha manhã fica bem tranquila. Tenho tempo de fazer o meu rotineiro passeio pelo jardim, que acabou virando uma corrida, pois ansiava por uma atividade mais extrema, finalizei a leitura do livro Orgulho e Preconceito, e fiz uma nota mental para encontrar outro livro para ocupar o meu tempo ocioso. Perto de meio-dia o motorista e eu vamos buscar as meninas e nossa, elas estavam mais eufóricas do que nunca! Após o almoço, as convenci a relaxar um pouco debaixo de uma árvore, deitadas na grama e de frente para um lago. Isso sim, foi extremamente relaxante e horas depois, fizemos as tarefas da escola, tiramos algumas dúvidas de matemática e estudamos para uma prova de português. Contudo, a melhor parte veio no meio da tarde, quando inventei de dar uma aula de piano. Jade e Skarlitti sentaram-se no sofá e me assistiram tocar uma melodia fácil que aprendi nas minhas primeiras aulas. Depois as deixei dedilhar no teclado, mas de uma forma bem sincronizada, apenas para que sentissem seus sons. Me peguei sorrindo ao perceber que sou uma ótima professora. No final da tarde as levei para a biblioteca da casa e levei um baita susto quando me disseram que estavam pisando ali pela primeira vez.
— Não é uma regra manter o silêncio? — Jade inquire, dedilhando as lombadas dos livros nas prateleiras.
— Por que não podemos ir brincar lá fora? Ler é muito chato! — Skarlitti reclama e eu suspiro com esses comentários.
— Primeiro, o silêncio aqui é lei, ok? Não dá para fazer uma boa leitura se houver barulho por perto e segundo, quem disse que ler é chato, mocinha?
— Eu disse. Não tem nada de divertido ficar sentada em uma cadeira lendo textos. Nós já fazemos isso na escola todos os dias.
— Tudo bem, vamos fazer um teste e se realmente você não gostar, não precisamos repetir esse momento. Combinado? — As duas se olham.
— Você gosta de ler, Eva? — Jade interpele, pegando um livro grosso de capa dura.
— Eu amo ler! E posso dizer com todas as letras da palavra que é algo libertador. — Seguro o livro que escolheu e leio o título. — Mas, essa com certeza não será a sua primeira leitura.
— Qual livro você já leu?
— O meu último livro foi Orgulho e Preconceito, e eu aprendi muito com ele. Mas, essa também não será a sua primeira leitura.
— Por que não?
— Porque contém muitas palavras difíceis e isso iria entediá-las. A primeira leitura tem que ser algo marcante, que te prenda e que faça querer mais. Precisa ser simples e bem atraente também. Vocês precisam descobrir o tipo de gênero que lhes atrai. Romance?
— Eca! — Elas resmungam no mesmo instante.
— Comédia, aventura, ficção fantástica?
— O que é ficção fantástica?
— Hum, vejamos. — Começo a dedilhar os livros de uma prateleira a outra. — Que tal começarem com esses livros aqui? — indago e tiro uma coleção, colocando-a em cima de uma mesa.
— Animais Fantásticos? — indagam em uníssono. — Uau, a capa deles são... lindas! — As meninas dizem, pegando a coleção e começam a folhear. Não demora para elas se se afastarem. Uma se acomoda confortavelmente no sofá de couro cor de caramelo e a outra se deita no tapete felpudo, abrindo os livros imediatamente.
— Uma hora de leitura deve ser o suficiente e depois, podemos ir para o jardim se quiserem — aviso, mas elas não me dão ouvidos e me pego rindo desse fato. Volto para a estante para escolher um clássico para mim e encontro o livro Helena, de Machado de Assis. Acomodo-me na cadeira atrás da enorme mesa de madeira e confesso que não vejo o tempo passar, e acredito que elas também não, pois não largaram os livros um só minuto.
— Alguém aqui com fome? — indago com humor, mas sou repreendida no mesmo instante.
— Xiu! Não te disseram que não pode falar dentro de uma biblioteca? — Skarlitti reclama sem tirar os olhos das páginas. Um fato que faz o meu sorriso satisfeito se ampliar. Contudo, aproximo-me das meninas e tiro os livros delas.
— Muito engraçadinha você, mas o dia já está acabando e precisamos esticar as pernas um pouco — declaro, escutando suas reclamações e mesmo assim, elas obedecem.
***
"Mas, a tristeza é necessária a vida (...) As dores alheias fazem lembrar as próprias e são um corretivo da alegria, cujo excesso pode engendrar o orgulho." Machado de Assis - in Helena.
Fecho o livro, soltando um suspiro desanimado e largo o objeto em cima da mesinha de cabeceira. Olho para a janela transparente que nesse exato momento recebe sem piedade algumas gotas grossas da chuva que cai lá fora. A penumbra do quarto mostra a silhueta dos móveis que se esconde em suas sombras nas paredes e por mais que eu diga que estou segura, o meu corpo inicia uma guerra constante.
— Durma, Eva. Só... durma — falo baixinho e com mais um suspiro me forço a fechar os olhos. Um Raio clareia todo o cômodo assustadoramente e imediatamente sento-me afobada no colchão. Os seus passos. Eu posso ouvi-los e quando começo a sufocar em meus próprios medos e agonia, a porta do meu quarto se abre em um rompante, e duas garotinhas assustadas passam por ela. Eu ofego e elas ofegam também.
— Podemos ficar aqui com você, Eva? Por favor! — Jade pergunta praticamente pulando para a minha cama. Encolho os olhos.
— Ah... é claro. O que aconteceu?
— Você não ouviu os trovões? Eles parecem monstros raivosos destruindo o nosso teto, bem acima das nossas cabeças — Skarlitti resmunga trêmula, me abraçando em seguida. A pobre menina está tremendo tanto que foi inevitável não retribuir o seu abraço, então a apertei bem forte contra o meu corpo. Trovões. Confesso que não os ouvi, pois os meus medos estavam falando bem mais alto dentro dos meus ouvidos. O grito das gêmeas me despertam outra vez e percebo que mais um trovão rasgou o céu violentamente.
Uma doce melodia tem poder de afastar os nssos medos.— Esperem aqui, meninas, eu tive uma ideia. — Salto para fora da cama, ouvindo os seus protestos atrás de mim e corro até o quarto delas. Pego seus celulares e os fones de ouvidos que estão largados nos criados mudos ao lado de suas camas e volto imediatamente para o meu quarto. — Prontinho. Agora coloquem esses fones — peço sem lhes dar muitas explicações e começo a mexer nos aparelhos. Logo uma melodia clássica começa a tocar e elas me encaram desnorteadas. — Agora se deitem e concentrem-se nessa música. Ela vai acalmá-las e vocês não vão mais ouvir esses trovões. — Elas se olham e depois para mim.— Tem certeza, Eva? — Sorrio para passar-lhes confiança.— Só, fechem os olhos e concentrem-se na melodia, meninas — insisto e não demora para elas relaxarem e adormecerem. No segundo seguinte, estou sozinha outra vez e volto para os meus pensamentos errantes. Fito as garotas adormecidas por algum tempo e penso se aquela música seria c
— Você viu o que eu vi? — Ska pergunta livrando-se das suas roupas para entrar no chuveiro, enquanto me dedico a escovar os meus dentes diante do espelho retangular da bancada de mármore perolado. — Eles não pareciam... — Rolo os olhos para essa conversa completamente sem sentido. Diferente de mim, Ska é uma garota romântica e sonhadora. Ela costuma ver tudo cor de rosa e para tudo existe um lado bom das coisas. Já eu, sou mais realista e durona, do tipo pé no chão mesmo e desde o acidente de mamãe, sinto-me responsável por tanto por ela quanto pelo nosso pai. Valéria pode até me achar criança demais, a final, quem daria ouvidos a uma adulta minúscula de apenas sete anos que ver a realidade nua e crua da vida como eu? Arg! Ela pensa que não percebi, mas com certeza está rodeando o meu pai, e pode ter certeza de que não irei facilitar uma relação entre eles. Ela até podia ser a pessoa certa para o cargo de esposa do senhor Erick Ventura e mãe perfeita para as filhas de um viúvo descons
A arte imita a vida.Horas depois...— Ok, meninas, do que vocês precisam? — Eva pergunta, entrando no nosso quarto de brinquedos. É final de tarde e tudo está preparado para a nossa encenação. Em um canto perto de uma janela larga tem uma pequena mesa montada com um jantar de mentirinha para duas pessoas.— Precisamos da sua ajuda para ensaiar. — Ergo as páginas com as nossas falas diante dos seus olhos.— Sei, e o que eu tenho que fazer? Eu as observo, enquanto falam?— Na verdade, você também terá que interpretar para abrir o nosso momento de falar.— Você já fez alguma peça na vida, Eva? — Ska indaga se aproximando.— Sim, mas já faz muito tempo.— Então tem ideia de como se faz.— Sim, eu tenho.— Ótimo! Vem, sente-se aqui — peço e seguro a sua mão, e a faço ocupar uma cadeira pequena e cor de rosa. A porta do quarto se abre outra vez e papai passa por ela completamente afobado. Ele engole com dificuldade, devido a respiração ofegante. Provavelmente correu para o nosso quarto. Pe
As vezes uma boa surpresa tem o poder de libertar uma alma dolorida.Não é ele! Não é ele! Não é ele! Não é ele! Repito incontáveis vezes, enquanto corro para longe da mansão.“VOCÊ VAI JANTAR COMIGO, PORQUE ME PERTENCE, É MINHA E EU MANDO EM TUDO NESSE LUGAR!!!” O som raivoso continua a ecoar de um lado para o outro dentro da minha cabeça. Por que ele não me deixa em paz de uma vez? Por que não consigo esquecer de tudo que me fez? Eu só... quero ser normal outra vez! Ofegante, paro em frente ao lago e sem forças, me sento na grama. Logo sinto a presença do senhor Ventura ao meu lado e de rabo de olho o observo levar os braços acima dos joelhos. Ele não diz nada, nem mesmo uma pergunta e o seu silêncio, assim como os berros que deu dentro daquele quarto é assustador. Fale alguma coisa! Fale alguma coisa! Meu ser pede desesperado. Eu preciso calar aqueles gritos dentro da minha cabeça. Os malditos gritos.— Eu... sou casada. — As palavras escapam trêmulas da minha boca sem eu sentir e
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al
Incapacitado, ficou maluca? Você foi malvada comigo. Como pode me deixar sozinho aqui? Sabia o quanto eu te amava, o quanto eu te queria. Estávamos tão felizes, éramos felizes e mesmo assim resolveu nos deixar. Eu Sinto tanto a sua falta, Anne! Meu peito dói tanto e meu coração sangra a cada vez que respiro. Queria poder te abraçar de novo ao menos pela última vez. Por que fez isso comigo? Com a gente? Conosco? Indago e volto a encher a taça de vinho e saboreio lentamente a bebida que me traz boas lembranças de nós dois. Minha vontade é de chorar, mas acredito que as minhas lágrimas já secaram.— Oi, querido! Não gosto quando você fica sofrendo assim sozinho pelos cantos. — Valéria diz assim que invade o meu espaço pessoal. Ela abre aquele sorriso de sempre cheio de brilho e de insinuações. Seus olhos chegam a brilhar varrendo o meu corpo com avidez e isso me causa uma ânsia insuportável. Não sei por que ainda a aguento aqui na minha casa. Talvez seja porque ela tem me ajudado muito
Eu te decepcioneiTer uma empresa na rede de construções foi ideia da Anne. Ela amava os meus trabalhos, as minhas ideias e a visão que eu tinha das coisas. Na época eu era um simples construtor, um pau mandado que fazia tudo que me diziam e chegava em casa frustrado por não alcançar as expectativas das minhas idealizações. Foi aí que ela me lançou uma pergunta: "Por que não abre a sua própria empresa?" Só que eu precisava tomar uma decisão e não era tão fácil assim, afinal, ela já estava esperando as gêmeas e elas podiam nascer a qualquer momento. No entanto, resolvi seguir o seu conselho e sair da minha zona de conforto. Então me enchi de coragem, pedi demissão do emprego e investir na minha primeira construção - claro que tudo começou na garagem da nossa humilde casa. E ela tinha toda razão. A Ventura Corporation tornou-se um grande sucesso e após assinar o meu primeiro contrato, vieram outros e mais outros, até que finalmente construí a minha própria cede. Enfim em tudo na minha v