9

Uma segunda chance para a vida.

Havia me esquecido de como é bom me divertir, conversar, sorrir e ter amigos, mas principalmente, havia me esquecido de que preciso tomar decisões e continuar com a minha vida tomando essas decisões. Tipo, por três anos precisei ocupar o meu tempo para não enlouquecer e agora preciso ocupar o meu tempo para me favorecer e acredite, viver enfiada na quitando da Lídia ou enfurnada no quarto da pousada de dona Dolores me mantém no patamar que antes, com o diferencial de que não vivo tensa e sim, sorridente. É como se eu fosse um passarinho e por muitos anos a portinha da gaiola estivesse fechada, no entanto, agora ela que está aberta e eu simplesmente não sei por onde começar. Contudo, preciso fazer algo que me faça sentir útil. Eu preciso de um emprego... acho. Penso enquanto ajudo a doce senhora a guardar a louça dentro do armário.

— Eu estive pensando — comento de repente. Ela me entrega outra pilha de loucas limpas e secas, e eu levo para o outro armário. Abro as portas e começo a organizar tudo dentro dele. — Será que não tem uma vaga para eu trabalhar aqui na sua pousada? — Dolores para o que está fazendo e me olha com um certo espanto.

— Está falando sério? — Encosto-me no balcão e cruzo os braços ainda a fitando.

— Estou. É que... eu não aguento mais ficar sem fazer nada.

— Sei. Aqui na pousada não terei vagas até que chegue o período do turismo. Esse lugar pipoca de gente e fica difícil dar conta de tanto serviço. Mas, por agora, não tenho nada pra você, querida.

— Droga! — resmungo baixinho. — Será que alguém teria algo para eu fazer por aqui? — Ela arqueia as sobrancelhas.

— Monte Verde funciona a todo vapor durante o turismo, mas na parte das fazendas sim, tem muito trabalho.

— Fazendas? — Me interesso pela dica.

— Ficam a duas horas daqui. Soube que desde que ficou viúvo, o senhor Ventura está à procura de alguém de confiança para cuidar das gêmeas.

— Empego de babá?

— Mais que isso, querida. Ele quer uma pessoa de confiança que eduque as meninas, que as ensine e lhes faça companhia quando estiverem em casa. Como eles dizem, mesmo? Ah, alguém com etiqueta. — Encho os pulmões de ar e em seguida as bochechas, para soltá-lo devagarinho. — Você estudou, se formou em algo, ou tem algo assim para oferecer? — Dou de ombros.

— Eu fiz faculdade de fisioterapia. Quer dizer, eu parei no último período, mas...

— Por que fez isso, menina? — Volto a dar de ombros.

— Sabe como é. Veio o casamento e o meu marido achou melhor parar. Ele me dizia que eu não ia precisar disso.

— Desculpa, Eva, mas você foi uma tola!

— É, agora eu sei disso. Bom, eu também sei tocar piano, aprendi desde criança e sempre frequentei as festas da alta sociedade. Então devo ter alguma etiqueta para passar pra elas.

— Está mesmo pensando em trabalhar como babá? — Sorrio de boca fechada.

— Não deve ser tão ruim. Quem sabe estar com essas garotas me ajude a ocupar ainda mais esse meu tempo ocioso?

— Quem sabe. Eu posso falar com a senhorita Valéria e indicar você.

— Sério? A senhora pode fazer isso por mim?

— Claro que eu posso, menina. Não me custa nada — Imediatamente corro em sua direção e a abraço bem apertado, beijando várias e várias vezes o seu rosto e resmungando vários obrigados para ela. — Ora, vamos, pare com isso, criança! — Ela retruca mal-humorada me fazendo rir. — Agora vá, me deixe sozinha com a minha cozinha antes que eu me arrependa de fazer tal coisa. — Dolores retruca me dando as costas. Quase explodindo de animação, eu saio do cômodo como me pediu aos risos e vou direto para o meu quarto continuar a minha leitura.

***

No dia seguinte...

Ok, começo a pensar se essa história de babá foi realmente uma boa ideia. Fitando a estrutura da casa do senhor Ventura, penso que não me sentirei bem aqui. Quer dizer, a casa me lembra em quase tudo a mansão Cross e com isso algumas lembranças nada agradáveis vem à tona, e imediatamente começo a sufocar. No entanto, engulo os meus medos e enlaço o meu braço ao de Dolores antes de entrar na casa. Diferente da mansão Cross a sala de visitas dos Ventura é bem sofisticada e tem móveis de tons claros. As janelas amplas deixam a luz do sol invadir o cômodo pois, as suas belas cortinas estão encolhidas. Um laço elegante de cetim as mantém no canto de cada janela. Logo que adentramos o enorme e iluminado cômodo, encontramos uma mulher igualmente elegante nos aguardando e eu me pergunto se ela saiu de um desses comerciais de revista. Um sorriso grande e ao mesmo tempo contido se abre no seu rosto assim que ela nos ver entrar.

— Querida Dolores, que bom vê-la por aqui! — Ela diz levantando-se do sofá para abraçar a senhora. — A senhora não tem aparecido muito ultimamente.

— Pois é, querida. A pousada tem tomado muito do meu tempo. — Os olhos negros e especulativos me fitam atrás de Dolores, e a doce senhora faz o mesmo, dando-se conta de que não nos apresentou ainda.

— Oh, essa é Eva Ferri, ela é uma hóspede muito querida e chegou na cidade há poucos dias. A garota precisa de um emprego e é por isso que estamos aqui. — Observo a mulher erguer as sobrancelhas para a sugestão de Dolores, no caso, eu. — Com as qualidades dessa moça, eu pensei que ela poderia lhe ajudar com as gêmeas. — Ela volta a arquear as sobrancelhas elegantes, porém, agora me olha dos pés à cabeça. Bufo internamente. Ainda bem que tive o bom senso de me vestir adequadamente para o lugar.

— Falaremos sobre isso em alguns instantes, agora venham e sentem-se. — Aponta o sofá. Dolores se acomoda primeiro e eu me sento ao seu lado. — Só um instante, vou pedir um chá enquanto conversamos. — Ela sai da sala e eu solto a respiração que nem havia percebido estar presa em meus pulmões.

— Acho que ela não gostou de mim — sibilo com um tom de confidência para a minha amiga, sem tirar os meus olhos da direção para onde seguiu.

— Não se deixe levar pelo jeito de Valéria, querida. Desde que sua irmã faleceu ela teve que assumir tudo isso e não tem sido fácil para ela.

— Então, a irmã dela era a dona dessa casa? — indago com uma certa curiosidade. Que feio, Eva! Retruco internamente.

— Prontinho, agora podemos conversar. — Nossa conversa é interrompida e Valéria volta o seu olhar avaliador para mim. — Então, Eva, não é?

— Sim. — Ajeito a minha postura no sofá e a encaro de igual para igual. — É difícil Dolores falar bem de uma pessoa assim do nada, ainda mais para indicar alguém para qualquer trabalho que seja. Você fala alguma língua além do português?

— Falo inglês e francês.

— Hum, isso é bom! E gosta de ler?

— Eu adoro ler! — Sorrio amplamente porque é a mais pura verdade.

— Que bom! E, tem alguma formação? — O meu sorriso murcha e eu olho para Dolores. Contudo, ela meneia a cabeça me pedindo para dizer a verdade.

— Eu estudei fisioterapia, porém, não conclui. Tive que fechar a faculdade no último período.

— Por quê? — Solto o ar pela boca.

— Porque... eu me casei. — Tive que engolir o olhar de espanto da mulher para mim.

— Ah, ok! Só mais uma pergunta. Você gosta de crianças? — Santo Deus, essa é fácil!

— Na verdade, eu sou filha única, mas sempre tive contato com meus primos e primas menores e costumo ser bem paciente. E, eu aprendo rápido também. O barulho de um carro estacionando na frente da casa nos chama a atenção e no mesmo segundo se ouve alguns gritos infantis do lado de fora. Valéria se levanta no mesmo segundo e volta a me fitar.

— Bom, está na hora de conhecer essas pestinhas. — Ela resmunga com um leve tom de mal humor que me deixa intrigada. — Mas antes, quero que saiba que Jade e Skarlitti perderam a mãe recentemente e não está sendo fácil para elas, principalmente porque o pai anda mais recluso desde então e com isso, as meninas mudaram bastante o seu comportamento.

— Ah claro, deve ser normal. Não é?

— Não dê mole para essas crianças, Eva. Devido ao comportamento abusivo essas garotas precisam ser administradas compulso firme. Você pode acompanhar a governanta e conhecê-las agora, e se achar que dar conta do recado, o emprego é seu. — Meu coração chega a bater descompassado. Ansiosa, eu me levanto do sofá e sigo a governanta escada acima. Ela me guia por um corredor longo demais e para bem no meio dele, de frente para uma porta branca, onde tem uma plaquinha que diz: Não perturbe!

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