Uma segunda chance para a vida.
Havia me esquecido de como é bom me divertir, conversar, sorrir e ter amigos, mas principalmente, havia me esquecido de que preciso tomar decisões e continuar com a minha vida tomando essas decisões. Tipo, por três anos precisei ocupar o meu tempo para não enlouquecer e agora preciso ocupar o meu tempo para me favorecer e acredite, viver enfiada na quitando da Lídia ou enfurnada no quarto da pousada de dona Dolores me mantém no patamar que antes, com o diferencial de que não vivo tensa e sim, sorridente. É como se eu fosse um passarinho e por muitos anos a portinha da gaiola estivesse fechada, no entanto, agora ela que está aberta e eu simplesmente não sei por onde começar. Contudo, preciso fazer algo que me faça sentir útil. Eu preciso de um emprego... acho. Penso enquanto ajudo a doce senhora a guardar a louça dentro do armário.
— Eu estive pensando — comento de repente. Ela me entrega outra pilha de loucas limpas e secas, e eu levo para o outro armário. Abro as portas e começo a organizar tudo dentro dele. — Será que não tem uma vaga para eu trabalhar aqui na sua pousada? — Dolores para o que está fazendo e me olha com um certo espanto.
— Está falando sério? — Encosto-me no balcão e cruzo os braços ainda a fitando.
— Estou. É que... eu não aguento mais ficar sem fazer nada.
— Sei. Aqui na pousada não terei vagas até que chegue o período do turismo. Esse lugar pipoca de gente e fica difícil dar conta de tanto serviço. Mas, por agora, não tenho nada pra você, querida.
— Droga! — resmungo baixinho. — Será que alguém teria algo para eu fazer por aqui? — Ela arqueia as sobrancelhas.
— Monte Verde funciona a todo vapor durante o turismo, mas na parte das fazendas sim, tem muito trabalho.
— Fazendas? — Me interesso pela dica.
— Ficam a duas horas daqui. Soube que desde que ficou viúvo, o senhor Ventura está à procura de alguém de confiança para cuidar das gêmeas.
— Empego de babá?
— Mais que isso, querida. Ele quer uma pessoa de confiança que eduque as meninas, que as ensine e lhes faça companhia quando estiverem em casa. Como eles dizem, mesmo? Ah, alguém com etiqueta. — Encho os pulmões de ar e em seguida as bochechas, para soltá-lo devagarinho. — Você estudou, se formou em algo, ou tem algo assim para oferecer? — Dou de ombros.
— Eu fiz faculdade de fisioterapia. Quer dizer, eu parei no último período, mas...
— Por que fez isso, menina? — Volto a dar de ombros.
— Sabe como é. Veio o casamento e o meu marido achou melhor parar. Ele me dizia que eu não ia precisar disso.
— Desculpa, Eva, mas você foi uma tola!
— É, agora eu sei disso. Bom, eu também sei tocar piano, aprendi desde criança e sempre frequentei as festas da alta sociedade. Então devo ter alguma etiqueta para passar pra elas.
— Está mesmo pensando em trabalhar como babá? — Sorrio de boca fechada.
— Não deve ser tão ruim. Quem sabe estar com essas garotas me ajude a ocupar ainda mais esse meu tempo ocioso?
— Quem sabe. Eu posso falar com a senhorita Valéria e indicar você.
— Sério? A senhora pode fazer isso por mim?
— Claro que eu posso, menina. Não me custa nada — Imediatamente corro em sua direção e a abraço bem apertado, beijando várias e várias vezes o seu rosto e resmungando vários obrigados para ela. — Ora, vamos, pare com isso, criança! — Ela retruca mal-humorada me fazendo rir. — Agora vá, me deixe sozinha com a minha cozinha antes que eu me arrependa de fazer tal coisa. — Dolores retruca me dando as costas. Quase explodindo de animação, eu saio do cômodo como me pediu aos risos e vou direto para o meu quarto continuar a minha leitura.
***
No dia seguinte...
Ok, começo a pensar se essa história de babá foi realmente uma boa ideia. Fitando a estrutura da casa do senhor Ventura, penso que não me sentirei bem aqui. Quer dizer, a casa me lembra em quase tudo a mansão Cross e com isso algumas lembranças nada agradáveis vem à tona, e imediatamente começo a sufocar. No entanto, engulo os meus medos e enlaço o meu braço ao de Dolores antes de entrar na casa. Diferente da mansão Cross a sala de visitas dos Ventura é bem sofisticada e tem móveis de tons claros. As janelas amplas deixam a luz do sol invadir o cômodo pois, as suas belas cortinas estão encolhidas. Um laço elegante de cetim as mantém no canto de cada janela. Logo que adentramos o enorme e iluminado cômodo, encontramos uma mulher igualmente elegante nos aguardando e eu me pergunto se ela saiu de um desses comerciais de revista. Um sorriso grande e ao mesmo tempo contido se abre no seu rosto assim que ela nos ver entrar.
— Querida Dolores, que bom vê-la por aqui! — Ela diz levantando-se do sofá para abraçar a senhora. — A senhora não tem aparecido muito ultimamente.
— Pois é, querida. A pousada tem tomado muito do meu tempo. — Os olhos negros e especulativos me fitam atrás de Dolores, e a doce senhora faz o mesmo, dando-se conta de que não nos apresentou ainda.
— Oh, essa é Eva Ferri, ela é uma hóspede muito querida e chegou na cidade há poucos dias. A garota precisa de um emprego e é por isso que estamos aqui. — Observo a mulher erguer as sobrancelhas para a sugestão de Dolores, no caso, eu. — Com as qualidades dessa moça, eu pensei que ela poderia lhe ajudar com as gêmeas. — Ela volta a arquear as sobrancelhas elegantes, porém, agora me olha dos pés à cabeça. Bufo internamente. Ainda bem que tive o bom senso de me vestir adequadamente para o lugar.
— Falaremos sobre isso em alguns instantes, agora venham e sentem-se. — Aponta o sofá. Dolores se acomoda primeiro e eu me sento ao seu lado. — Só um instante, vou pedir um chá enquanto conversamos. — Ela sai da sala e eu solto a respiração que nem havia percebido estar presa em meus pulmões.
— Acho que ela não gostou de mim — sibilo com um tom de confidência para a minha amiga, sem tirar os meus olhos da direção para onde seguiu.
— Não se deixe levar pelo jeito de Valéria, querida. Desde que sua irmã faleceu ela teve que assumir tudo isso e não tem sido fácil para ela.
— Então, a irmã dela era a dona dessa casa? — indago com uma certa curiosidade. Que feio, Eva! Retruco internamente.
— Prontinho, agora podemos conversar. — Nossa conversa é interrompida e Valéria volta o seu olhar avaliador para mim. — Então, Eva, não é?
— Sim. — Ajeito a minha postura no sofá e a encaro de igual para igual. — É difícil Dolores falar bem de uma pessoa assim do nada, ainda mais para indicar alguém para qualquer trabalho que seja. Você fala alguma língua além do português?
— Falo inglês e francês.
— Hum, isso é bom! E gosta de ler?
— Eu adoro ler! — Sorrio amplamente porque é a mais pura verdade.
— Que bom! E, tem alguma formação? — O meu sorriso murcha e eu olho para Dolores. Contudo, ela meneia a cabeça me pedindo para dizer a verdade.
— Eu estudei fisioterapia, porém, não conclui. Tive que fechar a faculdade no último período.
— Por quê? — Solto o ar pela boca.
— Porque... eu me casei. — Tive que engolir o olhar de espanto da mulher para mim.
— Ah, ok! Só mais uma pergunta. Você gosta de crianças? — Santo Deus, essa é fácil!
— Na verdade, eu sou filha única, mas sempre tive contato com meus primos e primas menores e costumo ser bem paciente. E, eu aprendo rápido também. O barulho de um carro estacionando na frente da casa nos chama a atenção e no mesmo segundo se ouve alguns gritos infantis do lado de fora. Valéria se levanta no mesmo segundo e volta a me fitar.
— Bom, está na hora de conhecer essas pestinhas. — Ela resmunga com um leve tom de mal humor que me deixa intrigada. — Mas antes, quero que saiba que Jade e Skarlitti perderam a mãe recentemente e não está sendo fácil para elas, principalmente porque o pai anda mais recluso desde então e com isso, as meninas mudaram bastante o seu comportamento.
— Ah claro, deve ser normal. Não é?
— Não dê mole para essas crianças, Eva. Devido ao comportamento abusivo essas garotas precisam ser administradas compulso firme. Você pode acompanhar a governanta e conhecê-las agora, e se achar que dar conta do recado, o emprego é seu. — Meu coração chega a bater descompassado. Ansiosa, eu me levanto do sofá e sigo a governanta escada acima. Ela me guia por um corredor longo demais e para bem no meio dele, de frente para uma porta branca, onde tem uma plaquinha que diz: Não perturbe!
Nem tudo é perfeito, mas ainda assim, vale a pena viver.— Boa sorte para você! — A mulher resmunga e se afasta da porta, voltando pelo corredor.— O quê? Você não vai...— Boa sorte, garota! — Respiro fundo e encaro a porta fechada por alguns segundos, e só então eu levo uma mão ao trinco, girando-o logo em seguindo e abro apenas uma brecha. Imediatamente levo a outra mão a boca e seguro o riso quando vejo que as meninas estão envolvidas em uma guerra de travesseiros em cima das camas de solteiro, que estão uma bagunça. Abro ainda mais a porta e adentro o quarto para chamar-lhes a atenção, mas, elas parecem não perceber a minha presença. Até um apito agudo soar por todo o cômodo. Um som tão irritante que me faz tampar os ouvidos. As meninas param a guerra imediatamente e olham na direção do som.— Suas pestinhas mal-educadas, parem com isso já! — Só então me dou conta de que a sargenta... digo, a governanta havia voltado.— Sua chata! — Uma das meninas ralha e desce da cama. A outra
Uma babá fora de série.Respiração pesada, suor frio, medo e pavor. Eu consigo ouvir até os sons dos seus passos pelo longo corredor atrás daquela porta. Droga, a noite aqui nessa mansão parece bem pior do que o dia! Penso e imediatamente vou para a pequena varanda. Apoio-me no peitoril e puxo a respiração várias e várias vezes, mas para o meu desespero, ela não vem.— Ele não está aqui, Eva. Ele não está aqui. — Repito incontáveis vezes, tentando me convencer do óbvio, mas o meu cérebro parece não aceitar essa informação. Forço-me a abrir os olhos e tenho o vislumbre da garoa fina que começa a cair pela madrugada, molhando as folhagens do jardim. Extremamente ofegante, eu saio da cama e na sequência do quarto apressada, e ando com a mesma pressa pelo corredor, abraçando a escuridão dos cômodos pelo caminho, e com uma ansiedade palpável, abro a porta da frente e aprecio o frio implacável que vem do lado de fora. Ansiosa pela paz, eu corro de encontro ao frio da madruga, recebendo os p
Uma doce melodia tem poder de afastar os nssos medos.— Esperem aqui, meninas, eu tive uma ideia. — Salto para fora da cama, ouvindo os seus protestos atrás de mim e corro até o quarto delas. Pego seus celulares e os fones de ouvidos que estão largados nos criados mudos ao lado de suas camas e volto imediatamente para o meu quarto. — Prontinho. Agora coloquem esses fones — peço sem lhes dar muitas explicações e começo a mexer nos aparelhos. Logo uma melodia clássica começa a tocar e elas me encaram desnorteadas. — Agora se deitem e concentrem-se nessa música. Ela vai acalmá-las e vocês não vão mais ouvir esses trovões. — Elas se olham e depois para mim.— Tem certeza, Eva? — Sorrio para passar-lhes confiança.— Só, fechem os olhos e concentrem-se na melodia, meninas — insisto e não demora para elas relaxarem e adormecerem. No segundo seguinte, estou sozinha outra vez e volto para os meus pensamentos errantes. Fito as garotas adormecidas por algum tempo e penso se aquela música seria c
— Você viu o que eu vi? — Ska pergunta livrando-se das suas roupas para entrar no chuveiro, enquanto me dedico a escovar os meus dentes diante do espelho retangular da bancada de mármore perolado. — Eles não pareciam... — Rolo os olhos para essa conversa completamente sem sentido. Diferente de mim, Ska é uma garota romântica e sonhadora. Ela costuma ver tudo cor de rosa e para tudo existe um lado bom das coisas. Já eu, sou mais realista e durona, do tipo pé no chão mesmo e desde o acidente de mamãe, sinto-me responsável por tanto por ela quanto pelo nosso pai. Valéria pode até me achar criança demais, a final, quem daria ouvidos a uma adulta minúscula de apenas sete anos que ver a realidade nua e crua da vida como eu? Arg! Ela pensa que não percebi, mas com certeza está rodeando o meu pai, e pode ter certeza de que não irei facilitar uma relação entre eles. Ela até podia ser a pessoa certa para o cargo de esposa do senhor Erick Ventura e mãe perfeita para as filhas de um viúvo descons
A arte imita a vida.Horas depois...— Ok, meninas, do que vocês precisam? — Eva pergunta, entrando no nosso quarto de brinquedos. É final de tarde e tudo está preparado para a nossa encenação. Em um canto perto de uma janela larga tem uma pequena mesa montada com um jantar de mentirinha para duas pessoas.— Precisamos da sua ajuda para ensaiar. — Ergo as páginas com as nossas falas diante dos seus olhos.— Sei, e o que eu tenho que fazer? Eu as observo, enquanto falam?— Na verdade, você também terá que interpretar para abrir o nosso momento de falar.— Você já fez alguma peça na vida, Eva? — Ska indaga se aproximando.— Sim, mas já faz muito tempo.— Então tem ideia de como se faz.— Sim, eu tenho.— Ótimo! Vem, sente-se aqui — peço e seguro a sua mão, e a faço ocupar uma cadeira pequena e cor de rosa. A porta do quarto se abre outra vez e papai passa por ela completamente afobado. Ele engole com dificuldade, devido a respiração ofegante. Provavelmente correu para o nosso quarto. Pe
As vezes uma boa surpresa tem o poder de libertar uma alma dolorida.Não é ele! Não é ele! Não é ele! Não é ele! Repito incontáveis vezes, enquanto corro para longe da mansão.“VOCÊ VAI JANTAR COMIGO, PORQUE ME PERTENCE, É MINHA E EU MANDO EM TUDO NESSE LUGAR!!!” O som raivoso continua a ecoar de um lado para o outro dentro da minha cabeça. Por que ele não me deixa em paz de uma vez? Por que não consigo esquecer de tudo que me fez? Eu só... quero ser normal outra vez! Ofegante, paro em frente ao lago e sem forças, me sento na grama. Logo sinto a presença do senhor Ventura ao meu lado e de rabo de olho o observo levar os braços acima dos joelhos. Ele não diz nada, nem mesmo uma pergunta e o seu silêncio, assim como os berros que deu dentro daquele quarto é assustador. Fale alguma coisa! Fale alguma coisa! Meu ser pede desesperado. Eu preciso calar aqueles gritos dentro da minha cabeça. Os malditos gritos.— Eu... sou casada. — As palavras escapam trêmulas da minha boca sem eu sentir e
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al
Beijos roubados tem o gosto do pecado.Olho para a minha imagem no espelho de corpo inteiro e deslizo as mãos pelo vestido de alcinhas e de saia rodada, que tem o comprimento um pouco acima dos meus joelhos e ponho um casaco de lã por cima dele. Mantenho os cabelos soltos e suspiro antes de ir até a porta. E assim que abro, encontro um papel largado no chão. Sorrio quando reconheço a letra de Jade leio em seguida.Estávamos com pressa, esperamos você na varanda na ala sul da casa.— Ah, suas sapequinhas, nem me esperaram! — resmungo, fechando a porta e caminho apressada para o local do nosso encontro. Assim que saio da casa, ajusto o casaco e abraço o meu corpo, recebendo a leve brisa fria que afaga os meus cabelos. Enquanto caminho pela longa varanda, consigo ver boa parte da lua através das copas de algumas árvores. Ela está realmente muito brilhante e amarela essa noite. Dobro a esquina da varanda, encontrando o lado sul da casa e bem no final dela tem alguns sofás redondos, com al