O vento me levava pra longe e eu voava, literalmente, mas não conseguia controlar pra onde ir. Apenas via uma vastidão branca como nuvens passando por mim numa velocidade incrível e sentia o ar se deslocando pelo meu rosto? Essa constatação me fez pensar: Será que eu morri? Onde estou? O tiro! Mas sinto meu corpo, estou respirando e até onde consigo perceber não tenho ferimentos. A sensação de queda de repente começou a tomar conta do meu corpo e cada vez mais forte. Tinha certeza que se em algum momento eu tocasse o chão, eu iria me destruir na queda, senti como se fosse um corpo celeste, prestes a queimar rasgando o ar. E como eu esperava, atingi o chão com uma pancada espetacular. A dor foi descomunal, meus gritos pareciam ir e voltar aos meus ouvidos num eco contínuo. Mas em poucos segundos tive forças pra me levantar e nada havia acontecido comigo, o chão sofrera apenas algumas rachaduras.
Mas que lugar era esse? Um imenso deserto onde não se via horizonte com um chão liso e que parecia feito de cimento. Uma ventania soprou no meu rosto e me fez fechar os olhos. Quando abri, cai no chão novamente, só que agora de susto. Um homem surgiu à minha frente também trazido pelo vento. Sua aterrissagem foi muito mais sutil que a minha.- Seja bem-vindo, como te chamas? - Perguntou ele.- Não sei muito mais de nada. Se minha memória não me engana, meu nome é Magno. - Respondi confuso.Mas aos poucos fui tomando mais consciência das coisas e prestando mais atenção em tudo. Aquele homem era um senhor de mais idade, cabelos e barba grisalhos e uma aparência amigável. Continuou a falar:- Magno, tua confusão é plenamente normal, mas teu entendimento e aceitação da partida de sua última vida parece muito bom. Eu me chamo Nazerith. Percebestes que ia morrer segundos antes, não é mesmo? Sentiu a morte?- Então eu morri mesmo? Sim, eu senti, mas não tinha assimilado ainda. Que coisa maluca! E onde estou? Aqui é uma espécie de julgamento? Não tem cara de céu nem de inferno!- Hummmm, que interessante. Muito provavelmente deves ter vindo da Terra, correto? Os terráqueos têm algumas teorias bem interessantes do pós-vida!- Estou num outro planeta? O que é isso? Teletransporte? Não morri?- Magno, aprenderás tudo com calma! Pode-se dizer que sim, o que considera como morte seja uma espécie de teletransporte. Mas percebas que essa é uma outra vida na qual você carrega suas memórias e seu amadurecimento espiritual te faz encarnar fisicamente com alguma aparência que já tenha tido em algum momento da vida anterior, o que você deve entender como "idade". Logo entenderá melhor! Mas por enquanto, me acompanhe!- Mas pra onde? Não vejo horizonte pra nenhum lado!- Primeira lição! Pare de enxergar a vida como antes. Mude sua visão das coisas quando elas parecerem impossíveis. Já deveria ter aprendido isso.Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, fui carregado pelo vento com uma força descomunal e novamente atingi o chão.- Quando o vento te levar, não lute contra ele, deixe ele fluir por você para poder controlá-lo. - Disse o velho com um sorriso no rosto parecendo se deliciar com mais um tombo dolorido que sofri. Ao levantar vi um lugar magnífico, ali sim eu poderia chamar de Paraíso, mas não o clássico das nossas imagens que conhecíamos, das pinturas do Jardim do Éden. Prédios de arquitetura totalmente impressionante, inacreditável que podiam se manter em pé. Pareciam flutuar. As cores com poucos tons de verde claro eram predominantemente brancas e cinzas, mas tudo grandiosamente espetacular.Uma praça com um chafariz de vento que transformava de tempos em tempos a decoração à sua volta. E atrás dela o prédio flutuante, o único que não tinha nenhuma ligação com o chão. Seu acesso só podia ser realizado através de um local demarcado onde o vento transportava a pessoa até a entrada no meio do prédio.A sensação de andar por baixo de um prédio flutuante até o ponto de entrada não era das mais confortáveis. Nazerith não segurava o riso enquanto eu olhava para cima com cara de espanto.Entramos no prédio, voando pelo vento e foi então que eu descobri que lugar era aquele.- Isso é uma escola? – Perguntei ao ver diversas pessoas em círculos distintos, o grupo voltando sua atenção para uma única pessoa a frente de cada, que a sua maneira explicava algo. Tanta coisa pra se ver ao mesmo tempo que não sabia distinguir o que acontecia. O espaço não parecia ter limites, aparentemente estávamos num local a céu aberto e não num prédio. Não havia salas, não se via paredes, a gravidade parecia nem existir. Me sentia estranho andando e não flutuando. Reparei que alguns grupos treinavam algo que parecia uma luta de ventos. Outros ficaram parados sem se moverem por nada, quase meditando.- Aqui é uma Zona Livre, é um espaço que parece infinito, mas é redundante, quando você ultrapassa alguns metros da última pessoa mais distante, você retorna para a outra ponta, como um círculo expansivo. Normalmente as Zonas Livres são utilizadas para aprendizados e práticas de exercícios, mas foram construídas nos tempos das guerras, uma época muito distante. Elas foram criadas e são protegidas pelos Reis do Vento, praticamente indestrutíveis. – Nazerith me olha e vê que não entendi muito bem tudo aquilo – Tudo bem, tire essa cara de quem viu uma equação matemática pela primeira vez. Vou te explicar agora um pouco do que você precisa saber para começar a entender melhor as coisas.- Mas primeiro, preciso comer alguma coisa, estou sentindo uma fome absurda. Tem algum fast food por aqui? O que vocês comem? – Perguntei inocentemente! Realmente eu estava com uma fome que jamais senti antes, o estômago saindo pela boca.Nazerith riu alto, de forma assustadora, acho que ele não tinha muito controle sobre isso, ecoou e chamou a atenção de todos, que pararam pra ver por alguns segundos, e voltaram a suas atividades em seguida.- Vou matar sua fome continuando o que eu estava falando...Interrompi novamente:- Você não entendeu? Eu sou capaz de devorar um urso com a fome que estou não vou prestar atenção em nada!Agora bem mais sério e enérgico, ele me respondeu:- Escute, você que ainda não entendeu, mas vai entender. Quanto mais você discute comigo, mais vai aumentar a sua fome. Quem renasce no Planeta dos Ventos se alimenta de conhecimento. Quanto mais você aprende, mais energia o cérebro cria durante o aprendizado para abastecer seu corpo. Seu cérebro nesse momento está aprendendo a fazer isso e seu corpo está aprendendo a usar a energia do cérebro para transformar as moléculas de ar que você respira em água e em alimento, dentro de você. Quanto mais você evita a informação, mais fome você sente. Já está sentindo a diferença, não está? O corpo te mandando sinal de que está sentindo prazer, te deixando mais aliviado, mas te fazendo querer mais.Era isso mesmo que eu sentia, como se estivesse realmente comendo. Eu precisava de mais daquilo.- Por isso então tanta gente está aqui aprendendo, treinando, se aprimorando? Achei que tinha muita gente aqui mesmo para um povo que não está em guerra há muito tempo. – As coisas começaram a fazer sentido pra mim.- Exatamente. Dentre os planetas do nosso segundo nível, os nascidos do vento são os mais temidos, os que nunca são desafiados, pois nos alimentamos de conhecimento e de técnica. Dizem que o próprio Criador sempre foi mais propenso ao elemento ar. Mas são apenas boatos. Os Reis do Vento dizem que ainda estamos, nesse mundo, muito limitados e não conhecemos muitos dos elementos existentes no universo.O garoto corria enquanto correntes de ar passavam por sua cabeça e as rajadas num vai e vem indicavam que os guerreiros do vento procuravam por eleEle era esperto, sabia que podia ir mais rápido, que podia flutuar, voar, tentar ir pra longe num pensamento, mas preferiu ser cauteloso e não usar suas técnicas, ficando assim o mais escondido possível.Sua mente voltava a um passado recente:- Filho, sabe qual é nossa maior fraqueza, nosso único ponto fraco? - Era a voz suave do Rei Falcão que falava com o pequeno príncipe.- Não consigo imaginar que nosso povo tenha fraquezas, meu pai. - Respondeu o garoto, muito seguro de si.- Então, meu filho, essa é uma das nossas fraquezas, nosso excesso de confiança, nossa incapacidade de perceber que qualquer ser do universo é como uma balança e não existem caracter
A quantidade de vezes que eu coçava a cabeça, como um tique, cada vez que eu ficava assombrado ou que não compreendia alguma coisa, já era incontável.Tudo me surpreendia, cada mínimo detalhe. A forma como todos se organizavam, se mantinham em ordem, se respeitavam acima de tudo, era o que mais chamava minha atenção, talvez a principal diferença daquele lugar em comparação com a Terra. Era algo que eu não conseguia explicar exatamente. Todos eram cordiais uns com os outros, gentis, pacientes. A sensação que dava era que todos sentiam que tinham todo tempo do mundo, que não havia motivo para brigar ou para sempre querer mais pra si mesmo, aquela exigência de prioridade que eu vi tanto nas pessoas na minha outra vida.Nazerith me explicava um pouco mais sobre o funcionamento daquele planeta. Sua sociedade se auto geria. N
Eu já não sabia se pular naquele buraco tinha sido uma boa ideia. Comecei a cair num tobogã de vento. Não tinha paredes, mas o ar pressionava meu corpo e me carregava, cada hora para um lado, num imenso vazio. Parecia um poço sem fundo. Comecei a ter a sensação de que ficaria preso ali para sempre. Um desespero começou a tomar conta de mim. Parecia que quanto mais nervoso eu ficava, mais rápido o vento me levava e mais pressão o ar fazia contra meu corpo. Comecei a pensar o que o velho diria para mim naquele momento: "Se concentre, fique calmo, sinta o que está acontecendo a sua volta.Fechei os olhos, já que não enxergava por conta da escuridão, respirei bem fundo e comecei a prestar atenção em como o vento agia contra meu corpo, ele se chocava hora sobre minha cabeça, hora por meus pés e isso me virava de um
Com tudo aquilo que aconteceu, o novo rei por direito, ali sentado numa poltrona flutuante esperando o velho fazer calmamente um chá que mais parecia uma poção mágica, observando um relógio que tinha 5 ponteiros, os três tradicionais utilizados em qualquer mundo inicial e dois que saiam do plano horizontal, uma seta que apontava pra frente e girava no próprio eixo central e outra girava junto a esse eixo, apontado nas diagonais. Além do “tic, tac” ele também fazia um pequeno assobio contínuo. Não era qualquer lugar que tinha aquele relógio, ele mostrava a sincronia de diferentes planetas no tempo e sua leitura não era fácil.- Cada centímetro de inclinação pode significar rupturas entre galáxias, desproporções no espaço-tempo. – Explicou o ancião, que já
Escolhi uma direção e fui. Não havia Sol naquele céu para eu pensar em me guiar, usando alguma lógica que eu já tivesse aprendido, apesar de existir luz, vinda de todos os lados e não haver sombra. A única decisão que tomei foi a de escolher uma direção e ir em linha reta. As árvores eram espaçadas umas das outras, e não uma mata fechada, então, o risco de me perder ou ser forçado a andar em círculos não existia. Era realmente como um deserto, mas de paisagem incrível, de uma variedade de flora exuberante, nada que eu já tivesse visto na Terra. Andei por um punhado de tempo que não podia ser medido. Não anoitecia, mas a sensação é que já haviam passado dias, meu corpo estava exausto, minha fome e sede insuportáveis. Eu a controlava criando teorias, faze
Ao pousarmos, eu não estava mais sentindo a ponta dos meus dedos, as mãos formigavam, assim como meus braços.- Nazer, algo estranho está acontecendo - O rapaz dizia, como se estivesse sentindo o mesmo que eu.- Eu não estou conseguindo me mexer, os braços estão formando e agora as pernas também. - Eu disse quase caindo, sem conseguir direito parar em pé.- Está acontecendo o mesmo comigo. - O rapaz disse também.Nazer estava completamente inerte, sem saber o que fazer. Olhou para os lados e não viu nada, nem ninguém. Usou seus poderes com o vento para nos manter próximos e sustentados no ar, para não cairmos.- Nazer, meu coração está... lento... Sinto que vai... parar de bater. - Eu sentia o mesmo que ele e não conseguia sequer falar alguma coisa. Minha voz já não sai
Precisávamos entender quais poderiam ser os poderes do General César para conseguir mantê-lo aprisionado. Se ele possuísse o poder do teletransporte já não teríamos mais o que fazer. Nazer acreditava que não era o caso. Ele deve ter recebido alguma ajuda para conseguir chegar até ali. Era a hipótese que fazia mais sentido.- Nazer, ainda existem os calabouços subterrâneos do quartel? - Perguntei sabendo exatamente do que se tratava. Aos poucos minhas memórias e as de Henri eram uma só, como se tivéssemos vivido aquilo mesmo. Mas ainda tínhamos sentimentos e vontades independentes.- Não, não existem mais! O Rei Falcão deu ordem para que tudo que simbolizasse esse nosso passado sangrento e de repressão não existisse mais. - Respondeu.- Ainda existem os calabouços! - Disse, u
O ódio e a raiva dominavam sua mente. Outra batalha perdida e ele só sobreviveu porque buscava um plano reserva de ataque e por isso não estava no meio do restante dos guerreiros que foram derrotados e mortos.Retornar vivo para seu povo com notícias de uma derrota tão avassaladora era sinônimo de covardia. Um único homem, muito menor que qualquer um da sua raça e menos poderoso que a maioria. Mas esse único homem foi capaz de derrotar toda a equipe de combate Corace, naquela ofensiva. E, por mais que tentasse, não conseguia encontrar o responsável. Seguiu os rastros, mas eles acabavam numa cabana. Era como se ele tivesse desaparecido no ar.Pensou em se matar. Ainda assim não seria honrado.Teria que voltar para sua comunidade e pedir que cumprissem o ritual de penitência até a morte.Como aquele mundo tão maravilhos