A quantidade de vezes que eu coçava a cabeça, como um tique, cada vez que eu ficava assombrado ou que não compreendia alguma coisa, já era incontável.
Tudo me surpreendia, cada mínimo detalhe. A forma como todos se organizavam, se mantinham em ordem, se respeitavam acima de tudo, era o que mais chamava minha atenção, talvez a principal diferença daquele lugar em comparação com a Terra. Era algo que eu não conseguia explicar exatamente. Todos eram cordiais uns com os outros, gentis, pacientes. A sensação que dava era que todos sentiam que tinham todo tempo do mundo, que não havia motivo para brigar ou para sempre querer mais pra si mesmo, aquela exigência de prioridade que eu vi tanto nas pessoas na minha outra vida.Nazerith me explicava um pouco mais sobre o funcionamento daquele planeta. Sua sociedade se auto geria. Não existia um governo, apesar de existir um rei. As pessoas analisavam as necessidades de suas comunidades e apresentavam propostas aos seus semelhantes, as melhores ideias escolhidas ganhavam o direito de serem executadas. As moedas de trocas eram livros. Pequenos cartões que, apertados, se transformavam em páginas tridimensionais. O conteúdo semelhante ao que me era familiar: palavras escritas com o objetivo de transferir conhecimento e/ou divertimento.Portanto a noção de riqueza era muito relativa. Talvez para Nazerith, não seria interessante fazer negócio com Eviah pois este, pelo que ele falou, não possuía nenhum livro que Nazerith já não tivesse lido. Em contrapartida, se comparado comigo ou com outros iniciantes, sua coleção poderia equivaler a algo que eu consideraria como milionário. O poder dessa forma estava nas mãos dos que possuíam maior conhecimento, mas estes por sua vez não se utilizavam desse poder como forma de dominação. A sociedade era harmônica, pois todos aprenderam a dividir conhecimento e trabalho uns com os outros e esses dois fatores eram muito valorizados entre eles.- E o Rei? Se a sociedade consegue ser harmônica e não depende de ninguém para controlá-la, por que existe um rei? - Foi minha pergunta lógica.- Nem sempre nossa sociedade foi como é e se chegamos nesse estágio, muito se deve a posição do nosso soberano. Ele é o detentor do maior conhecimento dentre todos nós e foi ele mesmo quem abriu mão desse tal controle sobre a sociedade. Ele se tornou um orientador, um guia para nós. Nunca se impôs para conseguir o que achava certo, muito pelo contrário, sempre nos convenceu, nos fazendo entender o que era melhor. - Conseguia ver a admiração nos olhos de Nazerith.De repente uma sirene começou a tocar. Aquela tranquilidade que nos cercava se tornou estranheza e agitação. Todos começaram a se dirigir para as saídas.- O que é essa sirene? - Questionei Nazerith.- É o chamado de emergência do Rei. Quando essa sirene toca, devemos nos reunir nas praças centrais das cidades e aguardar instruções. - Ele me respondeu bastante preocupado e ofegante, enquanto saímos também.- E por que todos estão tão preocupados, isso é normal não é? - Perguntei com a esperança de uma resposta que me tranquilizasse.- Somente os mais antigos já ouviram esse sinal. Foi quando o Rei assumiu seu reinado e quando começaram nossos tempos de paz, isso já tem alguns séculos.A resposta do velho não foi como eu esperava. Será que o problema era comigo? Foi só eu chegar que a paz centenária do lugar acabou? Bom, "que a aventura comece então", era o que eu conseguia pensar.Todos se reuniram na praça central. Milhares de pessoas. Pelo que entendi em outras cidades, todos fizeram o mesmo. Nós estávamos na capital e o Rei apareceria ali mesmo a qualquer momento. Nos outros locais sua imagem aparecia holograficamente, como se ele estivesse lá.Então ao invés do Rei alguns soldados desceram voando até o círculo central.- Aquele é o general César. Ele manteve o exército treinando técnicas do vento por gerações, dizendo ao Rei que era necessário que tivéssemos alguma proteção, se um dia voltássemos a um cenário de guerra. O Rei concordou, mesmo não gostando da ideia, por achar que a população se sentiria mais segura.Quando olhei para o general percebi que ele brilhava. Era como se uma áurea fizesse um contorno em seu corpo e eu praticamente não conseguia ver outras pessoas ao seu lado.- E esse general, ele brilha mesmo daquele jeito? - Perguntei intrigado.- Você está enxergando ele brilhante? Como se ele se destacasse dos outros? - Nazerith perguntou ainda mais intrigado que eu e respondi que sim com a cabeça. - Magno, nós só enxergamos dessa forma pessoas com a mesma descendência que nós, família de sangue. O sangue é um rastro que jamais se perde no universo e nosso corpo sempre encontra uma forma de identificar esses traços. Aqui é o sentido da visão que indica isso.- Isso significa... - Gaguejei chegando a conclusão, mas Nazerith me interrompeu:- Significa que você é descendente direto do general, significa também que ele veio da Terra e que ele mentiu sobre isso...- Povo do Vento sob o Segundo Sol, amados irmãos, é com muito pesar que venho aqui dar duas notícias devastadoras. - Começou a falar o general e todos emudeceram. - Tenho a difícil missão de comunicar-vos que nosso rei foi assassinado.A multidão entrou em pânico. Era difícil entender todo aquele desespero, sendo que eles sabiam que a alma tinha continuidade, que o rei então só tinha feito uma passagem para outro mundo.- Sei o que você está pensando, Magno. - Nazerith se antecipando e me explicando a situação, como se tivesse lido meus pensamentos. - Não existe assassinatos no nosso mundo. No nosso planeta não é possível reencarnar assassinos, qualquer um que já tenha tirado a vida de outra pessoa jamais esteve no universo do segundo Sol, nunca alguém tirou a vida de alguém aqui. Como também pode perceber, não é todo dia que recebemos novos encarnados. Nosso planeta não abriga uma grande quantidade de recebimentos pois não temos óbitos.Então, comecei a entender um pouco mais a aflição de todos.- Isso significa que os tempos de guerra estão voltando. Que outros chegaram a nossa terra novamente depois de séculos. - Nazerith refletia catatônico com a notícia.- Meus irmãos! - Gritou o general. - Nosso rei permitiu que ainda tivéssemos um exército para que se um dia isso acontecesse nós estivéssemos preparados. Ele não nos deixou desamparados. Estou aqui para garantir que somos mais fortes do que antes e estamos prontos para qualquer invasão. - O general era imponente, firme, conseguia demonstrar segurança àquele povo. - Nós já sabemos quem ousou nos desafiar...Todos se calaram.- Nós recebemos um intruso do povo do fogo do quarto Sol do universo 4.O pânico agora era muito maior, quase como a notícia do Apocalipse. As pessoas gritavam desesperavas, alguns choravam.- É impossível que o povo do fogo quisesse atacar nosso planeta, por mais que eles nos destruíssem as consequências para eles seriam terríveis. Pelas regras básicas do universo os povos não podem atacar outros planetas de níveis inferior. Os mestres do vento teriam abertura para intervir nessa guerra e ela seria uma guerra universal. Mas o povo do fogo não conseguiria vencer. Ninguém pode vencer os mestres do vento. Isso está errado, isso com certeza está errado... - Nazerith murmurava seus pensamentos, suas teorias.Um grito no meio do povo foi alto o suficiente para que o general ouvisse.- Eles podem se teletransportar?Parece que todos estavam com essa mesma dúvida e pararam para ouvir.- Ao que tudo indica o plano de matar nosso rei foi o primeiro teste da técnica de teletransporte deles. Nunca antes alguém de nível 4 conseguiu se teletransportar para um planeta de nível inferior. Nós capturamos o assassino, mas ele não fala, não temos poder para subjugá-lo nem para matá-lo. Mas nosso rei tinha uma prisão de água, de uma antiga conquista que ele teve. Nós o prendemos e de lá ele não pode sair mais. Mas não sabemos se outros virão.Ninguém parecia acreditar em tudo aquilo. Tempos de guerra jamais deveriam atormentar um povo de paz.- Bom, tenho outra notícia. O pequeno príncipe fugiu para as florestas do vento. Estamos tentando localizá-lo, mas ainda não tivemos sucesso pois ele não está usando técnicas de vento. Deve estar tentando se proteger, acreditando que pode estar sendo perseguido ainda pelo assassino do pai. - O general fez uma pequena pausa e voltou a um tom mais pesado do início da conversa, quando passava segurança para todos - Meu povo, nessa situação gostaria de declarar que tomei a decisão de me autonomear Regente do Vento do Segundo Sol do Universo 2.Os soldados se ajoelharam e todo resto do povo foi fazendo o mesmo num efeito dominó.Nazerith perplexo ainda parecia indeciso sobre ajoelhar ou não. Eu fiquei na mesma indecisão.- Se ele mentiu sobre não ser da Terra, sobre o que mais ele poderia mentir? - Balbuciou o velho.Nesse momento, com a multidão caindo de joelhos aos pés de seu novo rei temporário, ele conseguiu ver Nazerith e logo me viu também. Muito provavelmente me percebeu brilhante, assim como eu o via.Ele chamou um soldado próximo a ele, pedindo que se levantasse, me apontou e o soldado começou a vir em minha direção.- Magno, corra, corra muito e não pare! Vá sentido a torre leste, ali. – apontou com o dedo para a tal torre - lá você verá a floresta. É pra lá que você tem que ir. - Nazerith me empurrava, eu confuso perguntei:- E quando eu chegar lá o que faço?- Confie em mim... Corra! Se encontrar alguém parecido comigo, confie nele! - Gritou, se perdendo também no meio da multidão.- Traidor, peguem o traidor! - Gritou o General apontando para mim.Eu já estava saindo do meio da multidão, percebi uma entrada, algo como se fosse um bueiro. Abri e pulei sem nem imaginar o que havia dentro. Foi o tempo de escutar uma voz:- Ele foi pela saída de escape de vento dos guerreiros. O perdemos...Eu já não sabia se pular naquele buraco tinha sido uma boa ideia. Comecei a cair num tobogã de vento. Não tinha paredes, mas o ar pressionava meu corpo e me carregava, cada hora para um lado, num imenso vazio. Parecia um poço sem fundo. Comecei a ter a sensação de que ficaria preso ali para sempre. Um desespero começou a tomar conta de mim. Parecia que quanto mais nervoso eu ficava, mais rápido o vento me levava e mais pressão o ar fazia contra meu corpo. Comecei a pensar o que o velho diria para mim naquele momento: "Se concentre, fique calmo, sinta o que está acontecendo a sua volta.Fechei os olhos, já que não enxergava por conta da escuridão, respirei bem fundo e comecei a prestar atenção em como o vento agia contra meu corpo, ele se chocava hora sobre minha cabeça, hora por meus pés e isso me virava de um
Com tudo aquilo que aconteceu, o novo rei por direito, ali sentado numa poltrona flutuante esperando o velho fazer calmamente um chá que mais parecia uma poção mágica, observando um relógio que tinha 5 ponteiros, os três tradicionais utilizados em qualquer mundo inicial e dois que saiam do plano horizontal, uma seta que apontava pra frente e girava no próprio eixo central e outra girava junto a esse eixo, apontado nas diagonais. Além do “tic, tac” ele também fazia um pequeno assobio contínuo. Não era qualquer lugar que tinha aquele relógio, ele mostrava a sincronia de diferentes planetas no tempo e sua leitura não era fácil.- Cada centímetro de inclinação pode significar rupturas entre galáxias, desproporções no espaço-tempo. – Explicou o ancião, que já
Escolhi uma direção e fui. Não havia Sol naquele céu para eu pensar em me guiar, usando alguma lógica que eu já tivesse aprendido, apesar de existir luz, vinda de todos os lados e não haver sombra. A única decisão que tomei foi a de escolher uma direção e ir em linha reta. As árvores eram espaçadas umas das outras, e não uma mata fechada, então, o risco de me perder ou ser forçado a andar em círculos não existia. Era realmente como um deserto, mas de paisagem incrível, de uma variedade de flora exuberante, nada que eu já tivesse visto na Terra. Andei por um punhado de tempo que não podia ser medido. Não anoitecia, mas a sensação é que já haviam passado dias, meu corpo estava exausto, minha fome e sede insuportáveis. Eu a controlava criando teorias, faze
Ao pousarmos, eu não estava mais sentindo a ponta dos meus dedos, as mãos formigavam, assim como meus braços.- Nazer, algo estranho está acontecendo - O rapaz dizia, como se estivesse sentindo o mesmo que eu.- Eu não estou conseguindo me mexer, os braços estão formando e agora as pernas também. - Eu disse quase caindo, sem conseguir direito parar em pé.- Está acontecendo o mesmo comigo. - O rapaz disse também.Nazer estava completamente inerte, sem saber o que fazer. Olhou para os lados e não viu nada, nem ninguém. Usou seus poderes com o vento para nos manter próximos e sustentados no ar, para não cairmos.- Nazer, meu coração está... lento... Sinto que vai... parar de bater. - Eu sentia o mesmo que ele e não conseguia sequer falar alguma coisa. Minha voz já não sai
Precisávamos entender quais poderiam ser os poderes do General César para conseguir mantê-lo aprisionado. Se ele possuísse o poder do teletransporte já não teríamos mais o que fazer. Nazer acreditava que não era o caso. Ele deve ter recebido alguma ajuda para conseguir chegar até ali. Era a hipótese que fazia mais sentido.- Nazer, ainda existem os calabouços subterrâneos do quartel? - Perguntei sabendo exatamente do que se tratava. Aos poucos minhas memórias e as de Henri eram uma só, como se tivéssemos vivido aquilo mesmo. Mas ainda tínhamos sentimentos e vontades independentes.- Não, não existem mais! O Rei Falcão deu ordem para que tudo que simbolizasse esse nosso passado sangrento e de repressão não existisse mais. - Respondeu.- Ainda existem os calabouços! - Disse, u
O ódio e a raiva dominavam sua mente. Outra batalha perdida e ele só sobreviveu porque buscava um plano reserva de ataque e por isso não estava no meio do restante dos guerreiros que foram derrotados e mortos.Retornar vivo para seu povo com notícias de uma derrota tão avassaladora era sinônimo de covardia. Um único homem, muito menor que qualquer um da sua raça e menos poderoso que a maioria. Mas esse único homem foi capaz de derrotar toda a equipe de combate Corace, naquela ofensiva. E, por mais que tentasse, não conseguia encontrar o responsável. Seguiu os rastros, mas eles acabavam numa cabana. Era como se ele tivesse desaparecido no ar.Pensou em se matar. Ainda assim não seria honrado.Teria que voltar para sua comunidade e pedir que cumprissem o ritual de penitência até a morte.Como aquele mundo tão maravilhos
Quando me aproximava da linha de frente da contenção dos ataques, aconteceu o que parecia uma chuva de meteoros, imensas bolas de fogo caindo em direção da fortaleza. E antes que eu pudesse tentar pensar em fazer algo, um rapaz que eu não conhecia, diferente dos outros, que não estava vestido como um soldado do Vento, conseguiu destruir as bolas de fogo, com o poder do vento, espalhando pequenos estilhaços no ar, atingindo os inimigos. Quando subi na torre, outro ataque começava, dessa vez alguém havia causado um enorme incêndio na floresta que rapidamente se espalhava em direção da fortaleza. O rapaz fez uma nova tentativa de impedir o ataque, mas agora, não teve o mesmo sucesso de antes. Eu resolvi tentar, me concentrei em apagar o fogo, em retirar todo o oxigênio que estava em volta das chamas e quando estava o mais focado possível, e
"Os Reis se uniram novamente e com seu poder subiram aos céus para tentar salvar o mundo." Nossa audição parecia muito mais aguçada, agora. Estamos no espaço e com um pouco de concentração podíamos ouvir algumas conversas, alguns sons, com bastante clareza. Mas a missão científica, mesmo com o poder que tínhamos adquirido não era nada fácil.Dash, que descobrimos que tinha um poder que era algo como copiar as habilidades de alguém que tocasse, agora com os mesmos poderes que nós, ou pelo menos quase, já que mesmo que ele copie, o ritmo de evolução é diferente e nós já tínhamos evoluído bastante, estava em solo e iria manipular o ar para nos indicar o local exato onde eu deveria ir. Com o movimento de rotação e translação do planeta, mesmo que lentos, esse ponto mudava e ele tinha que se basear em cálculos corretos e usar a força correta. Nesses pontos iriamos criar bolhas de gases mais pesados que iríamos puxar de outra ponta do planeta. A ideia era a de que, em uma alta al