A Floresta

Eu já não sabia se pular naquele buraco tinha sido uma boa ideia. Comecei a cair num tobogã de vento. Não tinha paredes, mas o ar pressionava meu corpo e me carregava, cada hora para um lado, num imenso vazio. Parecia um poço sem fundo. Comecei a ter a sensação de que ficaria preso ali para sempre. Um desespero começou a tomar conta de mim. Parecia que quanto mais nervoso eu ficava, mais rápido o vento me levava e mais pressão o ar fazia contra meu corpo. Comecei a pensar o que o velho diria para mim naquele momento: "Se concentre, fique calmo, sinta o que está acontecendo a sua volta.

Fechei os olhos, já que não enxergava por conta da escuridão, respirei bem fundo e comecei a prestar atenção em como o vento agia contra meu corpo, ele se chocava hora sobre minha cabeça, hora por meus pés e isso me virava de um lado para o outro.

Aos poucos comecei a sentir como se fizesse parte dele. O ar se movia e meus membros pareciam se tornar parte dele, até que num movimento que fiz, o vento seguiu a direção que eu quis. Na primeira vez isso abriu caminho sob meus pés e minha queda acelerou ainda mais. Na rajada de vento que se seguiu eu rodei meus braços e a velocidade da minha queda começou a diminuir. Era como se eu começasse a flutuar, a voar. Uma enorme força agia para cima, contra a gravidade, me mantendo no mesmo lugar. Até que num determinado momento eu já não sentia mais força nenhuma, era como se o ar a minha volta e meu corpo tivessem se tornado uma coisa só. E a escuridão, então, se dissipou e eu pude ver o chão se aproximando. Consegui descer com tranquilidade, como se estivesse pousando uma nave, tocando levemente meus pés no chão. Quando comecei a andar percebi que eu estava em algo que parecia um labirinto. Tentei voar usando a técnica que acabei de aprender naquele momento, mas quando eu subia, por mais que eu me movesse na escuridão das alturas, sempre que descia, eu estava no mesmo lugar, no mesmo corredor. Não haveria outra saída, eu teria que tentar percorrer aquele caminho andando e descobrir onde eu poderia chegar.

Esperava a todo momento que algo extraordinário acontecesse, numa sequência lógica de tudo que se sucedeu para mim até ali. Como num enredo de um filme, ficava espreitando sombras a cada curva, imaginando aranhas gigantes robôs ou bruxos montados em suas vassouras com varinhas flamejantes. Sabia que minha memória trazia elementos que ainda não tinham me abandonado de minha outra vida, que talvez nunca irão me abandonar. Comecei um debate filosófico dentro de minha mente julgando se a criatividade era uma virtude ou um defeito. Se me preparava para qualquer coisa que pudesse ocorrer, sem me surpreender de verdade, ou se me tornava um covarde, temendo coisas que eu não sabia que poderiam sequer existir.

A caminhada chata foi diminuindo minhas expectativas de continuidade infinita de aventura e começava a me cansar. Percebi que não estava mesmo num labirinto pois apesar de idas e vindas, não havia, até então tido que tomar decisões sobre o rumo da jornada. Não houve nenhuma bifurcação. O caminho não permitia opções. 

Até que comecei a perceber alguém se aproximando, vindo em minha direção. Parei e o desconhecido também parou. Ambos na dúvida sobre continuar ou não o trajeto. Seria ele um fugitivo também? Esse pensamento me fez continuar. Se fosse um soldado, não teria parado ao me ver. Voltei a andar e o desconhecido também continuou, vindo em minha direção. Ele perguntaria algo ou passaria direto? E se perguntasse? O que eu poderia responder?

Quando me aproximei o bastante para conseguir enxergar, na pouca luz que irradiava de algum astro ou satélite no céu que eu ainda não tinha conseguido ver direito por conta das sombras das árvores, olhei em seu rosto e me assustei. Eu estava encarando um espelho. Aquele desconhecido era exatamente igual a mim e repetia os meus movimentos. Fui me aproximando lentamente, então, e na distância de um passo levei minha mão ao seu ombro, para tentar tocá-lo e ele fez o mesmo em mim. Ambos nos assustamos ao perceber que éramos reais. Perguntei quem era ele e ele fez a mesma pergunta ao mesmo tempo. Já não podia dizer se minha mente me enganava ou se aquilo era alguma armadilha. Tentei continuar em frente, mas aquele meu reflexo não me permitia continuar. Minha ideia foi segurá-lo e girar junto com ele e deu certo. Ficamos de lados opostos e pudemos ficar de costas um para o outro. Fui andando e quando virei para ver se ele fazia o mesmo, ele estava parado no mesmo local, olhando para mim. Continuei meu caminho e ouvi sua voz dizendo, agora já não mais como a minha:

- Parabéns! Eu sou o espírito da floresta e por você não usar de violência e sim resolver um impasse com inteligência e calma, tem o direito de andar por essas matas.

Pena que eu ainda não sabia exatamente pra onde eu estava indo, até que de repente um buraco se abriu aos meus pés e eu estava novamente em queda livre.

Dessa vez a queda me parecia mais estranha. Eu sentia a mesma força intensa de gravidade, mas não estava mais num buraco escuro. Logo reparei que parecia como se ao meu lado direito houvesse grama, plantas, árvores, como se tudo estivesse na vertical e do lado esquerdo nuvens, animais voadores e algumas estruturas que eu poderia jurar serem ilhas flutuantes. Parecia que minha queda era como uma força me puxando de lado. Aos poucos minha sensação não era mais de queda, mas como se algo estivesse me puxando. Algumas vezes o cenário que estava de um lado trocava com o de outro, mas não era eu quem tinha virado de ponta-cabeça, mas a floresta.

Comecei a perceber, então, que eu podia controlar meus movimentos. Fui movendo meus braços e eles pareciam interferir no ar à minha volta, criava ondas, que levemente giravam meu corpo. Até ali, eu mal conseguia me mexer, parecia que ao tentar, meu corpo era impedido pelo vento. Mas agora, tentando com mais suavidade, fui notando que apenas os dedos já mudavam algo que era invisível aos meus olhos. Era como uma energia. Se eu estivesse dentro de um jogo de videogame eu poderia jurar que já tinha dado a volta em todo o cenário, parecia mesmo com um jogo, era um mundo todo no subsolo de uma floresta, que pela minha sensação era mesmo um globo, um circuito que não fazia parte do andar superior, que tinha sua própria luz, mas que não tinha Sol no céu. Posicionando meus pés e minhas mãos, comecei a conseguir me inclinar e criar movimentos perpendiculares. Me aproximava do chão e subia mais aos céus, cada vez mais próximo das árvores, até da grama e cada vez mais alto nas estranhas nuvens. Até que finalmente meus dedos conseguiram agarrar o tronco de uma árvore, do meu outro braço que se esticou continuando a ser levado, uma rajada de ar incrível se fez, criando uma clareira no que parecia ser uma grande plantação de algo que parecia trigo. Tomei o controle do meu corpo por um momento e eu parecia flutuar, voar livremente, e novamente eu caí, mas agora a gravidade que me puxou foi a do solo. A felicidade de ter novamente a liberdade de me mexer e de andar logo foi substituída pela frustração de 360° de horizonte totalmente deserto. Onde eu estava e o mais importante, para onde eu iria agora?

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