PV Marylin Darlinghton
Os dois homens me olhavam curiosos, pensei que talvez eles me expulsariam do barco, mas não foi o que aconteceu, eles me deram roupas que ficaram extremamente grandes, mas que eram confortáveis, eles não pediram explicações. Apenas me olhavam e esperavam por algo que eu dissesse além de obrigada.
— As roupas ficaram grandes, mas eram as únicas que tínhamos aqui que caberia em você, era da minha filha antes dela decidir se casar – disse o senhor mais velho, observando como a roupa estava sobrando em meu corpo de modelo. — Ela era um pouco mais robusta que você — comentou sorrindo, ele mostrava um olhar de saudade no rosto.
— Ela está muito longe? — Sem dúvida meu pai sentiria o mesmo que ele, e isso me entristecia, se ao menos o tivesse escutado, agido diferente, eu estaria com ele, sem precisar ter medo da minha sombra.
— Ela acabou de se casar, está morando em Atenas, pelo menos por enquanto – disse com pesar. — Eu não queria que ela se casasse sabe, ela é tão nova, tem tanto para viver, e agora tudo que a espera são filhos e uma casa para cuidar. — Ele me olhou e parecia vê-la. — Eu queria que ela ganhasse o mundo como eu não pude, que ela lutasse por algo a mais. Não consegui ajudá-la, mas talvez consiga ajudar você — disse estendendo a mão. — Meu nome é Ulisses e o homem que você conheceu é meu filho Aquiles. — Peguei na mão dele uma segunda vez naquele dia, agora com a certeza de que ele era um bom homem e que talvez eu pudesse, pelo menos, por um curto período, ficar em paz, sentindo a brisa do mar sem ter medo do que vinha atrás de mim nem do que me esperava no futuro.
— Sou Mary.
Ao me apresentar, foi como se liberasse um mundo de expectativas. Daqui para frente, ali naquele barco, rodeada por aquelas duas pessoas, eu tinha a chance de seguir, de ser quem eu era, sem ter medo de errar, de me arrepender, eu estava sozinha, sem dinheiro, sem saber para onde ir, a não ser por aquele barco que viajava à mar aberto em direção ao horizonte para longe da França, longe de William, para longe de tudo que um dia ele me causou, da dor, do ressentimento e daquela dor. A dor do amor era um tema que sempre odiei ler, sempre evitei romances porque era como entrar em uma prisão sem fim, mesmo que não fosse sua história, você acabava sendo influenciada, como muitas meninas da minha idade eram, agora aqui andando entre a cozinha e o único quarto do barco me perguntava se talvez eu tivesse pegado uma história qualquer, de um romance qualquer, eu não tivesse sido preparada para William, talvez os livros de romances podiam ter me salvado do meu trágico fim, e do meu longo futuro obscuro mais à frente.
Eu tinha chegado ali com garra e coragem, depois de tudo que eu passei, estar ali rodeada por boas pessoa talvez fosse uma recompensa do destino, por ter me entregado a um homem que não me amava, um monstro, era isso que ele era e sempre seria, eu jamais o perdoaria, jamais conseguiria esquecer as noites em tormenta que passei, toda a dor física que ele tinha me feito passar, a dor emocional que eu ainda sentia, porque no fundo saber que meu coração batia forte por ele, mesmo depois de tudo, era como se fosse um segundo castigo pelas minhas escolhas erradas, pelo fato de eu o escolher, em vez da minha liberdade, algo pela qual sempre lutei, eu sempre fui diferente e ao conhecer William eu queria me tornar normal, simples, humana. Esqueci o que sempre me fez viver e lutar, esqueci daquilo pelo qual eu fiz meu pai me apoiar a cada ano da minha vida, aquilo que fazia com que qualquer medo fosse embora, aquilo que fazia com que eu subisse em árvores e aos cincos anos montasse em meu primeiro cavalo sem ter medo do quão alto eu estaria montada nele, e no fato de que podia cair a qualquer momento. Liberdade, a minha liberdade, sempre me levou a locais e problemas pelos quais só me fizeram crescer e não me arrepender de nada do que já fizera em minha vida, até o exato momento em que um homem fez com que ela perdesse lugar.
Não sabia para onde esse barco iria me levar, mas sabia que iria sobreviver. Nada mais nessa vida podia me atingir, eu ia viver como vivia antes de William, mas agora pela primeira vez eu estaria sozinha, sem nada além do meu reflexo no espelho e o meu vestido de noiva que ao colocá-lo numa sacola era como se estivesse abrindo outra porta para achar o que seria do meu presente, não sabia o que faria com ele, mas desejava jogá-lo no fundo do mar como meu passado de poucas horas atrás.
— Não o jogue. — Olhei para trás vendo Ulisses me observando. — Ele deve ter custado caro, você pode vendê-lo, e assim conseguir algum dinheiro — falou, apontando-me um dos beliches. — Pegue e coloque o vestido debaixo da cama, deixe o lá e quando fizermos a última parada em Atenas irei te levar a uma costureira, tenho certeza de que ela pagará bem pelo vestido, o suficiente para você sobreviver – disse, aproximando-se e pegando em meu ombro antes de levantar a mão, secando uma lágrima que nem eu mesma sabia que tinha derramado. — Reze para os deuses, eles sempre têm uma solução para tudo — disse antes de sair, deixando-me sozinha, joguei-me na cama empurrando o vestido para o chão e para debaixo dela. Aquele seria meu destino então. Atenas, Grécia.
Tinha um destino, só faltava resolver o que fazer com ele.
PV Marylin DarlinghtonUma semana depois...Viajar pelos mares era a melhor sensação que se poderia viver, o vento e a água batiam contra você, juntos como uma faca cortante, mas em vez de ser dolorosa, era como uma massagem que te fortalecia. Meu mundo tinha se resumido àquele barco, comecei a ajudar Ulisses e Aquiles em tudo, nunca tinha sentido meus braços tão pesados, e minhas costas doloridas como estavam agora. Tudo doía, mas eu me sentia plena, sem problemas, mesmo que estivesse fedendo a peixe. — O que iremos comer hoje, Mary? — perguntou Aquiles, encostando-se ao meu lado, colocando o braço em cima do meu ombro. Não tinha como ser mais abusado do que ele. — Hoje teremos peixe frito com arroz — falei, vendo-o fazer careta antes de reclamar, que era o que ele mais fazia o dia todo e infelizmente não podia culpá-lo. Peixe era a única coisa que eles comiam, e só tinha três formas. Cru, cozido ou frito, os três com o mesmo tempero e com os mesmos acompanhamentos. Eu não reclama
PV Marylin DarlinghtonAssim que desci do barco uma rajada de vento veio em minha direção como se me desse boas-vindas, era refrescante e novo de uma forma que eu não entendia, sentia que estava de volta com a minha liberdade e com um pouco do meu eu.Andei pelas ruas acompanhando Ulisses e Aquiles, observando aqueles rostos novos e desconhecidos, sorridentes e alegres, aqui era o oposto de tudo que vivi nos últimos meses, o sol acima de mim queimava e revigorava cada célula do meu corpo, cada machucado do meu coração, e cada pensamento ruim da minha mente. Era um novo mundo, novas pessoas, um novo começo surgia aqui. — Mary. — Virei-me para Ulisses que sorria me observando. — Você combina com esse país, e essa cor fica bonita em suas bochechas, parece uma menina com um brinquedo novo.Sorri em sua direção, um sorriso que há muito tempo eu não dava e o respondi: — Eu acabei de ganhar algo maior que qualquer brinquedo — respondi e andei alguns passos à sua frente antes de Aquile
PV Marylin DarlinghtonAssim que saí do templo encontrei Ulisses encostado na moto, desci as escadas e parei em sua frente. — Agora irei te mostrar o restante da cidade.***Ulisses me mostrou toda a cidade de Atenas em quase três horas de passeio, paramos para comer, e fazer as compras para o almoço que sua esposa prepararia para nós.Agora estávamos na última parada para irmos de volta a Pireu. Ulisses estacionou em frente a uma grande loja com belas vestimentas na vitrine. — Essa é a melhor loja de Atenas. Aqui há compra e venda de tecidos, assim como tem a melhor costureira da cidade.Desci da moto carregando a sacola que continha a última parte da minha vida na Riviera Francesa.Passei pela porta que Ulisses abriu para mim e no mesmo momento paralisei no lugar. — Divertido, não é? — Incrível seria a palavra certa.Aquela loja era diferente de tudo que eu já tinha visto, tecidos circundavam as paredes, e o teto era de várias cores diferentes, não tinha começo nem fim, parecia
PV Marylin Darlinghton Ulisses dirigiu para casa de forma rápida e ansiosa enquanto passávamos pelas ruas, pelos moradores e turistas que curtiam o sol, a ansiedade de Ulisses tinha passado para mim enquanto dirigia, então quando paramos comecei a me preocupar, enquanto ele ficava calmo. — Ela vai adorar você — disse ele enquanto segurava as sacolas deles e as minhas e me guiava em direção à entrada da casa.Uma mulher apareceu em nossa frente, carregando uma enorme travessa, ela parou notando nossa presença. Ela olhou em minha direção sorridente e em seguida olha para Ulisses com os olhos cheios de lágrimas, antes de deixar a travessa em cima da mesa de centro e correr para os braços dele. Afastei-me e observei a cena, sorrindo. Ela era uma mulher morena e de lindos olhos azuis e profundos, tinha um sorriso encantador no rosto, mesmo que já tivesse algumas marcas da idade, ela tinha um ar puro e feliz, e observando os dois ao longe dava para sentir o amor deles, a paixão ainda
PV Marylin DarlinghtonOlhei para as ruas de Pireu, seria minha última volta, minhas últimas compras nessa cidade por um longo tempo.Acompanhei Ulisses pela feira dos pescadores, rindo com as piadas e as explicações de Aquiles que me acompanha com o braço ao meu redor, ele não me largou desde que soube da minha viagem para a Ilha do Pescador. — Você poderia ficar mais um pouco, posso te ensinar a pilotar o barco, a pescar com arpão, a cozinhar um bom camarão, a beber conhaque sem engasgar, tenho tanta coisa para te ensinar, Mary. — Desde quando você cozinha? — Desde o momento em que você disse que vai para a ilha do pescador. Posso cuidar de você, Mary, posso te ensinar as coisas boas da vida e posso te proteger, ninguém vai te machucar se eu estiver ao seu lado. — Olhei para Ulisses que tinha parado de andar para olhar para mim e Aquiles, ele sorriu para mim e voltou a andar. — Aquiles, eu... Preciso me encontrar, encontrar de novo minha liberdade, mesmo que seja em uma ilha, eu
PV Marylin DarlinghtonA viagem de barco para meu novo destino foi rápida e constante como as batidas do meu coração que estavam aceleradas, o pescador me ajudou a colocar todos os meus mantimentos em cima da areia tão rápido quanto ele podia e em seguida partiu, sem me dar a chance de agradecê-lo. Eu o vi partir deixando-me a sós com a ilha e seu enorme castelo.Olhei em volta, peguei as sacolas mais pesadas levando-as para o grande castelo que se erguia, as nuvens negras que começava a se formar no céu me preocupavam, subi à costa de pedra que se erguia como um grande muro de proteção ao redor do castelo até finalmente enxergá-lo em todo seu esplendor e em seu estado degradado à minha frente.Coloquei as sacolas em frente à porta que em breve eu abriria e desci a costa novamente para pegar o restante das sacolas, conseguindo trazer todas, parei em frente a porta e respirando fundo, peguei a chave que tanto eu guardara, coloquei na velha fechadura que rangeu como se há décadas não fo
PV Marylin Darlinghton Um novo dia, um novo recomeço. A tempestade tinha ido embora, e agora eu começaria a fazer daquele castelo minha casa.Levei todas as sacolas com meus suplementos para a enorme cozinha, depois subi os andares entrando em cada quarto e abrindo suas enormes janelas, andar por andar.E só então abri a porta do meu castelo, recebendo o quente calor que o sol me oferecia, e a bela vista da minha ilha e do seu enorme mar, me atrevi a andar em direção à floresta que se estendia, mas fui impedida ao ouvir um barulho vindo do galpão, era grande e parecia ser um motor de barco, andei em direção ao galpão atrás do castelo, sentindo um frio que não conduzia com o enorme calor que fazia, entrei no celeiro notando sua porta aberta, a qual eu não deixei na noite passada, observei o enorme gerador de energia rodar, o teto do galpão estava aberto, e o sol irradiava em direção aos seis painéis solares que não existiam na noite passada. — Como isso é possível? — Olhei em vo
PV Marylin DarlinghtonNão sei como, mas consegui dormir na banheira, e acordei com a sensação de estar sendo observada, senti o mesmo frio subir por todo meu corpo, quando abri os olhos e vi um vulto passar pela pequena fresta da porta entreaberta, levantei e corri em direção à sombra, mas quando alcancei as escadas para descer para o segundo andar, já não a vi mais.Olhei em volta e desci os andares, até o escritório, abri a porta verificando se não havia ninguém lá e entrei, tranquei a porta e respirei fundo. Peguei a toalha que deixei em cima da mesa do escritório e me cobri. — Pensei que tinha um acordo com você — disse para o nada, peguei as bolsas com roupas e as puxei para mim, examinando cada uma, escolhendo um vestido branco, com grandes girassóis amarelos, e uma calcinha branca de algodão simples, eu estava com fome, tinha que enfrentar o que quer que estivesse lá fora. — Vou sair e estou vestida, e não entrarei mais no seu quarto — disse abrindo a porta e olhando pelo ext