Capítulo 3

PV Marylin Darlinghton

Uma semana depois...

Viajar pelos mares era a melhor sensação que se poderia viver, o vento e a água batiam contra você, juntos como uma faca cortante, mas em vez de ser dolorosa, era como uma massagem que te fortalecia. Meu mundo tinha se resumido àquele barco, comecei a ajudar Ulisses e Aquiles em tudo, nunca tinha sentido meus braços tão pesados, e minhas costas doloridas como estavam agora.  Tudo doía, mas eu me sentia plena, sem problemas, mesmo que estivesse fedendo a peixe.

 — O que iremos comer hoje, Mary? — perguntou Aquiles, encostando-se ao meu lado, colocando o braço em cima do meu ombro. Não tinha como ser mais abusado do que ele.

 — Hoje teremos peixe frito com arroz — falei, vendo-o fazer careta antes de reclamar, que era o que ele mais fazia o dia todo e infelizmente não podia culpá-lo. Peixe era a única coisa que eles comiam, e só tinha três formas. Cru, cozido ou frito, os três com o mesmo tempero e com os mesmos acompanhamentos. Eu não reclamava e nem tinha o direito, a fome também não deixava. Trabalhávamos a manhã e à tarde até as 8 da noite sem descanso, puxando linha, jogando linha e no fim, limpando os peixes, uma coisa que eu realmente não era muito boa em fazer, preferia mil vezes puxar metros de linha do mar, e ficar com meus braços todos doloridos do que extirpar um peixe, além do cheiro, tinha todo aquela gosma horrível. Era uma parte do trabalho que eu não gostava, e por sermos em três só fiz duas vezes, que foram o suficiente para eu aprender e odiar o ato.

Hoje chegaríamos ao Porto de Pireu, a uma hora de Atenas, não pensei que seria tão rápido e tranquilo. Não sabia para onde iria nem o que aconteceria depois que chegasse, mas eu sabia que tinha que resolver minha vida por lá, sozinha, pela primeira vez eu não teria meu pai comigo, acompanhando-me e apoiando como sempre tive desde pequena. Agora a única coisa que eu tinha dele, era uma carta, um presente de casamento do qual ele sempre foi contra. A entrega desse presente foi a última vez que o vi desde que decidi casar com William. Falávamo-nos por telefone, mas ele não me visitou mais depois de saber o que eu tinha feito. Não sei se por telefone, um dia ele desconfiou o que me acontecia, eu sabia que ele não aprovava e que pela primeira vez eu concordava com ele em não aprovar meu envolvimento com William, por isso não o deixava tocar no assunto, sempre desviava quando ele perguntava se tudo estava bem, desviar e retroceder era o que eu fazia. Eu não conseguiria mentir, porque as lágrimas cairiam, e não poderia contar, porque eu não conseguiria parar de chorar e se eu contasse, era algo sem volta, e além de me machucar, machucaria quem me ouvisse.

Parecia tudo muito caótico. E olhando agora estando longe de toda a situação que me meti. Eu lembrava de tudo como se tivesse vivido há anos, não há apenas alguns dias. Em meses de romance, eu tinha me entregado, tido a ilusão de ter conhecido o homem da minha vida, me casado, fui traída, e em seguida quase casado novamente. E no meio disso tudo eu tinha aprendido como um homem poderia ser mau, um verdadeiro monstro.

No meu caso eu sempre achei que não aconteceria comigo, sempre fui bonita, inteligente e incapaz de acreditar no amor real de um homem e uma mulher, jamais me imaginei em uma situação na qual fui parar. Enquanto eu crescia, de criança a adolescente eu não me aproximava muito dos meninos, tanto que meu primeiro beijo só aconteceu aos 18 anos, depois do meu primeiro desfile. Foi com um dos convidados, Shaw era esse seu nome, era sócio da empresa de sapatos para quem desfilava, eu senti atração por ele, uma química, ele era bom de conversa, simpático e viajava pelo mundo inteiro aquilo me chamou atenção como nenhum homem jamais me chamara. Beijá-lo foi algo novo, e só aconteceu novamente depois que conheci William.

Pensar sobre tudo que me aconteceu era como se tudo doesse de novo, como se os machucados acontecessem de novo, e perguntas as mesmas que me rondavam quando as surras terminavam e exclusivamente uma específica.

Onde eu tinha errado?

Não deveria me perguntar isso no fundo, eu sabia, mas isso fazia parte de um tormento profundo que eu criei após as surras que talvez nunca sumissem.

Talvez aqui na Grécia eu conseguisse pelo menos esquecer e ao esquecer eu conseguisse me encontrar novamente, encontrar a velha eu, a Mary antes de William, antes de todo o desastre do amor e da prisão que ele me trouxe.

Olhei em volta começando a perceber que o mar parou de me rodear, para ser tomado por grandes rochas, deixando para trás todo aquele vazio azul, observei não mais à frente e sim os lados, eram rochas enormes que me lembravam os grandes prédios de Nova York. 

Admirar aquela vista era como ver através de um retrovisor em zoom máximo de uma câmera, era esplêndido, era uma cena magnífica, mas que sumia e aparecia. Algo mágico.

Respirei fundo e fechei os olhos sentindo a brisa profunda e forte batendo contra meus cabelos. E ao abrir os olhos vi uma cena estonteante, e sombria que arrepiou cada pelo do meu corpo.

 — Assustador, não é? — falou Ulisses chegando ao meu lado. O barco estava sendo levado apenas pela onda do mar, sem mais o roncar do motor. Algo notável, mas não tanto quanto a vista.  — Sabe o que essa ilha me lembra? O filme do conde Drácula, feito em 1970. Esse castelo sem dúvida me lembra o do Drácula, a não ser pelo fato de ser em uma ilha no meio da Grécia.

 — E por não ter um Drácula – comentei, ainda sentindo um frio percorrer minha espinha.

A imagem era assustadora e encantadora ao mesmo tempo. Um castelo, rodeado por rochas, no meio do mar. Apenas ali, parecia que as ondas batiam violentamente. O castelo, suas paredes e sua torre pareciam estar caindo, sujas e imperfeitas. Não tinha janelas abertas, e nenhum barco à costa, apenas algumas árvores o rodeavam.

 — Bom, isso eu não posso comprovar, segundo a lenda pode até não ter um Drácula, mas há um homem sozinho que mora no castelo segundo os pescadores. Há algum tempo, mais ou menos uns cinco ou seis anos atrás um homem se mudou para esse castelo, ele passou pela cidade como um fantasma, levou comida suficiente para seis meses no máximo e pagou para um dos pescadores para trazê-lo até o castelo. Depois disso, esse homem nunca mais foi visto. Vieram procurá-lo, depois de um tempo, mas não o acharam vivo nem morto. Então partiram e colocaram o castelo à venda. Não sei se foi comprado ainda, mas depois que boatos começaram a surgir dizendo que o homem reaparecia para espantar os pescadores da ilha que é muito farta de peixes e do acidente do pescador que decidiu vir pescar nessa região exatamente aqui onde estamos, longe o suficiente, mas perto o suficiente para irmos até lá se algo acontecesse com o barco, foi o que aconteceu com o pescador. Ele não esperava, mas o barco dele por acaso quebrou e nos últimos instantes ele decidiu se dirigir para lá, e foi o maior erro da vida dele.

 — Por quê? — perguntei, vendo que ele se calou de repente.

 — Porque ele nunca mais voltou – disse por fim.

Eu não me assustava, mas aquela história tinha me deixado curiosa.

 — Não procuraram pelo pescador? – perguntei.

 —  Ninguém nunca teve coragem, Mary, e além do mais, todos dizem ser uma história, a não ser eu, e mais três pescadores que conheciam o Antônio. Ele era amigo de Aquiles.

 — Então não é história de pescador?

 — Pelo menos não para mim, mas acabou virando, depois que o menino nunca mais apareceu e foram encontrados apenas destroços do barco — falou Ulisses, ele me analisou e sorriu voltando ao seu humor natural.  — Falta pouco para chegar em Pireu, de lá irei te levar até Atenas para vender o vestido e depois lá o destino é da sua escolha. Um conselho? Fique em Pireu, é o melhor ponto para se morar. Menos população, menos fofoca. Menos chance de te acharem se realmente estiver fugindo como acho que está – falou antes de voltar para a cabine. Ulisses era um homem esperto e eu sabia que era impossível esconder o que estava óbvio. Quem pulava em um barco em movimento vestida de noiva se não estivesse fugindo do noivo?

Logo estaria em terra firme.

Toquei o colar que meu pai me deu aos 5 anos. Ele mesmo tinha feito. Era em formato de cavalo. Uma égua selvagem, segundo ele. Fugia do que as prendia, e procurava a liberdade pelas selvas adentro, sempre solitária, apenas com a companhia do vento e do mar. Era como eu, ele dizia. Retirei o envelope do bolso, que meu pai me entregou. Havia três semanas que aquela carta tinha chegado ao apartamento de William, e eu havia guardado comigo para onde eu ia. Era a primeira vez que tinha contato com meu pai, além dos simples telefonemas. Era um envelope pequeno de carta, branco, que dizia não abra e um feliz aniversário adiantado. Meu aniversário era daqui a 14 horas. Eu faria 20 anos, e naquele envelope tinha meu presente.

Passei os dedos levemente na protuberância que tinha um formato explícito de uma chave comprida. Queria muito saber o que ela abriria, e o que era meu presente, mas eu esperaria até amanhã, como tinha esperado essas semanas inteiras, ansiosa.

Esse envelope e esse colar eram tudo que me restava de casa, da minha verdadeira casa.

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