PV Marylin Darlinghton
Assim que desci do barco uma rajada de vento veio em minha direção como se me desse boas-vindas, era refrescante e novo de uma forma que eu não entendia, sentia que estava de volta com a minha liberdade e com um pouco do meu eu.
Andei pelas ruas acompanhando Ulisses e Aquiles, observando aqueles rostos novos e desconhecidos, sorridentes e alegres, aqui era o oposto de tudo que vivi nos últimos meses, o sol acima de mim queimava e revigorava cada célula do meu corpo, cada machucado do meu coração, e cada pensamento ruim da minha mente. Era um novo mundo, novas pessoas, um novo começo surgia aqui.
— Mary. — Virei-me para Ulisses que sorria me observando. — Você combina com esse país, e essa cor fica bonita em suas bochechas, parece uma menina com um brinquedo novo.
Sorri em sua direção, um sorriso que há muito tempo eu não dava e o respondi:
— Eu acabei de ganhar algo maior que qualquer brinquedo — respondi e andei alguns passos à sua frente antes de Aquiles me abraçar.
— Conheça minha garota — disse, apontando para uma moto encostada em uma loja de bijuterias.
— Amo motos, elas são como cavalos. São velozes, únicos e te libertam — disse.
— Concordo com você, mas discordo totalmente quando meu pai dirige. Ele não devia nem ter carteira para isso, infelizmente, hoje só serão você e ele, mas antes de você ir embora irei te mostrar como um piloto de verdade dirige. — Ele me abraçou e beijou minha bochecha antes de se afastar e andar em outra direção.
— Vou te levar para Atenas e então você poderá seguir em frente. — Ulisses me guiou até a moto e depois de se sentar, ajudou-me a subir.
Enquanto Ulisses dirigia rápido pelas ruas de Pireu, eu observava tudo à minha volta, os turistas, os moradores, as lojas, os mercados e as casas.
O vento constante no meu rosto me trazia uma sensação de paz que nunca senti em lugar nenhum, nem mesmo em casa.
Eu tinha fé, fui criada desde de pequena acreditando em Deus, indo à igreja pelo menos uma vez ao mês, eu fui criada na perspectiva de que o mundo tinha um criador, que nós tínhamos um anjo da guarda olhando por nós lá em cima, mas nunca fui moça de igreja, aquela que ia toda semana, que orava antes de dormir, ou que falava sobre Deus, eu tinha fé e meu pai sempre disse que aquilo era o suficiente, nunca acreditei em milagres, e ao passar dos anos eu acreditava menos ainda, ao passar dos anos as visitas a igreja não aconteciam mais, e eu já não tinha mais a curiosidade que todos continham de conhecer Deus ou saber sobre ele, eu tinha fé, mas não num ser ao vento, e sim em mim. Eu tinha aprendido a ter fé em mim, no que eu era capaz, no que eu sentia, e agora eu estava num lugar onde as pessoas acreditavam ainda em deuses, não apenas em um Deus mais em vários.
Quando desci da moto e olhei em volta percebi que ali a religião, os deuses ainda predominavam, olhei para Ulisses curiosa, eu já tinha visitado lugares que tinham a religião acima de tudo. O Vaticano, a Índia, e até mesmo o Egito. Mas nunca tinha visto nada como isso.
— Bonito, não é?
— Sim, eu nunca vi algo assim, é um templo?
— Sim, é o templo de Atena.
Era tão belo, que eu não teria como descrevê-lo. Era grande, com grandes vigas à sua frente desenhadas em forma de belas mulheres, e um formato triangular cobria seu teto, a estrutura era antiga assim como a escrita acima.
— É um dos pontos mais visitados pelos turistas, aqui é só o começo da antiga Grécia. Quer entrar?
— Sem dúvida — disse começando a subir os degraus. — O que está escrito? — Apontei, e observei Ulisses sorrir como se escondesse um segredo.
— Vamos entrar. — Ulisses pegou em minha mão, e juntos entramos no enorme templo. — Já ouviu a história de Atena, Mary?
— Não — respondi, parando junto a ele, em frente à estátua da Deusa.
— Atena era filha de Zeus com a primeira esposa, a astuciosa Métis. Quando Métis estava grávida, Zeus a engoliu depois de saber por um oráculo de Gaia, que o filho poderia nascer mais forte que ele. Com o passar do tempo, Zeus começou a sofrer fortes dores de cabeça e para curá-la pediu a seu filho Hefesto, filho de Hera casado com a bela Afrodite, que lhe cortasse a cabeça com um machado. Obediente, Hefesto lhe deu um golpe e Atena surgiu já crescida, armada e lançando um grito de guerra. Atena é considerada a deusa da sabedoria, das artes, da justiça e da guerra. Ela é forte e destemida. Ela fazia todos os homens caírem aos seus pés, mas jamais caía aos deles, porque ela sabia do que eles eram capazes. Ela jamais caiu em batalha alguma.
Observei a estátua imponente.
— Ela é como você, Mary. Eu sei pelo seu olhar quando caiu no meu barco, que você nunca caiu. E sempre venceu todas as batalhas à sua frente. Você é forte e livre. Você tem o mundo todo à sua espera, você tem a Grécia à sua espera, e os deuses ao seu lado se você quiser. Vou te deixar aqui, peça a deusa, sabedoria e ela te guiará para conquistá-la, peça triunfo e ela te mostrará a pista para caminhar na direção certa, peça paciência para trilhar esse caminho que você escolher e mais do que isso Mary, peça a ela conhecimento sobre você mesma. Às vezes achamos que sabemos tudo sobre nós mesmos, mas, na verdade, não sabemos nem metade do que deveríamos. Esse é o templo onde você irá conhecer-te a ti mesmo.
— É a frase que está escrito no templo? — perguntei e observei-o assentir antes de me dar um pequeno aperto no ombro, como incentivo.
Andei para debaixo do belo monumento que estava à minha frente e me ajoelhei.
E pela primeira vez em toda minha vida eu rezei.
PV Marylin DarlinghtonAssim que saí do templo encontrei Ulisses encostado na moto, desci as escadas e parei em sua frente. — Agora irei te mostrar o restante da cidade.***Ulisses me mostrou toda a cidade de Atenas em quase três horas de passeio, paramos para comer, e fazer as compras para o almoço que sua esposa prepararia para nós.Agora estávamos na última parada para irmos de volta a Pireu. Ulisses estacionou em frente a uma grande loja com belas vestimentas na vitrine. — Essa é a melhor loja de Atenas. Aqui há compra e venda de tecidos, assim como tem a melhor costureira da cidade.Desci da moto carregando a sacola que continha a última parte da minha vida na Riviera Francesa.Passei pela porta que Ulisses abriu para mim e no mesmo momento paralisei no lugar. — Divertido, não é? — Incrível seria a palavra certa.Aquela loja era diferente de tudo que eu já tinha visto, tecidos circundavam as paredes, e o teto era de várias cores diferentes, não tinha começo nem fim, parecia
PV Marylin Darlinghton Ulisses dirigiu para casa de forma rápida e ansiosa enquanto passávamos pelas ruas, pelos moradores e turistas que curtiam o sol, a ansiedade de Ulisses tinha passado para mim enquanto dirigia, então quando paramos comecei a me preocupar, enquanto ele ficava calmo. — Ela vai adorar você — disse ele enquanto segurava as sacolas deles e as minhas e me guiava em direção à entrada da casa.Uma mulher apareceu em nossa frente, carregando uma enorme travessa, ela parou notando nossa presença. Ela olhou em minha direção sorridente e em seguida olha para Ulisses com os olhos cheios de lágrimas, antes de deixar a travessa em cima da mesa de centro e correr para os braços dele. Afastei-me e observei a cena, sorrindo. Ela era uma mulher morena e de lindos olhos azuis e profundos, tinha um sorriso encantador no rosto, mesmo que já tivesse algumas marcas da idade, ela tinha um ar puro e feliz, e observando os dois ao longe dava para sentir o amor deles, a paixão ainda
PV Marylin DarlinghtonOlhei para as ruas de Pireu, seria minha última volta, minhas últimas compras nessa cidade por um longo tempo.Acompanhei Ulisses pela feira dos pescadores, rindo com as piadas e as explicações de Aquiles que me acompanha com o braço ao meu redor, ele não me largou desde que soube da minha viagem para a Ilha do Pescador. — Você poderia ficar mais um pouco, posso te ensinar a pilotar o barco, a pescar com arpão, a cozinhar um bom camarão, a beber conhaque sem engasgar, tenho tanta coisa para te ensinar, Mary. — Desde quando você cozinha? — Desde o momento em que você disse que vai para a ilha do pescador. Posso cuidar de você, Mary, posso te ensinar as coisas boas da vida e posso te proteger, ninguém vai te machucar se eu estiver ao seu lado. — Olhei para Ulisses que tinha parado de andar para olhar para mim e Aquiles, ele sorriu para mim e voltou a andar. — Aquiles, eu... Preciso me encontrar, encontrar de novo minha liberdade, mesmo que seja em uma ilha, eu
PV Marylin DarlinghtonA viagem de barco para meu novo destino foi rápida e constante como as batidas do meu coração que estavam aceleradas, o pescador me ajudou a colocar todos os meus mantimentos em cima da areia tão rápido quanto ele podia e em seguida partiu, sem me dar a chance de agradecê-lo. Eu o vi partir deixando-me a sós com a ilha e seu enorme castelo.Olhei em volta, peguei as sacolas mais pesadas levando-as para o grande castelo que se erguia, as nuvens negras que começava a se formar no céu me preocupavam, subi à costa de pedra que se erguia como um grande muro de proteção ao redor do castelo até finalmente enxergá-lo em todo seu esplendor e em seu estado degradado à minha frente.Coloquei as sacolas em frente à porta que em breve eu abriria e desci a costa novamente para pegar o restante das sacolas, conseguindo trazer todas, parei em frente a porta e respirando fundo, peguei a chave que tanto eu guardara, coloquei na velha fechadura que rangeu como se há décadas não fo
PV Marylin Darlinghton Um novo dia, um novo recomeço. A tempestade tinha ido embora, e agora eu começaria a fazer daquele castelo minha casa.Levei todas as sacolas com meus suplementos para a enorme cozinha, depois subi os andares entrando em cada quarto e abrindo suas enormes janelas, andar por andar.E só então abri a porta do meu castelo, recebendo o quente calor que o sol me oferecia, e a bela vista da minha ilha e do seu enorme mar, me atrevi a andar em direção à floresta que se estendia, mas fui impedida ao ouvir um barulho vindo do galpão, era grande e parecia ser um motor de barco, andei em direção ao galpão atrás do castelo, sentindo um frio que não conduzia com o enorme calor que fazia, entrei no celeiro notando sua porta aberta, a qual eu não deixei na noite passada, observei o enorme gerador de energia rodar, o teto do galpão estava aberto, e o sol irradiava em direção aos seis painéis solares que não existiam na noite passada. — Como isso é possível? — Olhei em vo
PV Marylin DarlinghtonNão sei como, mas consegui dormir na banheira, e acordei com a sensação de estar sendo observada, senti o mesmo frio subir por todo meu corpo, quando abri os olhos e vi um vulto passar pela pequena fresta da porta entreaberta, levantei e corri em direção à sombra, mas quando alcancei as escadas para descer para o segundo andar, já não a vi mais.Olhei em volta e desci os andares, até o escritório, abri a porta verificando se não havia ninguém lá e entrei, tranquei a porta e respirei fundo. Peguei a toalha que deixei em cima da mesa do escritório e me cobri. — Pensei que tinha um acordo com você — disse para o nada, peguei as bolsas com roupas e as puxei para mim, examinando cada uma, escolhendo um vestido branco, com grandes girassóis amarelos, e uma calcinha branca de algodão simples, eu estava com fome, tinha que enfrentar o que quer que estivesse lá fora. — Vou sair e estou vestida, e não entrarei mais no seu quarto — disse abrindo a porta e olhando pelo ext
Marylin Darlinghton15 dias depois...Saí do galpão, anotando em meu caderno o que restava dos meus suprimentos, contava detalhadamente cada um e em seguida eu voltava para o meu pequeno plantio que crescia cada vez mais, regava-os, replantava, mexia na terra, voltava para dentro sentava no escritório e como um presidiário eu marcava quanto dias tinha se passado, anotava cada momento em uma agenda, depois cozinhava uma nova receita que depois de ler e reler e errar eu acertava o ponto, e a tarde eu sentava no sofá, acendia a lareira e pegava um dos vários livros de romance que na infância eu não li, essa semana era Orgulho e Preconceito, com a vela ao meu lado eu lia, absorvendo cada palavra enquanto a luz de fora ia sendo substituída e o castelo era tomado pela escuridão e pelo frio, já não acendia as luzes há 15 dias, estava economizando cada vela, cada fósforo que acendia, e aos poucos me acostumei a cada canto e a escuridão sendo tomada, já não sentia a necessidade da luz, a não s
PV Marylin DarlinghtonA noite havia se passado e o dia também ainda mais rápido, e, mesmo assim, a curiosidade batia cada vez mais forte, conforme as horas passavam, com perguntas rolando em minha mente a cada instante, tinha ele saído da chuva e ido para o galpão? Será que ele estaria lá agora? O que aconteceria amanhã de manhã quando eu tivesse que ir até o galpão pegar suplementos, e as ferramentas para mexer no plantio, ele ainda estaria lá, ou apenas sinais de que um dia ele esteve?As perguntas em minha cabeça estavam produtivas acompanhando o cair da chuva que agora já diminuiu sua força, deixando apenas o frescor, e os pequenos tilintar como se fosse uma peça de teatro e aquele fosse seu final meigo e apaixonante.Aproximei-me da janela no primeiro andar, e observei a vista que me acompanhava todos os dias, o grande mar, e o grande céu, não sabia por que, mas senti lágrimas descendo pelo meus olhos, lembrando que a menina forte e livre ainda convivia com aquela que estava s