RICHARD WALKER

A televisão proporcionava um som ambiente, dentro do meu

gabinete. Ela só estava ligada, porque eu gostava de ficar a par das

notícias, mas não tinha muito tempo para ler jornais.

Ainda assim, era de manhã, e sem dúvidas o telejornal

matinal não era a melhor fonte, mas o dia estava repleto de reuniões

e eu ainda precisaria viajar para Washington para uma Comissão de

Parlamento, da qual eu precisaria participar.

— E não se fala de outra coisa no momento! — a voz

animada da âncora exclamou. Não importava que tivesse acabado

de conversar com um correspondente que anunciara um assalto a

um banco no Brooklyn, seu humor mudava conforme o tom da

notícia. Naquele momento, eles iam entrar na rodada de fofocas

sem relevância.

Comecei a procurar o controle remoto, mas o nome falado

me impediu.

— A bela Tiana Hilton, ex-senhora Walker, como vocês bem

sabem, está compartilhando cada detalhe da preparação de seu

casamento. Nós estamos encantados com o bom gosto, não

estamos, Werner?

Ela jogou a deixa para seu companheiro de tela.

— Sim, mas uma mulher de bom gosto nunca iria nos

decepcionar, é claro. Ficamos um pouco curiosos, porque ontem o

Senador Walker foi bem ríspido com alguns jornalistas em uma

breve abordagem em frente ao prédio do gabinete. Será que ainda

tem uma dor de cotovelo em meio àquela figura fria e pragmática?

Fechei a mão em punho ao mesmo tempo que ouvia a porta

se abrindo. Já sabia quem era. Só uma única pessoa tinha

autorização – e audácia – para entrar no meu gabinete daquela

forma.

Assim que passou pela porta, ele ia falar alguma coisa, mas

parou diante da TV, prestando atenção no mesmo que eu.

— Não sabemos, meu amigo. Até porque desde então

Richard Walker nunca mais foi visto com outra mulher. E, não vamos

ser hipócritas, ele é um cara lindo e sexy, deve haver uma fila de

garotas ansiosas para...

A mulher mal terminou de falar e Ken simplesmente desligou

a televisão, pegando o controle em cima da minha mesa.

— Por que você insiste em ver esse tipo de bosta? — Ele

jogou o controle de volta na mesa e se apoiou nela, cruzando os

braços.

— O meu nome estava sendo mencionado. É um pouco difícil

fingir que nada está acontecendo.

— Ao menos te chamaram de lindo e sexy. — Foi uma

tentativa de piada, é claro, mas eu só revirei os olhos. — Relaxa um

pouco, Rick. Fofocas são fofocas. Na pior das hipóteses o seu nome

permanece na boca do povo.

— Quero que fique, mas por uma boa gestão. Que as

pessoas queiram votar em mim pelo meu trabalho — quase rosnei,

mas Ken balançou a cabeça, como se eu fosse uma criança que

não sabe nada da vida.

— Você quer que as pessoas votem em você. Ponto. Não

importa o motivo. Depois que chegar lá, você prova o seu valor.

— Se fosse assim, eu estaria usando o meu pai na

campanha inteira.

— Deveria ter usado, mas é orgulhoso demais para isso.

Não era só uma questão de orgulho. O problema era que eu

e meu pai não tínhamos uma relação muito boa. Para a mídia,

éramos unidos e um complementava o trabalho do outro, mas nos

bastidores a verdade era outra.

Não gostava da forma como meu pai seguiu com sua vida na

política. Não gostava de como se aliou a pessoas perigosas, nem

durante a candidatura e nem depois. Tornara-se amigo de famílias

da máfia, como os Ungaretti e os Caccini – coisa que ninguém

sonhava em saber –, e eu podia jurar que ainda lhes devia favores.

Volta e meia eu recebia propostas muito discretas para

reuniões com os atuais chefes da Cosa Nostra, mas sempre

recusei. Por muito tempo achei que isso iria me prejudicar, mas eles

não insistiram e não me colocaram em sua lista de inimigos.

Ao menos não que eu soubesse.

— Seja como for, você sabe que quando anunciar o

casamento, essas fofocas vão diminuir, não sabe? — ele continuou

falando, e eu me recostei na cadeira, levando os dedos às

têmporas.

— Tenho minhas dúvidas.

— Confia em mim, garoto. Quantas vezes te decepcionei?

O problema era esse: eu confiava demais. Mesmo quando

chamava um homem de trinta e cinco anos de garoto. Mesmo

quando, no fundo, eu pensava que era perigoso estar tão nas mãos

de alguém.

Eu gostava de ter o controle, de manter minha vida nas

pontas dos meus dedos, mas às vezes tudo isso desandava. As

questões com Tiana foram como um balde de água fria, que me

deixaram um pouco desorientado, mas consegui me reerguer.

Mesmo que me sentindo, eventualmente, na corda bamba, como no

dia do anúncio do casamento dela e depois daquela m*****a menção

no telejornal.

— Eu tenho uma solução para os seus problemas.

Ken jogou outra pasta parecida com a do dia anterior sobre a

mesa à minha frente, e eu respirei fundo, meio sem paciência.

— Não estou a fim de ficar selecionando mulheres em um

cardápio, Ken. Ontem já foi o suficiente. Você me trouxe seis

garotas que eram a cara de Tiana. Todas elas completamente

parecidas em personalidade. Não sei o que te deu, mas eu não

tenho um tipo. Não é porque me apaixonei por ela que tenho algum

tipo de preferência.

— Só olha, Rick. Dá uma olhada. Essa garota é diferente.

Mesmo a contragosto, abri a merda da pasta e logo me

deparei com uma foto impressa. Parecia um print de uma postagem

de i*******m.

Tratava-se de uma garota muito, muito bonita.

Não, eu estava sendo econômico. A garota era mais do que

isso. Ela era... linda de um jeito que chegava a incomodar.

Os olhos eram de um azul-turquesa que poderia ser

confundido com um tom mais acinzentado. Os lábios eram cheios,

sendo o inferior pouca coisa mais fino do que o superior – e este

tinha um formato marcado, com uma curva acentuada. Os cabelos

eram castanhos, quase mel, e caíam muito lisos sobre seus ombros.

De acordo com a ficha que Ken preparara, ela tinha vinte

anos. Uma menina.

Havia mais folhas com informações, mas eu não estava com

muita paciência para ler. E nem tempo.

— O que tem essa garota?

— Sem contar o fato de que ela é linda?

— Todas as outras também eram. — Eu estava sendo

hipócrita. As outras eram muito bonitas, sem dúvidas, mas aquela ali

era diferente, de fato.

De um jeito inocente, puro.

— Mas todas as outras eram bonequinhas e filhinhas de

papai.

Dei uma olhada no nome da garota e o reconheci.

— Isabelle Waverly? Filha de Anson Waverly? Não é como se

ela fosse uma pobretona.

— Ah, mas é aí que a história fica mais interessante... — Ken

deu a volta e se sentou em uma das cadeiras à frente da minha. —

Ela é bastarda e precisou morar com o pai, levando uma irmãzinha

pequena, que tem uma condição cardíaca. Pelo que apurei, ela não

se deu muito bem com a nova família, e eles não a tratam muito

bem. Tanto que a encontrei em um restaurante de péssima

qualidade, trabalhando como garçonete.

— Garçonete? Uma Waverly?

— Foi o que chamou a minha atenção também. Minhas

pesquisas me levaram a esse cenário: ela precisa de dinheiro para

largar a família, conseguir a tutela legal da irmã e se libertar. Um

casamento com um homem influente como você viria em boa hora.

Ao menos seria uma causa nobre. Isso me fez ao menos

hesitar.

— E o que eu ganharia?

Claro que Kenneth abriu um sorriso. Ele sabia que estava

começando a ganhar aquela breve batalha.

— Além de uma esposa jovem e linda? — Ele se inclinou e

folheou algumas páginas da pasta. Havia uma parte destacada com

um amarelo forte, como se fosse mesmo um dossiê. — Uma

ativista, engajada em causas sociais. Uma garota inteligente, que

não teve oportunidade de estudar. Uma entusiasta de Ciências

Políticas. Sem contar uma garota que precisa de ajuda e que pode

topar essa loucura que estamos criando, por estar desesperada o

suficiente para isso.

— Então nós vamos usar o desespero da moça? É isso?

— E ela vai usar você também. Seu dinheiro, seu prestígio,

sua posição. Não vai ser uma exploração de uma garota inocente,

Richard. Desde o início deixaremos tudo muito claro. Ela vai entrar

no acordo por livre e espontânea vontade e vai usufruir disso. Não

só para proteger a irmã, mas também para se tornar esposa do

Senador Walker e, quem sabe, primeira-dama.

Dei mais uma olhada para a foto dela, ainda um pouco

relutante.

Não era a garota em si. Com certeza de todas as opções que

me foram apresentadas, ela era disparada a que mais me atraía. O

problema era que tudo aquilo me parecia muito absurdo, muito

louco.

— Mas e então, Ken? Por quanto tempo vamos ter que

manter essa farsa?

— Até você chegar à presidência. Depois disso, eles terão

que te engolir por quatro anos.

— E então vai tudo se repetir. Eu serei eleito e vou me

divorciar logo depois.

— Faremos de um jeito que seja convincente. Na pior das

hipóteses, se vocês se tornarem ao menos amigos, ela fica até o fim

do mandado. Podemos avaliar a situação.

— Mas teremos que colocar isso em contrato. Dois anos,

pelo menos. Sigilo total.

— Confia em mim, Rick. Vai dar tudo certo. É a melhor

escolha, acredite.

Até poderia ser, mas eu ainda sentia como se estivesse

entrando em uma enorme cilada.

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