ISABELLE WAVERLY

— Belle, pode pegar a mesa oito para mim? Preciso comer

alguma coisa, estou passando mal aqui!

Minha gerente pediu, e eu só assenti. Como já tinha acabado

de almoçar – só um sanduíche de frango, aliás –, não teria problema

nenhum rendê-la. Claro que eu tinha direito a mais minutos de

almoço, e queria ligar para casa para saber de Aurora, que estava

um pouquinho febril quando eu saí, mas isso poderia esperar um

pouco.

Não era como se eu não precisasse desesperadamente do

meu emprego.

Ajeitando meus cabelos castanhos para dentro do rabo de

cavalo, coloquei de volta o avental, peguei o bloquinho, um lápis e

passei do balcão em direção à mesa oito.

Claramente não eram os clientes usuais. Eram duas pessoas:

um homem de meia idade e uma mulher de uns trinta anos, ambos

muito elegantes.

Definitivamente, o restaurante onde eu trabalhava não era do

tipo que recebia pessoas como eles.

Claro que Nova Iorque era diversificada o suficiente para que

houvesse mil explicações plausíveis para o fato, mas eles realmente

pareciam dois peixes fora d’água.

Eu me aproximei, com cautela, e ouvi parte da conversa, sem

querer.

— Não é possível que ele não tenha gostado de nenhuma

delas. Eu escolhi a dedo! — a mulher exclamou, um pouco

indignada. Eles já estavam com suas bebidas, provavelmente

servidas pela gerente.

Nós estávamos com redução de funcionários, porque Amy,

uma das garçonetes e minha melhor amiga, havia encontrado outro

emprego e se afastado há alguns dias, e nenhum outro funcionário

fora contratado. Sendo assim, a gerente estava se virando como

podia.

— Richard tenta fingir que é governado pela razão, mas

ainda usa muito o coração. Essa é a melhor alternativa que temos,

mas ele ainda está relutante. Logo vai entender que sem isso,

adeus Casa Branca.

Preocupada com o que eu poderia estar ouvindo e não

querendo receber nenhuma informação que pudesse me

comprometer, coloquei um sorriso no rosto e me aproximei.

— Boa tarde, senhores. Meu nome é Isabelle e vou atendêlos hoje.

O homem se remexeu na cadeira, buscando uma posição, e

eu quase me encolhi com o olhar malicioso que me lançou.

— Olha só se não é uma coisinha bem mais interessante do

que a outra que começou nos servindo antes. — Retesei-me

imediatamente, um pouco incomodada, tanto que não lhe respondi.

— Seu rostinho me é familiar. Será que já nos conhecemos antes?

Dei um sorriso sem graça, irritada por precisar fingir simpatia.

— Não sei, senhor. Talvez seja daqui mesmo.

— Duvido muito. É minha primeira vez aqui. Só escolhemos

este lugar porque queremos conversar sobre coisas confidenciais.

Trabalhamos para um político importante, sabe? Queremos

privacidade, e imaginamos que não haveria nenhum paparazzo a

nos caçar por aqui.

Será que ele tinha me visto ouvindo a conversa? Nem fora

por mal, mas aquele tipo de gente interpretava o que queria e

poderia me prejudicar só por esporte.

Sobre ele conhecer o meu rosto... nunca tinha acontecido

antes, mas eu imaginava que algum dia alguém surgiria que me

conhecesse.

Não era como se o meu sobrenome fosse só mais um no

meio da multidão. Eu era filha de Anson Waverly. Filha bastarda, é

claro, mas fui adotada pela família aos dezessete, três anos antes.

Desde então, eu deixei de ser uma total desconhecida para alguém

que tinha algum tipo de relevância para a mídia.

Antes de tudo desandar na minha vida, eu era a garota de

ouro, com notas excelentes, com possibilidades de ir para a

faculdade que escolhesse, de acordo com meus professores.

Participava de ações filantrópicas com o colégio, criei um projeto

social desde que descobri o problema cardíaco da minha irmãzinha

e consegui muita visibilidade.

Só que minha mãe e meu padrasto – que sempre foi um pai

para mim – morreram em um acidente, e eu precisei morar com meu

pai biológico e sua esposa, que simplesmente me odiava. Acabei

parando tudo o que construí para cuidar de Aurora. Ela era a razão

de tudo, e eu não me arrependia de nada.

Tanto que eu tinha decidido me esconder naquele fim de

mundo, em um emprego medíocre, porque temia que as pessoas

acabassem me reconhecendo.

Tarde demais.

O cara fixou os olhos na plaquinha presa ao meu avental,

com meu nome.

— Isabelle Waverly! — ele exclamou, surpreso. — Claro,

claro! A filha bastarda de Anson!

Abaixei a cabeça, soltando um suspiro. Não que o fato de ser

uma bastarda me envergonhasse ou me fizesse mal, mas eu já

tinha ouvido tantas vezes aquela palavra que ela passara a ter um

peso muito desagradável. Parecia que ela moldava a minha vida

inteira. Desde quem eu era até quem poderia ser.

Tanto que fora por causa dela, usada da forma mais

desdenhosa possível pela minha madrasta, que o meu futuro fora

todo destruído.

Eu era fruto de uma traição e meu pai se envergonhava tanto

disso, que eu era um constante lembrete. Sem contar o quanto a

Sra. Waverly usava isso como uma arma; como manipulava o meu

pai ao seu bel-prazer, jogando a infidelidade na cara o tempo todo.

— Senhor, eu... — Tinha pretensão de lhe pedir que não

contasse a ninguém, e já ia começar a me justificar, usando a

desculpa que sempre estava pronta, na ponta da língua caso me

descobrissem ali, sobre querer ter novas experiências e me

aproximar de pessoas diferentes, como a herdeira desocupada que

eu deveria ser, mas o cara soltou uma gargalhada que eu não

esperava.

— Eu não acredito. Se isso não é destino, não faço ideia do

que mais pode ser.

Fiquei completamente perdida, olhando para ele e

percebendo que a moça que o acompanhava também não entendia

nada.

— Senhor, me perdoa... eu não...

Fiquei surpresa quando sua mão foi parar sobre a minha, em

cima da mesa.

— Não se preocupe, menina. Só faça seu trabalho. Eu e

minha amiga vamos fazer o pedido, tudo bem?

Hesitei um pouco antes de assentir, mas não tinha outro jeito.

Era, de fato, o meu trabalho.

Cada um dos dois fez o seu pedido, e eu me afastei o mais

rápido possível, retornando à cozinha para deixar o papel com o

cozinheiro.

Aproveitei esses breves segundos para me recuperar e

decidir que o homem, fosse quem fosse, só poderia ser um pouco

louco. Não merecia a minha atenção. O fato de ter reconhecido

quem eu era, de ter até me chamado de bastarda, não poderia

prejudicar meu dia de trabalho.

E eu tinha muita coisa a fazer.

Tive que voltar à mesa deles algum tempo depois, para servir

os pratos, e depois para a sobremesa. Eu sentia os olhos do cara

em mim o tempo todo, com o sorriso malicioso, e não pude deixar

de perceber que passara boa parte da refeição no celular, tanto

digitando ferozmente quanto falando com alguém.

Queria desviar minha atenção, focar em outras coisas, mas

eu estava com a sensação de que toda aquela comoção tinha a ver

comigo.

Esse pensamento se tornou real pouco antes de eles irem

embora.

Eu estava recolhendo o pagamento na mesa, e quando lhe

entreguei o comprovante de pagamento, o homem segurou a minha

mão de um jeito tão súbito que cheguei a me sobressaltar.

— Posso conversar um minuto com você? Em um local mais

privado?

Que tipo de proposta era aquela?

— Senhor, me desculpa, mas não. Eu nem te conheço.

— Não seja por isso, meu nome é Kenneth Bridges. — Ele

balançou a mão que ainda segurava a minha, com firmeza. Meio

atordoada, cumprimentei-o de volta. — Não tem nenhum local aqui

dentro mesmo do restaurante que possamos usar? Minha amiga,

Daisy, estará presente o tempo todo. — Ele apontou para a mulher,

como se isso pudesse ser uma segurança para mim.

Não era. Eu também nem a conhecia.

— Senhor, eu realmente não posso...

— Por favor, Isabelle. Eu tenho uma proposta para você.

Uma proposta que pode ajudá-la a cuidar da sua irmã.

Ao ouvir a menção a Aurora, soltei a minha mão da dele,

dando um pulo para trás.

— O que você sabe sobre ela? — quase rosnei. Para

defender a minha irmãzinha eu era capaz de tudo.

E eu nem sabia que esse seria o meu maior problema.

— O suficiente para saber que você precisa

desesperadamente de dinheiro, que seu pai não está assim tão bem

das pernas e que a proposta que eu tenho para te fazer pode te

beneficiar e muito.

— Não! — respondi em um sobressalto, mais alto do que

deveria.

Dei uma olhada ao redor, e as pessoas estavam nos

encarando, como se não entendessem o meu comportamento com

um cliente.

— Não quero ouvir proposta nenhuma, a não ser que seja de

um trabalho honesto — reafirmei.

Ele abriu um sorriso malicioso.

— Não seria nada comigo, querida, mas também não poderia

dizer que é algo honesto. Só que foi bom você negar. Acho que

tenho uma maneira melhor de resolver isso.

Ele pegou as coisas que tinha deixado em cima da mesa e

começou a se afastar. Corri atrás, porque um calafrio percorreu

minha espinha. Algo me dizia que aquele homem ainda se tornaria

uma pedra no meu sapato, se eu permitisse.

— O que o senhor quer comigo? Por que eu?

Ele ergueu uma sobrancelha, por cima da armação dos

óculos, ainda com aquela expressão debochada.

— Porque ele vai gostar de você, eu tenho certeza.

Novamente o homem começou a se afastar, enquanto eu

ficava com a pergunta na cabeça: quem é ele?

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