— Belle, pode pegar a mesa oito para mim? Preciso comer
alguma coisa, estou passando mal aqui! Minha gerente pediu, e eu só assenti. Como já tinha acabado de almoçar – só um sanduíche de frango, aliás –, não teria problema nenhum rendê-la. Claro que eu tinha direito a mais minutos de almoço, e queria ligar para casa para saber de Aurora, que estava um pouquinho febril quando eu saí, mas isso poderia esperar um pouco. Não era como se eu não precisasse desesperadamente do meu emprego. Ajeitando meus cabelos castanhos para dentro do rabo de cavalo, coloquei de volta o avental, peguei o bloquinho, um lápis e passei do balcão em direção à mesa oito. Claramente não eram os clientes usuais. Eram duas pessoas: um homem de meia idade e uma mulher de uns trinta anos, ambos muito elegantes. Definitivamente, o restaurante onde eu trabalhava não era do tipo que recebia pessoas como eles. Claro que Nova Iorque era diversificada o suficiente para que houvesse mil explicações plausíveis para o fato, mas eles realmente pareciam dois peixes fora d’água. Eu me aproximei, com cautela, e ouvi parte da conversa, sem querer. — Não é possível que ele não tenha gostado de nenhuma delas. Eu escolhi a dedo! — a mulher exclamou, um pouco indignada. Eles já estavam com suas bebidas, provavelmente servidas pela gerente. Nós estávamos com redução de funcionários, porque Amy, uma das garçonetes e minha melhor amiga, havia encontrado outro emprego e se afastado há alguns dias, e nenhum outro funcionário fora contratado. Sendo assim, a gerente estava se virando como podia. — Richard tenta fingir que é governado pela razão, mas ainda usa muito o coração. Essa é a melhor alternativa que temos, mas ele ainda está relutante. Logo vai entender que sem isso, adeus Casa Branca. Preocupada com o que eu poderia estar ouvindo e não querendo receber nenhuma informação que pudesse me comprometer, coloquei um sorriso no rosto e me aproximei. — Boa tarde, senhores. Meu nome é Isabelle e vou atendêlos hoje. O homem se remexeu na cadeira, buscando uma posição, e eu quase me encolhi com o olhar malicioso que me lançou. — Olha só se não é uma coisinha bem mais interessante do que a outra que começou nos servindo antes. — Retesei-me imediatamente, um pouco incomodada, tanto que não lhe respondi. — Seu rostinho me é familiar. Será que já nos conhecemos antes? Dei um sorriso sem graça, irritada por precisar fingir simpatia. — Não sei, senhor. Talvez seja daqui mesmo. — Duvido muito. É minha primeira vez aqui. Só escolhemos este lugar porque queremos conversar sobre coisas confidenciais. Trabalhamos para um político importante, sabe? Queremos privacidade, e imaginamos que não haveria nenhum paparazzo a nos caçar por aqui. Será que ele tinha me visto ouvindo a conversa? Nem fora por mal, mas aquele tipo de gente interpretava o que queria e poderia me prejudicar só por esporte. Sobre ele conhecer o meu rosto... nunca tinha acontecido antes, mas eu imaginava que algum dia alguém surgiria que me conhecesse. Não era como se o meu sobrenome fosse só mais um no meio da multidão. Eu era filha de Anson Waverly. Filha bastarda, é claro, mas fui adotada pela família aos dezessete, três anos antes. Desde então, eu deixei de ser uma total desconhecida para alguém que tinha algum tipo de relevância para a mídia. Antes de tudo desandar na minha vida, eu era a garota de ouro, com notas excelentes, com possibilidades de ir para a faculdade que escolhesse, de acordo com meus professores. Participava de ações filantrópicas com o colégio, criei um projeto social desde que descobri o problema cardíaco da minha irmãzinha e consegui muita visibilidade. Só que minha mãe e meu padrasto – que sempre foi um pai para mim – morreram em um acidente, e eu precisei morar com meu pai biológico e sua esposa, que simplesmente me odiava. Acabei parando tudo o que construí para cuidar de Aurora. Ela era a razão de tudo, e eu não me arrependia de nada. Tanto que eu tinha decidido me esconder naquele fim de mundo, em um emprego medíocre, porque temia que as pessoas acabassem me reconhecendo. Tarde demais. O cara fixou os olhos na plaquinha presa ao meu avental, com meu nome. — Isabelle Waverly! — ele exclamou, surpreso. — Claro, claro! A filha bastarda de Anson! Abaixei a cabeça, soltando um suspiro. Não que o fato de ser uma bastarda me envergonhasse ou me fizesse mal, mas eu já tinha ouvido tantas vezes aquela palavra que ela passara a ter um peso muito desagradável. Parecia que ela moldava a minha vida inteira. Desde quem eu era até quem poderia ser. Tanto que fora por causa dela, usada da forma mais desdenhosa possível pela minha madrasta, que o meu futuro fora todo destruído. Eu era fruto de uma traição e meu pai se envergonhava tanto disso, que eu era um constante lembrete. Sem contar o quanto a Sra. Waverly usava isso como uma arma; como manipulava o meu pai ao seu bel-prazer, jogando a infidelidade na cara o tempo todo. — Senhor, eu... — Tinha pretensão de lhe pedir que não contasse a ninguém, e já ia começar a me justificar, usando a desculpa que sempre estava pronta, na ponta da língua caso me descobrissem ali, sobre querer ter novas experiências e me aproximar de pessoas diferentes, como a herdeira desocupada que eu deveria ser, mas o cara soltou uma gargalhada que eu não esperava. — Eu não acredito. Se isso não é destino, não faço ideia do que mais pode ser. Fiquei completamente perdida, olhando para ele e percebendo que a moça que o acompanhava também não entendia nada. — Senhor, me perdoa... eu não... Fiquei surpresa quando sua mão foi parar sobre a minha, em cima da mesa. — Não se preocupe, menina. Só faça seu trabalho. Eu e minha amiga vamos fazer o pedido, tudo bem? Hesitei um pouco antes de assentir, mas não tinha outro jeito. Era, de fato, o meu trabalho. Cada um dos dois fez o seu pedido, e eu me afastei o mais rápido possível, retornando à cozinha para deixar o papel com o cozinheiro. Aproveitei esses breves segundos para me recuperar e decidir que o homem, fosse quem fosse, só poderia ser um pouco louco. Não merecia a minha atenção. O fato de ter reconhecido quem eu era, de ter até me chamado de bastarda, não poderia prejudicar meu dia de trabalho. E eu tinha muita coisa a fazer. Tive que voltar à mesa deles algum tempo depois, para servir os pratos, e depois para a sobremesa. Eu sentia os olhos do cara em mim o tempo todo, com o sorriso malicioso, e não pude deixar de perceber que passara boa parte da refeição no celular, tanto digitando ferozmente quanto falando com alguém. Queria desviar minha atenção, focar em outras coisas, mas eu estava com a sensação de que toda aquela comoção tinha a ver comigo. Esse pensamento se tornou real pouco antes de eles irem embora. Eu estava recolhendo o pagamento na mesa, e quando lhe entreguei o comprovante de pagamento, o homem segurou a minha mão de um jeito tão súbito que cheguei a me sobressaltar. — Posso conversar um minuto com você? Em um local mais privado? Que tipo de proposta era aquela? — Senhor, me desculpa, mas não. Eu nem te conheço. — Não seja por isso, meu nome é Kenneth Bridges. — Ele balançou a mão que ainda segurava a minha, com firmeza. Meio atordoada, cumprimentei-o de volta. — Não tem nenhum local aqui dentro mesmo do restaurante que possamos usar? Minha amiga, Daisy, estará presente o tempo todo. — Ele apontou para a mulher, como se isso pudesse ser uma segurança para mim. Não era. Eu também nem a conhecia. — Senhor, eu realmente não posso... — Por favor, Isabelle. Eu tenho uma proposta para você. Uma proposta que pode ajudá-la a cuidar da sua irmã. Ao ouvir a menção a Aurora, soltei a minha mão da dele, dando um pulo para trás. — O que você sabe sobre ela? — quase rosnei. Para defender a minha irmãzinha eu era capaz de tudo. E eu nem sabia que esse seria o meu maior problema. — O suficiente para saber que você precisa desesperadamente de dinheiro, que seu pai não está assim tão bem das pernas e que a proposta que eu tenho para te fazer pode te beneficiar e muito. — Não! — respondi em um sobressalto, mais alto do que deveria. Dei uma olhada ao redor, e as pessoas estavam nos encarando, como se não entendessem o meu comportamento com um cliente. — Não quero ouvir proposta nenhuma, a não ser que seja de um trabalho honesto — reafirmei. Ele abriu um sorriso malicioso. — Não seria nada comigo, querida, mas também não poderia dizer que é algo honesto. Só que foi bom você negar. Acho que tenho uma maneira melhor de resolver isso. Ele pegou as coisas que tinha deixado em cima da mesa e começou a se afastar. Corri atrás, porque um calafrio percorreu minha espinha. Algo me dizia que aquele homem ainda se tornaria uma pedra no meu sapato, se eu permitisse. — O que o senhor quer comigo? Por que eu? Ele ergueu uma sobrancelha, por cima da armação dos óculos, ainda com aquela expressão debochada. — Porque ele vai gostar de você, eu tenho certeza. Novamente o homem começou a se afastar, enquanto eu ficava com a pergunta na cabeça: quem é ele?A televisão proporcionava um som ambiente, dentro do meugabinete. Ela só estava ligada, porque eu gostava de ficar a par dasnotícias, mas não tinha muito tempo para ler jornais.Ainda assim, era de manhã, e sem dúvidas o telejornalmatinal não era a melhor fonte, mas o dia estava repleto de reuniõese eu ainda precisaria viajar para Washington para uma Comissão deParlamento, da qual eu precisaria participar.— E não se fala de outra coisa no momento! — a vozanimada da âncora exclamou. Não importava que tivesse acabadode conversar com um correspondente que anunciara um assalto aum banco no Brooklyn, seu humor mudava conforme o tom danotícia. Naquele momento, eles iam entrar na rodada de fofocassem relevância.Comecei a procurar o controle remoto, mas o nome faladome impediu.— A bela Tiana Hilton, ex-senhora Walker, como vocês bemsabem, está compartilhando cada detalhe da preparação de seucasamento. Nós estamos encantados com o bom gosto, nãoestamos, Werner?Ela jogou a dei
Eu precisava colocar meus pés em uma bacia de águaquente.Tinha dias em que eu chegava em casa cansada, mas emoutros eu simplesmente queria me arrastar pelas escadas até osótão, onde era o quarto que dividia com Aurora.As gorjetas tinham sido ótimas, e eu nem poderia reclamar.Era com esses poucos dólares que mantinha a doença de Auroracontrolada, com a compra de remédios.Minha irmãzinha possuía uma condição congênita chamadaSíndrome de Wolff-Parkinson-White, ou WPW. Basicamente, ocoraçãozinho dela tinha uma pecinha faltando, algo que deveriaestar lá, mas não está. Isso faz com que o sangue não circule tãobem como deveria. E, por causa disso, ela fica cansada mais rápidodo que outras crianças da idade dela. Às vezes, parece que ela estáfazendo um esforço extra só para brincar ou correr um pouquinho.Ela tem que tomar remédios todos os dias para ajudar ocoração a funcionar melhor. Mas, apesar disso, ela é uma garotinhacorajosa. Passa por exames e consultas médicas como um
Eu dificilmente adiava compromissos, muito menos umaviagem a Washington. Por mais que eu não tivesse sido oficialmenterequisitado no Congresso, a votação daquele projeto de lei queestava em curso, de acesso a moradias gratuitas para veteranos deguerra, muito me interessava. E, claro, Stephen Lewis, um dossenadores de Seattle, e meu maior concorrente no caminho àpresidência, estaria lá.Ainda assim, a missão que me fez não comparecer eraigualmente importante. Eu iria conhecer a mulher com quem mecasaria em uma semana.Kenneth faria a ponte entre nós, e o jantar seria na casa dafamília dela. Partimos para lá, aliás, da forma mais secreta possível,sem uma grande comitiva, apenas com dois seguranças e um únicocarro. Não queria me sentir nervoso, mas toda a perspectiva dasituação era absurda. Tentei me distrair usando o celular, fuçandomeu e-mail pessoal, embora não houvesse nada lá de urgente, maispara me manter alheio à possibilidade de uma conversa com Ken.Ele entendia es
Eu quase não tinha ouvido a voz dela até aquele momento. Agovernanta nos indicara a mesa, porque o jantar fora servido, nósnos sentamos, mas Isabelle continuava calada, muito séria, em totalformalidade.Queria um tempo a sós com ela, para que pudéssemosalinhar nosso acordo só entre nós, de fato. Eu sabia que Kensempre ficava um pouco frustrado, porque eu não permitia que memanipulasse, mas aquela ideia de casamento estava fortemente nasmãos dele.Isso me incomodava.— Em uma semana, o casamento estará sendo veiculado emtodos os tipos de mídias. Vou me certificar de que a história quecontarão, de que vocês vinham se encontrando em segredo, que setratava de um relacionamento discreto, seja contada de um jeitoromântico. — Kenneth tinha realmente tomado as rédeas dasituação, e eu não gostava nada disso, por mais que o tivesse comoum pai.— Então acho que seria prudente marcar uma coletiva paraque eu e Isabelle possamos anunciar isso. Nada de terceirosfalando em nosso nome.
O jantar foi incômodo o suficiente para que eu precisasse deuns bons drinques depois. Para a minha sorte, Owen estavadisponível. Tudo o que precisei fazer foi ligar para ele e chamá-lopara um bar bem discreto perto da minha casa, onde eu sabia quenão seríamos importunados pelos paparazzi.Nós nos encontramos lá quando já passava das dez, etrocamos um abraço amigável, com tapa nas costas. Fazia algumassemanas que não nos víamos, o que não era muito comum.— Que cara péssima, Senador. O jantar com a noivinha foium desastre? — Ele sabia de tudo, o que também era um alívio. Terque explicar o motivo da minha insatisfação ou ter que fingir queestava tudo bem seria um esforço para o qual eu não estava muitopreparado.Apesar de tudo, aquele era um território seguro. Owen Parkerera o meu melhor amigo.E olha que eu tinha poucos, mas a verdade era que, dentrode um mesmo partido político, desafetos eram comuns, masalgumas pessoas acabavam se tornando de confiança.Aproximei-me do ba
Uma semana depoisMeu pai estava diante de mim, e ele mal conseguia meencarar. Kenneth, é claro, estava do lado dele, como uma sombra, eeu sabia que passaria a ser assim a partir daquele momento, eprovavelmente pioraria depois que eu me tornasse esposa deRichard, já que ele tinha planos... Já que me queria ao lado dosenador por motivos obscuros.— Pronta, querida? — Kenneth perguntou, me olhando decima a baixo.O vestido que conseguimos com o pouco tempo que nosrestou foi algo simples, uma peça de seda, off-white, emprestado daminha madrasta e customizado por uma costureira de confiançadela. Algumas rendas foram colocadas, além de pequenas pérolas.Uma faixa do mesmo tom para alinhar em minha cintura, porque euera um pouco mais magra; uma mudança nas alças para ficaremmais elegantes.Ele era longo, mais bonito do que qualquer coisa que já useidesde que minha mãe morrera, mas ainda não era um vestido denoiva dos sonhos.No entanto, também não era o meu casamento dos sonhos
Eu tinha me tornado uma esposa.Não apenas isso, mas a esposa de um senador. Era ummundo do qual eu não sabia quase nada, e eu me sentia entrandoàs cegas em uma casa cujas luzes estavam todas apagadas.Precisaria de ajuda para tatear as paredes e tentar me encontrar.Eu tinha sido acompanhada novamente até o meu quarto,pela governanta, que foi bem solícita, e sem demora tirei o vestido,guardando-o pendurado em um cabide, com cuidado. Não sabia seVirginia iria pedi-lo de volta em algum momento, por isso o guardariacom zelo. Não havia nenhum apego emocional entre mim e a peça,por isso eu não teria problema nenhum em devolvê-la.Ouvi uma batida na porta, enquanto a ajeitava dentro doimenso closet que me foi designado, e ao erguer os olhos,enxerguei a figura alta e imponente de Richard bem ali, inclinado,pedindo passagem.A porta do quarto tinha sido deixada aberta, caminho livre,mas ele ainda teve o cuidado de não invadir minha privacidade detodo. A frase que Owen me dissera,
— Anna, cancele a minha reunião das dezessete horas, ok?— falei com a minha secretária, passando por sua mesa, já acaminho do elevador.— Mas o Sr. Volt já está a caminho — ela pareceu sesurpreender, porque eu não tinha avisado nada com antecedência.Volt era um especialista em marketing pessoal, que Kennethtinha insistido que era quem deveria trabalhar comigo naquelacampanha à presidência. Nós iríamos discutir alguns pormenores, eíamos adiantar para ele o assunto sobre Isabelle em minha vida.Poderia ficar para outro dia.— Ele vai entender. Peça que cobre a hora nos honorários domês. Será recompensado.Eu sabia que não se podia comprar as pessoas daquele jeito,e nem era a minha intenção, mas estava puto o suficiente para ligaro foda-se e não me importar.Saí do meu gabinete marchando, mal ouvindo as pessoasque me cumprimentavam, partindo para o carro, onde meusegurança me aguardava. Normalmente eu andava com mais deum, mas o outro fora designado para Isabelle naquela tar