Eu precisava colocar meus pés em uma bacia de água
quente. Tinha dias em que eu chegava em casa cansada, mas em outros eu simplesmente queria me arrastar pelas escadas até o sótão, onde era o quarto que dividia com Aurora. As gorjetas tinham sido ótimas, e eu nem poderia reclamar. Era com esses poucos dólares que mantinha a doença de Aurora controlada, com a compra de remédios. Minha irmãzinha possuía uma condição congênita chamada Síndrome de Wolff-Parkinson-White, ou WPW. Basicamente, o coraçãozinho dela tinha uma pecinha faltando, algo que deveria estar lá, mas não está. Isso faz com que o sangue não circule tão bem como deveria. E, por causa disso, ela fica cansada mais rápido do que outras crianças da idade dela. Às vezes, parece que ela está fazendo um esforço extra só para brincar ou correr um pouquinho. Ela tem que tomar remédios todos os dias para ajudar o coração a funcionar melhor. Mas, apesar disso, ela é uma garotinha corajosa. Passa por exames e consultas médicas como uma verdadeira campeã. E por mais que eu esteja disposta a fazer qualquer coisa para garantir que ela cresça saudável e forte, os cuidados que ela requer são caros. Meu pai não me negaria essa ajuda, eu sei, mas meu orgulho só me faria implorar caso eu não pudesse arcar com as despesas. Enquanto conseguisse trabalhar, Aurora estaria segura. Eu jamais admitiria isso para ninguém que perguntasse, mas era um pouco cansativo e frustrante. Com todos os planos que fiz para mim mesma, nunca pensei que acabaria desistindo da faculdade para trabalhar em um emprego que – com todo o respeito à profissão – não me oferecia nenhum desafio e no qual eu não via absolutamente nenhuma chance de crescer profissionalmente. Nunca pensei que me sentiria tão sozinha... tão imensamente sozinha que por vezes eu implorava para que alguém aparecesse e como um passe de mágica resolvesse os meus problemas. Tipo uma fada-madrinha. Abri a porta da frente da casa com as chaves e me deparei com uma cena inesperada: meu pai e minha madrasta estavam sentados no sofá. Havia xícaras sobre a mesinha de centro. Uma pessoa estava sentada na poltrona que ficava de costas para a porta, mas dava para ver que era um homem. Por um momento, suspeitei de uma figura, que mesmo tendo conhecido em um único dia, não saiu dos meus pensamentos. Mas não era possível. Era? — Ah, Belle! Que bom que chegou! — Virginia, minha madrasta, falou com entusiasmo. O que era muito surpreendente para mim, porque ela nunca me cumprimentava. Na verdade, evitava ao máximo falar comigo, tanto que eu nunca era convidada nem para fazer as refeições à mesa. Eu e Aurora comíamos no nosso sótão mesmo. — Eu e seu pai estávamos conversando aqui com o Sr. Bridges... — Virginia estendeu a mão na minha direção, me chamando, e isso por si só já teria me deixado um pouco desconcertada, mas foi o sobrenome que me chamou mais a atenção. Bridges. Era o mesmo cara do restaurante. Ele se virou para olhar para mim, e lá estava o rosto que tanto me assustou, pela história de proposta e pelo jeito malicioso como me olhou. Cheguei a dar um passo para trás, com os olhos arregalados. — O que você está fazendo na minha casa? — perguntei em um misto de indignação e medo. Se ele tinha ousado chegar até ali, não iria me deixar em paz. — Garota mal-educada! Esta casa não é sua. É minha e do seu pai. Você está aqui por caridade nossa. Ah, daquele jeito ela parecia bem mais a madrasta que eu conhecia. — Não precisam brigar com a menina. Eu realmente fui um pouco precipitado no dia em que a conhecemos e a assustei. — O Sr. Bridges se levantou, pousando sua xícara na mesa, junto às outras. — Achei que se conversasse com seus pais primeiro, provaria que minhas intenções são honradas. Eles não eram meus pais. Ou melhor: ela não era. Mas preferi ficar quieta, porque a situação já era problemática demais. — Por que não se senta? — ele convidou, mas eu neguei. — Estou bem em pé. — Tudo bem, você que sabe. Acho que é do seu interesse saber que sua irmã não está aqui. Meu coração simplesmente parou. — O quê? Como assim? — Lancei um olhar para o outro homem presente, que era meu pai, em busca de algum tipo de proteção. Só que ele estava claramente se abstendo, como em todas as outras ocasiões em que minha madrasta tomava as rédeas das coisas. — Onde está Aurora? — Ela está, neste momento, sendo enviada para um colégio interno em outro país. Será muito bem cuidada e terá toda assistência para sua condição. Ele tentava fazer como se fosse algo muito bom para minha irmã. E até poderia ser, se eu não estivesse tão desconfiada; se minha intuição não tivesse começado a gritar que era uma imensa armadilha. — Você tem alguma intenção de me controlar usando ela, não tem? Ele sorriu. Aquele sorriso levemente perverso que tanto me assustou no primeiro dia em que nos conhecemos. — Mas é uma missão simples, e eu vou cuidar das duas. Deixei minha mochila cair no chão e já partir para cima dele, com as mãos fechadas em punho, mas meu pai se levantou de um pulo e me segurou. — Ouça o Sr. Bridges, Isabelle. É uma proposta que vai te ajudar e ajudar à sua irmã. Tentei me debater, mas ele me segurou com força, me obrigando a encarar o filho da puta que tinha tirado minha irmã de mim. — Não vou pedir nada absurdo, querida. Só precisa se casar com o Senador Richard Walker e se comportar muito bem como esposa dele. Mas se comportar para mim. Com as coisas que vou te pedir para fazer. Parei de me movimentar, sentindo meu corpo todo retesar. Meu pai me soltou, percebendo que eu estava parada. Não porque não tinha mais instintos assassinos em relação a Kenneth Bridges, mas porque sua afirmação me deixou chocada o suficiente para nem conseguir me mexer. — Me casar? Mas... Eu nem conheço esse homem! Kenneth deu de ombros. — Casamentos assim acontecem o tempo todo, principalmente no meio da política. Ele é um bom homem, vai te respeitar. Está concorrendo à presidência e... — Imagina só? Sermos da família da primeira-dama? Isso vai ser maravilhoso para os negócios da família, Isabelle! — minha madrasta falou, entusiasmada. Ela nunca me considerou da família, mas a partir daquele momento, aparentemente, eu passaria a ser. — Não faz sentido... eu não posso ser primeira-dama. Eu só tenho vinte anos. Nem quero me casar ainda. Isso é loucura! — Nem mesmo para proteger sua irmã? Um casamento por contrato. Você não vai precisar fazer absolutamente nada que não queira. Conheço Richard, e tenho certeza de que não irá te obrigar a nada. Olhei para o meu pai, com os olhos um pouco envergonhados. Eu não queria falar sobre aquele tipo de coisa com ele presente, especialmente porque não tinha nenhuma experiência. Kenneth poderia estar falando aquilo, mas eu definitivamente não poderia confiar em um homem que estava me fazendo uma proposta descabida e que levara minha irmã para longe de mim, só para usá-la como chantagem. — Ele não vai, mas você... pelo que entendi... — soltei em um fio de voz. — É... comigo eu vou pedir uma parceria. — Ele se sentou novamente e fez um sinal para que eu me colocasse à sua frente. Não fui, mas houve uma insistência, e eu entendi que teria que me comportar como uma cachorrinha obediente, porque minha irmã estava sob seu poder. — Não é nada de mais também. O que eu quero é que você manipule Richard. Que o faça entender que sou essencial para ele, que jamais chegaria aonde está sem mim. Quero que tenha acesso a informações que, talvez, eu não tenha. Que não permita que dê qualquer passo sem que eu tenha ciência. Não consegui conter uma risada desdenhosa. — O que te faz acreditar que ele irá confiar em mim o suficiente para isso? — Não precisa confiar. Você pode ouvir conversas sem que ele saiba. Pode gravar vídeos comprometedores para que eu tenha acesso a material para chantagem. Gravar conversas que ele não quer que sejam divulgadas. Acho que você entendeu... — Eu não sou esse tipo de pessoa. Está abordando a garota errada. — Você vai virar esse tipo de pessoa. Tudo, absolutamente tudo o que eu mandar você vai fazer. Porque a sua irmã está comigo, e você vai se lembrar disso quando me disser um não. — Ei! — meu pai o interrompeu, o que me deu alguma esperança. — Você disse que ia cuidar de Aurora! — E vou. Ela estará protegida, e eu não pretendo machucála. Jamais faria isso com uma criança. Mas há coisas que ela pode ter e ganhar que serão negadas caso Isabelle não colabore. Era inacreditável. Ele ia mesmo me chantagear usando uma criança. De onde aquele demônio tinha surgido? E por que cruzara o meu caminho? O que eu tinha feito de errado, para além de todos os problemas que já tinha, precisar lidar com Kenneth Bridges? Olhava para os lados, e meu pai e minha madrasta pareciam convencidos. Eu não tinha ninguém para me defender. E mesmo se tivesse, Aurora já estava longe de mim. — Se eu aceitar, vou poder ver minha irmã? — Sempre que fizer algo que me agrade. Minha vontade era novamente pular sobre ele, mas nem tentei daquela vez. Não havia sentido em lutar por algo sendo que não haveria vitória no final das contas. Ele já me tinha nas mãos. E não havia nada que eu pudesse fazer.Eu dificilmente adiava compromissos, muito menos umaviagem a Washington. Por mais que eu não tivesse sido oficialmenterequisitado no Congresso, a votação daquele projeto de lei queestava em curso, de acesso a moradias gratuitas para veteranos deguerra, muito me interessava. E, claro, Stephen Lewis, um dossenadores de Seattle, e meu maior concorrente no caminho àpresidência, estaria lá.Ainda assim, a missão que me fez não comparecer eraigualmente importante. Eu iria conhecer a mulher com quem mecasaria em uma semana.Kenneth faria a ponte entre nós, e o jantar seria na casa dafamília dela. Partimos para lá, aliás, da forma mais secreta possível,sem uma grande comitiva, apenas com dois seguranças e um únicocarro. Não queria me sentir nervoso, mas toda a perspectiva dasituação era absurda. Tentei me distrair usando o celular, fuçandomeu e-mail pessoal, embora não houvesse nada lá de urgente, maispara me manter alheio à possibilidade de uma conversa com Ken.Ele entendia es
Eu quase não tinha ouvido a voz dela até aquele momento. Agovernanta nos indicara a mesa, porque o jantar fora servido, nósnos sentamos, mas Isabelle continuava calada, muito séria, em totalformalidade.Queria um tempo a sós com ela, para que pudéssemosalinhar nosso acordo só entre nós, de fato. Eu sabia que Kensempre ficava um pouco frustrado, porque eu não permitia que memanipulasse, mas aquela ideia de casamento estava fortemente nasmãos dele.Isso me incomodava.— Em uma semana, o casamento estará sendo veiculado emtodos os tipos de mídias. Vou me certificar de que a história quecontarão, de que vocês vinham se encontrando em segredo, que setratava de um relacionamento discreto, seja contada de um jeitoromântico. — Kenneth tinha realmente tomado as rédeas dasituação, e eu não gostava nada disso, por mais que o tivesse comoum pai.— Então acho que seria prudente marcar uma coletiva paraque eu e Isabelle possamos anunciar isso. Nada de terceirosfalando em nosso nome.
O jantar foi incômodo o suficiente para que eu precisasse deuns bons drinques depois. Para a minha sorte, Owen estavadisponível. Tudo o que precisei fazer foi ligar para ele e chamá-lopara um bar bem discreto perto da minha casa, onde eu sabia quenão seríamos importunados pelos paparazzi.Nós nos encontramos lá quando já passava das dez, etrocamos um abraço amigável, com tapa nas costas. Fazia algumassemanas que não nos víamos, o que não era muito comum.— Que cara péssima, Senador. O jantar com a noivinha foium desastre? — Ele sabia de tudo, o que também era um alívio. Terque explicar o motivo da minha insatisfação ou ter que fingir queestava tudo bem seria um esforço para o qual eu não estava muitopreparado.Apesar de tudo, aquele era um território seguro. Owen Parkerera o meu melhor amigo.E olha que eu tinha poucos, mas a verdade era que, dentrode um mesmo partido político, desafetos eram comuns, masalgumas pessoas acabavam se tornando de confiança.Aproximei-me do ba
Uma semana depoisMeu pai estava diante de mim, e ele mal conseguia meencarar. Kenneth, é claro, estava do lado dele, como uma sombra, eeu sabia que passaria a ser assim a partir daquele momento, eprovavelmente pioraria depois que eu me tornasse esposa deRichard, já que ele tinha planos... Já que me queria ao lado dosenador por motivos obscuros.— Pronta, querida? — Kenneth perguntou, me olhando decima a baixo.O vestido que conseguimos com o pouco tempo que nosrestou foi algo simples, uma peça de seda, off-white, emprestado daminha madrasta e customizado por uma costureira de confiançadela. Algumas rendas foram colocadas, além de pequenas pérolas.Uma faixa do mesmo tom para alinhar em minha cintura, porque euera um pouco mais magra; uma mudança nas alças para ficaremmais elegantes.Ele era longo, mais bonito do que qualquer coisa que já useidesde que minha mãe morrera, mas ainda não era um vestido denoiva dos sonhos.No entanto, também não era o meu casamento dos sonhos
Eu tinha me tornado uma esposa.Não apenas isso, mas a esposa de um senador. Era ummundo do qual eu não sabia quase nada, e eu me sentia entrandoàs cegas em uma casa cujas luzes estavam todas apagadas.Precisaria de ajuda para tatear as paredes e tentar me encontrar.Eu tinha sido acompanhada novamente até o meu quarto,pela governanta, que foi bem solícita, e sem demora tirei o vestido,guardando-o pendurado em um cabide, com cuidado. Não sabia seVirginia iria pedi-lo de volta em algum momento, por isso o guardariacom zelo. Não havia nenhum apego emocional entre mim e a peça,por isso eu não teria problema nenhum em devolvê-la.Ouvi uma batida na porta, enquanto a ajeitava dentro doimenso closet que me foi designado, e ao erguer os olhos,enxerguei a figura alta e imponente de Richard bem ali, inclinado,pedindo passagem.A porta do quarto tinha sido deixada aberta, caminho livre,mas ele ainda teve o cuidado de não invadir minha privacidade detodo. A frase que Owen me dissera,
— Anna, cancele a minha reunião das dezessete horas, ok?— falei com a minha secretária, passando por sua mesa, já acaminho do elevador.— Mas o Sr. Volt já está a caminho — ela pareceu sesurpreender, porque eu não tinha avisado nada com antecedência.Volt era um especialista em marketing pessoal, que Kennethtinha insistido que era quem deveria trabalhar comigo naquelacampanha à presidência. Nós iríamos discutir alguns pormenores, eíamos adiantar para ele o assunto sobre Isabelle em minha vida.Poderia ficar para outro dia.— Ele vai entender. Peça que cobre a hora nos honorários domês. Será recompensado.Eu sabia que não se podia comprar as pessoas daquele jeito,e nem era a minha intenção, mas estava puto o suficiente para ligaro foda-se e não me importar.Saí do meu gabinete marchando, mal ouvindo as pessoasque me cumprimentavam, partindo para o carro, onde meusegurança me aguardava. Normalmente eu andava com mais deum, mas o outro fora designado para Isabelle naquela tar
Eram tantas sacolas de roupas que a governanta de Richard– a Sra. Mildred Finch – chegou a rir ao me ver olhando para elas,depois de ter direcionado os homens que as levaram lá para cima.— Eu nunca tive tanta coisa assim — comentei meio perdida.— Provavelmente será só o começo. O Sr. Walker é bemgeneroso com os funcionários, imagina com sua esposa.A Sra. Finch era uma das pessoas que não sabiam quenosso arranjo era puramente comercial. Provavelmente estranhouque as coisas tivessem acontecido tão rápido, mas era discreta osuficiente para não perguntar. A explicação dada foi que eu eRichard já nos conhecíamos há mais de um ano, nos apaixonamos,mas mantivemos o relacionamento escondido de todo mundo.Se as pessoas iriam acreditar? Aí já não era mais da minhaconta.— Mas seja como for, você não precisa arrumar isso tudo.Posso fazê-lo por você — a Sra. Finch afirmou, com seu jeitinhoeducado.— É muita coisa. Não quero te dar trabalho.A mulher riu.— É minha função, senhora.
Meus dedos estavam entrelaçados firmemente aos deIsabelle, enquanto caminhávamos. Tínhamos acabado de saltar docarro, passando pelos jornalistas ávidos, que gritavam meu nomecomo se eu fosse um rock star.Apesar dos seguranças que nos cercavam, eu ainda mesentia protetor em relação a Isabelle. Ela era nova naquele mundocaótico, e a última coisa que eu queria era assustá-la. Para osabutres que nos perseguiam, era um prato cheio, porque, porinexperiência, poderia dizer alguma coisa comprometedora, semque tivesse a intenção disso.Coloquei a mão em suas costas, sentindo-a completamenterígida por sob o vestido bonito que compramos no dia anterior. Elamesma arrumara seu cabelo, fazendo alguns cachos nas pontas, semaquiara de forma bem discreta, e eu a considerava perfeita para opapel. A aparência de uma deusa elegante, os olhos doces, acorreta dose de timidez.Não demos nenhuma declaração e Ken foi o responsável poracalmar os jornalistas, enquanto nós entrávamos. Ele era mais