ISABELLE WAVERLY

Eu precisava colocar meus pés em uma bacia de água

quente.

Tinha dias em que eu chegava em casa cansada, mas em

outros eu simplesmente queria me arrastar pelas escadas até o

sótão, onde era o quarto que dividia com Aurora.

As gorjetas tinham sido ótimas, e eu nem poderia reclamar.

Era com esses poucos dólares que mantinha a doença de Aurora

controlada, com a compra de remédios.

Minha irmãzinha possuía uma condição congênita chamada

Síndrome de Wolff-Parkinson-White, ou WPW. Basicamente, o

coraçãozinho dela tinha uma pecinha faltando, algo que deveria

estar lá, mas não está. Isso faz com que o sangue não circule tão

bem como deveria. E, por causa disso, ela fica cansada mais rápido

do que outras crianças da idade dela. Às vezes, parece que ela está

fazendo um esforço extra só para brincar ou correr um pouquinho.

Ela tem que tomar remédios todos os dias para ajudar o

coração a funcionar melhor. Mas, apesar disso, ela é uma garotinha

corajosa. Passa por exames e consultas médicas como uma

verdadeira campeã.

E por mais que eu esteja disposta a fazer qualquer coisa para

garantir que ela cresça saudável e forte, os cuidados que ela requer

são caros.

Meu pai não me negaria essa ajuda, eu sei, mas meu orgulho

só me faria implorar caso eu não pudesse arcar com as despesas.

Enquanto conseguisse trabalhar, Aurora estaria segura.

Eu jamais admitiria isso para ninguém que perguntasse, mas

era um pouco cansativo e frustrante. Com todos os planos que fiz

para mim mesma, nunca pensei que acabaria desistindo da

faculdade para trabalhar em um emprego que – com todo o respeito

à profissão – não me oferecia nenhum desafio e no qual eu não via

absolutamente nenhuma chance de crescer profissionalmente.

Nunca pensei que me sentiria tão sozinha... tão imensamente

sozinha que por vezes eu implorava para que alguém aparecesse e

como um passe de mágica resolvesse os meus problemas.

Tipo uma fada-madrinha.

Abri a porta da frente da casa com as chaves e me deparei

com uma cena inesperada: meu pai e minha madrasta estavam

sentados no sofá. Havia xícaras sobre a mesinha de centro. Uma

pessoa estava sentada na poltrona que ficava de costas para a

porta, mas dava para ver que era um homem.

Por um momento, suspeitei de uma figura, que mesmo tendo

conhecido em um único dia, não saiu dos meus pensamentos.

Mas não era possível. Era?

— Ah, Belle! Que bom que chegou! — Virginia, minha

madrasta, falou com entusiasmo. O que era muito surpreendente

para mim, porque ela nunca me cumprimentava. Na verdade,

evitava ao máximo falar comigo, tanto que eu nunca era convidada

nem para fazer as refeições à mesa.

Eu e Aurora comíamos no nosso sótão mesmo.

— Eu e seu pai estávamos conversando aqui com o Sr.

Bridges... — Virginia estendeu a mão na minha direção, me

chamando, e isso por si só já teria me deixado um pouco

desconcertada, mas foi o sobrenome que me chamou mais a

atenção.

Bridges.

Era o mesmo cara do restaurante.

Ele se virou para olhar para mim, e lá estava o rosto que

tanto me assustou, pela história de proposta e pelo jeito malicioso

como me olhou.

Cheguei a dar um passo para trás, com os olhos arregalados.

— O que você está fazendo na minha casa? — perguntei em

um misto de indignação e medo. Se ele tinha ousado chegar até ali,

não iria me deixar em paz.

— Garota mal-educada! Esta casa não é sua. É minha e do

seu pai. Você está aqui por caridade nossa.

Ah, daquele jeito ela parecia bem mais a madrasta que eu

conhecia.

— Não precisam brigar com a menina. Eu realmente fui um

pouco precipitado no dia em que a conhecemos e a assustei. — O

Sr. Bridges se levantou, pousando sua xícara na mesa, junto às

outras. — Achei que se conversasse com seus pais primeiro,

provaria que minhas intenções são honradas.

Eles não eram meus pais. Ou melhor: ela não era. Mas

preferi ficar quieta, porque a situação já era problemática demais.

— Por que não se senta? — ele convidou, mas eu neguei.

— Estou bem em pé.

— Tudo bem, você que sabe. Acho que é do seu interesse

saber que sua irmã não está aqui.

Meu coração simplesmente parou.

— O quê? Como assim? — Lancei um olhar para o outro

homem presente, que era meu pai, em busca de algum tipo de

proteção. Só que ele estava claramente se abstendo, como em

todas as outras ocasiões em que minha madrasta tomava as rédeas

das coisas. — Onde está Aurora?

— Ela está, neste momento, sendo enviada para um colégio

interno em outro país. Será muito bem cuidada e terá toda

assistência para sua condição.

Ele tentava fazer como se fosse algo muito bom para minha

irmã. E até poderia ser, se eu não estivesse tão desconfiada; se

minha intuição não tivesse começado a gritar que era uma imensa

armadilha.

— Você tem alguma intenção de me controlar usando ela,

não tem?

Ele sorriu. Aquele sorriso levemente perverso que tanto me

assustou no primeiro dia em que nos conhecemos.

— Mas é uma missão simples, e eu vou cuidar das duas.

Deixei minha mochila cair no chão e já partir para cima dele,

com as mãos fechadas em punho, mas meu pai se levantou de um

pulo e me segurou.

— Ouça o Sr. Bridges, Isabelle. É uma proposta que vai te

ajudar e ajudar à sua irmã.

Tentei me debater, mas ele me segurou com força, me

obrigando a encarar o filho da puta que tinha tirado minha irmã de

mim.

— Não vou pedir nada absurdo, querida. Só precisa se casar

com o Senador Richard Walker e se comportar muito bem como

esposa dele. Mas se comportar para mim. Com as coisas que vou te

pedir para fazer.

Parei de me movimentar, sentindo meu corpo todo retesar.

Meu pai me soltou, percebendo que eu estava parada. Não porque

não tinha mais instintos assassinos em relação a Kenneth Bridges,

mas porque sua afirmação me deixou chocada o suficiente para

nem conseguir me mexer.

— Me casar? Mas... Eu nem conheço esse homem!

Kenneth deu de ombros.

— Casamentos assim acontecem o tempo todo,

principalmente no meio da política. Ele é um bom homem, vai te

respeitar. Está concorrendo à presidência e...

— Imagina só? Sermos da família da primeira-dama? Isso vai

ser maravilhoso para os negócios da família, Isabelle! — minha

madrasta falou, entusiasmada.

Ela nunca me considerou da família, mas a partir daquele

momento, aparentemente, eu passaria a ser.

— Não faz sentido... eu não posso ser primeira-dama. Eu só

tenho vinte anos. Nem quero me casar ainda. Isso é loucura!

— Nem mesmo para proteger sua irmã? Um casamento por

contrato. Você não vai precisar fazer absolutamente nada que não

queira. Conheço Richard, e tenho certeza de que não irá te obrigar a

nada.

Olhei para o meu pai, com os olhos um pouco

envergonhados. Eu não queria falar sobre aquele tipo de coisa com

ele presente, especialmente porque não tinha nenhuma experiência.

Kenneth poderia estar falando aquilo, mas eu definitivamente

não poderia confiar em um homem que estava me fazendo uma

proposta descabida e que levara minha irmã para longe de mim, só

para usá-la como chantagem.

— Ele não vai, mas você... pelo que entendi... — soltei em

um fio de voz.

— É... comigo eu vou pedir uma parceria. — Ele se sentou

novamente e fez um sinal para que eu me colocasse à sua frente.

Não fui, mas houve uma insistência, e eu entendi que teria que me

comportar como uma cachorrinha obediente, porque minha irmã

estava sob seu poder. — Não é nada de mais também. O que eu

quero é que você manipule Richard. Que o faça entender que sou

essencial para ele, que jamais chegaria aonde está sem mim. Quero

que tenha acesso a informações que, talvez, eu não tenha. Que não

permita que dê qualquer passo sem que eu tenha ciência.

Não consegui conter uma risada desdenhosa.

— O que te faz acreditar que ele irá confiar em mim o

suficiente para isso?

— Não precisa confiar. Você pode ouvir conversas sem que

ele saiba. Pode gravar vídeos comprometedores para que eu tenha

acesso a material para chantagem. Gravar conversas que ele não

quer que sejam divulgadas. Acho que você entendeu...

— Eu não sou esse tipo de pessoa. Está abordando a garota

errada.

— Você vai virar esse tipo de pessoa. Tudo, absolutamente

tudo o que eu mandar você vai fazer. Porque a sua irmã está

comigo, e você vai se lembrar disso quando me disser um não.

— Ei! — meu pai o interrompeu, o que me deu alguma

esperança. — Você disse que ia cuidar de Aurora!

— E vou. Ela estará protegida, e eu não pretendo machucála. Jamais faria isso com uma criança. Mas há coisas que ela pode

ter e ganhar que serão negadas caso Isabelle não colabore.

Era inacreditável. Ele ia mesmo me chantagear usando uma

criança.

De onde aquele demônio tinha surgido? E por que cruzara o

meu caminho? O que eu tinha feito de errado, para além de todos

os problemas que já tinha, precisar lidar com Kenneth Bridges?

Olhava para os lados, e meu pai e minha madrasta pareciam

convencidos. Eu não tinha ninguém para me defender. E mesmo se

tivesse, Aurora já estava longe de mim.

— Se eu aceitar, vou poder ver minha irmã?

— Sempre que fizer algo que me agrade.

Minha vontade era novamente pular sobre ele, mas nem

tentei daquela vez. Não havia sentido em lutar por algo sendo que

não haveria vitória no final das contas. Ele já me tinha nas mãos.

E não havia nada que eu pudesse fazer.

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