RICHARD WALKER

Eu dificilmente adiava compromissos, muito menos uma

viagem a Washington. Por mais que eu não tivesse sido oficialmente

requisitado no Congresso, a votação daquele projeto de lei que

estava em curso, de acesso a moradias gratuitas para veteranos de

guerra, muito me interessava. E, claro, Stephen Lewis, um dos

senadores de Seattle, e meu maior concorrente no caminho à

presidência, estaria lá.

Ainda assim, a missão que me fez não comparecer era

igualmente importante. Eu iria conhecer a mulher com quem me

casaria em uma semana.

Kenneth faria a ponte entre nós, e o jantar seria na casa da

família dela. Partimos para lá, aliás, da forma mais secreta possível,

sem uma grande comitiva, apenas com dois seguranças e um único

carro. Não queria me sentir nervoso, mas toda a perspectiva da

situação era absurda. Tentei me distrair usando o celular, fuçando

meu e-mail pessoal, embora não houvesse nada lá de urgente, mais

para me manter alheio à possibilidade de uma conversa com Ken.

Ele entendia esse tipo de coisa, na verdade. Já sabia que eu

tinha meus momentos, minha necessidade de silêncio. Em viagens

de carro, quando íamos lado a lado, eu dificilmente era perturbado

por uma conversa enfadonha, a não ser quando era estritamente

necessário por causa do compromisso ao qual íamos comparecer.

O carro parou diante do portão de um condomínio, e nós

entramos. Como já era de se esperar, os Waverly moravam em uma

casa bonita, mas não condizente com a situação financeira de

alguém que estava à falência. Se é que isso era mesmo verdade.

Fomos guiados por uma governanta até a sala de estar,

elegantemente decorada, e ficamos de pé quando o casal se

aproximou.

Eu conhecia o rosto de Aston Waverly não apenas porque ele

era uma pessoa midiática, mas porque já tínhamos nos esbarrado

em um ou dois eventos. Sua esposa também estivera com ele, e eu

me lembrava de olhares nada confortáveis em minha direção.

— Senador Walker, que prazer tê-lo na nossa casa! — o Sr.

Waverly me cumprimentou com um aperto de mão.

— Obrigado. O prazer é meu.

Eu ia cumprimentar a esposa dele do mesmo jeito, mas ao

invés de aceitar minha mão, a mulher me pegou pelos ombros e me

deu dois beijinhos no rosto, como se fôssemos amigos íntimos.

— Nada de formalidades. Seremos parte da mesma família.

Ao menos alguém parecia animado com aquele casamento...

Precisava saber da noiva.

— E Isabelle? — Quem perguntou foi Ken, com um sorriso.

Talvez, no final das contas, eu fosse o único que achava

aquela ideia muito estúpida e até perigosa.

— Estava se arrumando quando desci. Mas não vai demorar

— Aster falou, apontando o sofá. — Enquanto isso, me permita te

servir um drinque. Com ou sem gelo?

— Sem, por favor.

Ele sorriu, balançando a cabeça em concordância, e se

afastou.

Os três que sobraram na sala se sentaram, quase como se

fosse uma coreografia, e eu novamente olhei para as escadas, à

medida que a mulher puxava um assunto qualquer.

Precisava confessar que estava curioso. Já tinha visto

algumas fotos, e Isabelle sem dúvidas era incrivelmente bonita, mas

não era só isso. Queria olhar para ela, interagir, trocar olho no olho.

Não tinha intenções de me envolver, e queria deixar isso bem claro

para ela, mas além disso queria ouvir suas posições.

A garota deveria ter algum objetivo também, não?

Pensando nisso, me lembrei da garotinha. Ken dissera que

havia uma criança, não dissera?

— A senhora tem outra enteada, não tem? Vou conhecê-la?

— perguntei, aproveitando um breve espaço entre os assuntos que

ela parecia estar atropelando.

Aster chegou logo em seguida, equilibrando os copos na

mão, e eu percebi que os dois ficaram um pouco sem graça.

— Aurora não é minha enteada. É irmã de Isabelle, só por

parte de mãe, mas nós a acolhemos aqui como se fosse nossa.

— E onde ela está? Gosto de crianças.

Gostava mesmo. Queria muito ser pai, inclusive.

Principalmente pensando que sem dúvidas, àquela altura, se ainda

estivesse casado com Tiana e feliz, talvez ela estivesse grávida.

Pensei também que a presença de uma garotinha de quatro

anos pudesse tornar aquele jantar um pouco mais tolerável, mas ela

não parecia estar em casa.

O casal Waverly se entreolhou e depois se voltou para Ken,

quase como se buscassem orientação. Achei isso um pouco

estranho, mas a mulher tomou a dianteira da resposta.

— Conseguimos uma boa escola para ela, mas é um

internato. Aqui mesmo em Nova Iorque.

— Para uma criança de quatro anos? — me surpreendi.

— Ela vai se adaptar bem. Não só terá uma educação boa

como também assistência vinte e quatro horas para suas

comorbidades — Anson falou, e eu continuei estranhando, mas não

tive muito tempo para isso, porque ouvi alguns passos de saltos no

piso.

Ergui a cabeça e a figura delicada de uma garota surgiu no

meu campo de visão.

Uma garota, não. Uma mulher.

Um vestido preto elegante cobria seu corpo esguio e

pequeno, delineando suas curvas. Não havia nada de muito

especial nele, além de um decote tomara que caia com um detalhe

em branco, mas nada mais era necessário.

Eu conseguia ver seu colo perfeitamente, coberto apenas por

um colar simples – um cordãozinho dourado com uma pequena

pedra de diamante. Os brincos eram iguais, e eles caíam como dois

pêndulos de sua orelha, bem visíveis por conta do cabelo preso em

um coque, com algumas mechas finas caídas pelo rosto.

Rosto esse que eu já conhecia, aliás, por causa das fotos,

mas exatamente como imaginei, pessoalmente era um pouco

diferente. Detalhes e nuances se destacavam, além de expressões

e movimentos suaves, que construíam a personalidade dela.

Olhando ali, à minha frente, de cima a baixo, não importava

quantas vezes repetisse para mim mesmo que eu não tinha

intenções de viver um relacionamento, que seria apenas um

casamento por contrato, a certeza de que seria muito, muito difícil

resistir àquela mulher se tornava mais evidente.

— Aí está ela! — Ken foi quem se manifestou, levantando-se

e aproximando-se da moça.

Percebi que Isabelle se retesou um pouco quando meu

assessor se colocou ao seu lado, passando um braço ao redor de

seu ombro, mas foi uma reação tão sutil que talvez eu estivesse

imaginando coisas. Apenas por eu a estar observando quase que de

forma obcecada foi que consegui reparar.

— Richard, meu querido, esta aqui é a linda Isabelle Waverly.

Uma pérola que encontrei perdida por aí...

A garota ainda não olhava para mim. Seus lindos olhos

acinzentados estavam fixos no chão, quase como se estivesse se

esforçando para me evitar.

Por algum motivo eu queria ser olhado por ela. Queria perder

aquela sensação de que se relacionar comigo era um sacrifício e

que ela estava caminhando por um corredor da morte naquele

primeiro encontro.

Sendo assim, fiz algo que nem estava muito acostumado a

fazer, a não ser em discursos ensaiados para uma audiência de

eleitores: uma brincadeira.

— Pérola, não. Um diamante.

Com isso, provavelmente curiosa, a garota finalmente olhou

para mim. O movimento foi súbito, no susto, em pura surpresa.

— O quê?

Não consegui responder logo, porque me perdi um pouco.

Ela não era só bonita, mas também te olhava nos olhos. Neles havia

uma explosão de um sentimento que era um misto de determinação

e inocência. Algo muito peculiar, que a transformava em uma

coisinha intrigante o suficiente para que eu já tivesse vontade de

decifrá-la em pouquíssimos instantes.

Apontei, então, para o pingente em seu cordão, para me

explicar.

— Um diamante.

Senti-me bobo o suficiente com aquela resposta, porque

achei que a faria sorrir, mas Isabelle estava irredutível. Ela

claramente queria aquele casamento tão pouco quanto eu.

O que a tornava uma candidata melhor do que as outras,

ironicamente.

Se encontrasse uma mulher completamente ávida por se unir

a um estranho, ficaria intrigado. Demonstraria certa ganância ou um

interesse diferente no fato de estar ao meu lado.

Isabelle queria ajudar a irmãzinha. Era curioso que a menina

tivesse sido mandada para um colégio interno pouco antes de eu

poder conhecê-la, mas preferiria acreditar na versão de Kenneth.

— Seja educada com o senador, querida — Virginia Waverly

falou, parecendo um pouco sem graça. Seu tom foi o mesmo que eu

usaria com uma criança que fizera uma travessura.

— Me desculpe, Vossa Excelência. É um prazer conhecê-lo.

— Ela foi mais formal do que eu mesmo teria sido.

Estendeu a mão pequena na direção da minha, e eu não

consegui tirar os olhos dela, nem por um segundo, até porque ela

também manteve os dela presos aos meus.

Quando aceitei o cumprimento, o fiz ainda encarando-a,

ainda analisando-a.

— O prazer é meu.

E novamente: eu precisava me lembrar de que aquela mulher

seria, em breve, minha esposa.

Uma esposa a quem eu mal conhecia, com quem assinaria

um contrato e em quem eu dificilmente poderia tocar. Em quem eu

nem sabia se poderia confiar.

Uma aliada, ou uma possível inimiga?

Só o tempo poderia dizer.

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