Eu dificilmente adiava compromissos, muito menos uma
viagem a Washington. Por mais que eu não tivesse sido oficialmente requisitado no Congresso, a votação daquele projeto de lei que estava em curso, de acesso a moradias gratuitas para veteranos de guerra, muito me interessava. E, claro, Stephen Lewis, um dos senadores de Seattle, e meu maior concorrente no caminho à presidência, estaria lá. Ainda assim, a missão que me fez não comparecer era igualmente importante. Eu iria conhecer a mulher com quem me casaria em uma semana. Kenneth faria a ponte entre nós, e o jantar seria na casa da família dela. Partimos para lá, aliás, da forma mais secreta possível, sem uma grande comitiva, apenas com dois seguranças e um único carro. Não queria me sentir nervoso, mas toda a perspectiva da situação era absurda. Tentei me distrair usando o celular, fuçando meu e-mail pessoal, embora não houvesse nada lá de urgente, mais para me manter alheio à possibilidade de uma conversa com Ken. Ele entendia esse tipo de coisa, na verdade. Já sabia que eu tinha meus momentos, minha necessidade de silêncio. Em viagens de carro, quando íamos lado a lado, eu dificilmente era perturbado por uma conversa enfadonha, a não ser quando era estritamente necessário por causa do compromisso ao qual íamos comparecer. O carro parou diante do portão de um condomínio, e nós entramos. Como já era de se esperar, os Waverly moravam em uma casa bonita, mas não condizente com a situação financeira de alguém que estava à falência. Se é que isso era mesmo verdade. Fomos guiados por uma governanta até a sala de estar, elegantemente decorada, e ficamos de pé quando o casal se aproximou. Eu conhecia o rosto de Aston Waverly não apenas porque ele era uma pessoa midiática, mas porque já tínhamos nos esbarrado em um ou dois eventos. Sua esposa também estivera com ele, e eu me lembrava de olhares nada confortáveis em minha direção. — Senador Walker, que prazer tê-lo na nossa casa! — o Sr. Waverly me cumprimentou com um aperto de mão. — Obrigado. O prazer é meu. Eu ia cumprimentar a esposa dele do mesmo jeito, mas ao invés de aceitar minha mão, a mulher me pegou pelos ombros e me deu dois beijinhos no rosto, como se fôssemos amigos íntimos. — Nada de formalidades. Seremos parte da mesma família. Ao menos alguém parecia animado com aquele casamento... Precisava saber da noiva. — E Isabelle? — Quem perguntou foi Ken, com um sorriso. Talvez, no final das contas, eu fosse o único que achava aquela ideia muito estúpida e até perigosa. — Estava se arrumando quando desci. Mas não vai demorar — Aster falou, apontando o sofá. — Enquanto isso, me permita te servir um drinque. Com ou sem gelo? — Sem, por favor. Ele sorriu, balançando a cabeça em concordância, e se afastou. Os três que sobraram na sala se sentaram, quase como se fosse uma coreografia, e eu novamente olhei para as escadas, à medida que a mulher puxava um assunto qualquer. Precisava confessar que estava curioso. Já tinha visto algumas fotos, e Isabelle sem dúvidas era incrivelmente bonita, mas não era só isso. Queria olhar para ela, interagir, trocar olho no olho. Não tinha intenções de me envolver, e queria deixar isso bem claro para ela, mas além disso queria ouvir suas posições. A garota deveria ter algum objetivo também, não? Pensando nisso, me lembrei da garotinha. Ken dissera que havia uma criança, não dissera? — A senhora tem outra enteada, não tem? Vou conhecê-la? — perguntei, aproveitando um breve espaço entre os assuntos que ela parecia estar atropelando. Aster chegou logo em seguida, equilibrando os copos na mão, e eu percebi que os dois ficaram um pouco sem graça. — Aurora não é minha enteada. É irmã de Isabelle, só por parte de mãe, mas nós a acolhemos aqui como se fosse nossa. — E onde ela está? Gosto de crianças. Gostava mesmo. Queria muito ser pai, inclusive. Principalmente pensando que sem dúvidas, àquela altura, se ainda estivesse casado com Tiana e feliz, talvez ela estivesse grávida. Pensei também que a presença de uma garotinha de quatro anos pudesse tornar aquele jantar um pouco mais tolerável, mas ela não parecia estar em casa. O casal Waverly se entreolhou e depois se voltou para Ken, quase como se buscassem orientação. Achei isso um pouco estranho, mas a mulher tomou a dianteira da resposta. — Conseguimos uma boa escola para ela, mas é um internato. Aqui mesmo em Nova Iorque. — Para uma criança de quatro anos? — me surpreendi. — Ela vai se adaptar bem. Não só terá uma educação boa como também assistência vinte e quatro horas para suas comorbidades — Anson falou, e eu continuei estranhando, mas não tive muito tempo para isso, porque ouvi alguns passos de saltos no piso. Ergui a cabeça e a figura delicada de uma garota surgiu no meu campo de visão. Uma garota, não. Uma mulher. Um vestido preto elegante cobria seu corpo esguio e pequeno, delineando suas curvas. Não havia nada de muito especial nele, além de um decote tomara que caia com um detalhe em branco, mas nada mais era necessário. Eu conseguia ver seu colo perfeitamente, coberto apenas por um colar simples – um cordãozinho dourado com uma pequena pedra de diamante. Os brincos eram iguais, e eles caíam como dois pêndulos de sua orelha, bem visíveis por conta do cabelo preso em um coque, com algumas mechas finas caídas pelo rosto. Rosto esse que eu já conhecia, aliás, por causa das fotos, mas exatamente como imaginei, pessoalmente era um pouco diferente. Detalhes e nuances se destacavam, além de expressões e movimentos suaves, que construíam a personalidade dela. Olhando ali, à minha frente, de cima a baixo, não importava quantas vezes repetisse para mim mesmo que eu não tinha intenções de viver um relacionamento, que seria apenas um casamento por contrato, a certeza de que seria muito, muito difícil resistir àquela mulher se tornava mais evidente. — Aí está ela! — Ken foi quem se manifestou, levantando-se e aproximando-se da moça. Percebi que Isabelle se retesou um pouco quando meu assessor se colocou ao seu lado, passando um braço ao redor de seu ombro, mas foi uma reação tão sutil que talvez eu estivesse imaginando coisas. Apenas por eu a estar observando quase que de forma obcecada foi que consegui reparar. — Richard, meu querido, esta aqui é a linda Isabelle Waverly. Uma pérola que encontrei perdida por aí... A garota ainda não olhava para mim. Seus lindos olhos acinzentados estavam fixos no chão, quase como se estivesse se esforçando para me evitar. Por algum motivo eu queria ser olhado por ela. Queria perder aquela sensação de que se relacionar comigo era um sacrifício e que ela estava caminhando por um corredor da morte naquele primeiro encontro. Sendo assim, fiz algo que nem estava muito acostumado a fazer, a não ser em discursos ensaiados para uma audiência de eleitores: uma brincadeira. — Pérola, não. Um diamante. Com isso, provavelmente curiosa, a garota finalmente olhou para mim. O movimento foi súbito, no susto, em pura surpresa. — O quê? Não consegui responder logo, porque me perdi um pouco. Ela não era só bonita, mas também te olhava nos olhos. Neles havia uma explosão de um sentimento que era um misto de determinação e inocência. Algo muito peculiar, que a transformava em uma coisinha intrigante o suficiente para que eu já tivesse vontade de decifrá-la em pouquíssimos instantes. Apontei, então, para o pingente em seu cordão, para me explicar. — Um diamante. Senti-me bobo o suficiente com aquela resposta, porque achei que a faria sorrir, mas Isabelle estava irredutível. Ela claramente queria aquele casamento tão pouco quanto eu. O que a tornava uma candidata melhor do que as outras, ironicamente. Se encontrasse uma mulher completamente ávida por se unir a um estranho, ficaria intrigado. Demonstraria certa ganância ou um interesse diferente no fato de estar ao meu lado. Isabelle queria ajudar a irmãzinha. Era curioso que a menina tivesse sido mandada para um colégio interno pouco antes de eu poder conhecê-la, mas preferiria acreditar na versão de Kenneth. — Seja educada com o senador, querida — Virginia Waverly falou, parecendo um pouco sem graça. Seu tom foi o mesmo que eu usaria com uma criança que fizera uma travessura. — Me desculpe, Vossa Excelência. É um prazer conhecê-lo. — Ela foi mais formal do que eu mesmo teria sido. Estendeu a mão pequena na direção da minha, e eu não consegui tirar os olhos dela, nem por um segundo, até porque ela também manteve os dela presos aos meus. Quando aceitei o cumprimento, o fiz ainda encarando-a, ainda analisando-a. — O prazer é meu. E novamente: eu precisava me lembrar de que aquela mulher seria, em breve, minha esposa. Uma esposa a quem eu mal conhecia, com quem assinaria um contrato e em quem eu dificilmente poderia tocar. Em quem eu nem sabia se poderia confiar. Uma aliada, ou uma possível inimiga? Só o tempo poderia dizer.Eu quase não tinha ouvido a voz dela até aquele momento. Agovernanta nos indicara a mesa, porque o jantar fora servido, nósnos sentamos, mas Isabelle continuava calada, muito séria, em totalformalidade.Queria um tempo a sós com ela, para que pudéssemosalinhar nosso acordo só entre nós, de fato. Eu sabia que Kensempre ficava um pouco frustrado, porque eu não permitia que memanipulasse, mas aquela ideia de casamento estava fortemente nasmãos dele.Isso me incomodava.— Em uma semana, o casamento estará sendo veiculado emtodos os tipos de mídias. Vou me certificar de que a história quecontarão, de que vocês vinham se encontrando em segredo, que setratava de um relacionamento discreto, seja contada de um jeitoromântico. — Kenneth tinha realmente tomado as rédeas dasituação, e eu não gostava nada disso, por mais que o tivesse comoum pai.— Então acho que seria prudente marcar uma coletiva paraque eu e Isabelle possamos anunciar isso. Nada de terceirosfalando em nosso nome.
O jantar foi incômodo o suficiente para que eu precisasse deuns bons drinques depois. Para a minha sorte, Owen estavadisponível. Tudo o que precisei fazer foi ligar para ele e chamá-lopara um bar bem discreto perto da minha casa, onde eu sabia quenão seríamos importunados pelos paparazzi.Nós nos encontramos lá quando já passava das dez, etrocamos um abraço amigável, com tapa nas costas. Fazia algumassemanas que não nos víamos, o que não era muito comum.— Que cara péssima, Senador. O jantar com a noivinha foium desastre? — Ele sabia de tudo, o que também era um alívio. Terque explicar o motivo da minha insatisfação ou ter que fingir queestava tudo bem seria um esforço para o qual eu não estava muitopreparado.Apesar de tudo, aquele era um território seguro. Owen Parkerera o meu melhor amigo.E olha que eu tinha poucos, mas a verdade era que, dentrode um mesmo partido político, desafetos eram comuns, masalgumas pessoas acabavam se tornando de confiança.Aproximei-me do ba
Uma semana depoisMeu pai estava diante de mim, e ele mal conseguia meencarar. Kenneth, é claro, estava do lado dele, como uma sombra, eeu sabia que passaria a ser assim a partir daquele momento, eprovavelmente pioraria depois que eu me tornasse esposa deRichard, já que ele tinha planos... Já que me queria ao lado dosenador por motivos obscuros.— Pronta, querida? — Kenneth perguntou, me olhando decima a baixo.O vestido que conseguimos com o pouco tempo que nosrestou foi algo simples, uma peça de seda, off-white, emprestado daminha madrasta e customizado por uma costureira de confiançadela. Algumas rendas foram colocadas, além de pequenas pérolas.Uma faixa do mesmo tom para alinhar em minha cintura, porque euera um pouco mais magra; uma mudança nas alças para ficaremmais elegantes.Ele era longo, mais bonito do que qualquer coisa que já useidesde que minha mãe morrera, mas ainda não era um vestido denoiva dos sonhos.No entanto, também não era o meu casamento dos sonhos
Eu tinha me tornado uma esposa.Não apenas isso, mas a esposa de um senador. Era ummundo do qual eu não sabia quase nada, e eu me sentia entrandoàs cegas em uma casa cujas luzes estavam todas apagadas.Precisaria de ajuda para tatear as paredes e tentar me encontrar.Eu tinha sido acompanhada novamente até o meu quarto,pela governanta, que foi bem solícita, e sem demora tirei o vestido,guardando-o pendurado em um cabide, com cuidado. Não sabia seVirginia iria pedi-lo de volta em algum momento, por isso o guardariacom zelo. Não havia nenhum apego emocional entre mim e a peça,por isso eu não teria problema nenhum em devolvê-la.Ouvi uma batida na porta, enquanto a ajeitava dentro doimenso closet que me foi designado, e ao erguer os olhos,enxerguei a figura alta e imponente de Richard bem ali, inclinado,pedindo passagem.A porta do quarto tinha sido deixada aberta, caminho livre,mas ele ainda teve o cuidado de não invadir minha privacidade detodo. A frase que Owen me dissera,
— Anna, cancele a minha reunião das dezessete horas, ok?— falei com a minha secretária, passando por sua mesa, já acaminho do elevador.— Mas o Sr. Volt já está a caminho — ela pareceu sesurpreender, porque eu não tinha avisado nada com antecedência.Volt era um especialista em marketing pessoal, que Kennethtinha insistido que era quem deveria trabalhar comigo naquelacampanha à presidência. Nós iríamos discutir alguns pormenores, eíamos adiantar para ele o assunto sobre Isabelle em minha vida.Poderia ficar para outro dia.— Ele vai entender. Peça que cobre a hora nos honorários domês. Será recompensado.Eu sabia que não se podia comprar as pessoas daquele jeito,e nem era a minha intenção, mas estava puto o suficiente para ligaro foda-se e não me importar.Saí do meu gabinete marchando, mal ouvindo as pessoasque me cumprimentavam, partindo para o carro, onde meusegurança me aguardava. Normalmente eu andava com mais deum, mas o outro fora designado para Isabelle naquela tar
Eram tantas sacolas de roupas que a governanta de Richard– a Sra. Mildred Finch – chegou a rir ao me ver olhando para elas,depois de ter direcionado os homens que as levaram lá para cima.— Eu nunca tive tanta coisa assim — comentei meio perdida.— Provavelmente será só o começo. O Sr. Walker é bemgeneroso com os funcionários, imagina com sua esposa.A Sra. Finch era uma das pessoas que não sabiam quenosso arranjo era puramente comercial. Provavelmente estranhouque as coisas tivessem acontecido tão rápido, mas era discreta osuficiente para não perguntar. A explicação dada foi que eu eRichard já nos conhecíamos há mais de um ano, nos apaixonamos,mas mantivemos o relacionamento escondido de todo mundo.Se as pessoas iriam acreditar? Aí já não era mais da minhaconta.— Mas seja como for, você não precisa arrumar isso tudo.Posso fazê-lo por você — a Sra. Finch afirmou, com seu jeitinhoeducado.— É muita coisa. Não quero te dar trabalho.A mulher riu.— É minha função, senhora.
Meus dedos estavam entrelaçados firmemente aos deIsabelle, enquanto caminhávamos. Tínhamos acabado de saltar docarro, passando pelos jornalistas ávidos, que gritavam meu nomecomo se eu fosse um rock star.Apesar dos seguranças que nos cercavam, eu ainda mesentia protetor em relação a Isabelle. Ela era nova naquele mundocaótico, e a última coisa que eu queria era assustá-la. Para osabutres que nos perseguiam, era um prato cheio, porque, porinexperiência, poderia dizer alguma coisa comprometedora, semque tivesse a intenção disso.Coloquei a mão em suas costas, sentindo-a completamenterígida por sob o vestido bonito que compramos no dia anterior. Elamesma arrumara seu cabelo, fazendo alguns cachos nas pontas, semaquiara de forma bem discreta, e eu a considerava perfeita para opapel. A aparência de uma deusa elegante, os olhos doces, acorreta dose de timidez.Não demos nenhuma declaração e Ken foi o responsável poracalmar os jornalistas, enquanto nós entrávamos. Ele era mais
A repercussão da nossa coletiva foi muito mais positiva doque imaginávamos a princípio. Claro que alguns veículos maissensacionalistas tentaram distorcer a história das piores formas –insinuando até mesmo um casamento midiático, que era a verdadesecreta –, mas a equipe de Richard me explicou que era assimmesmo. Que não importava o que fizéssemos, sempre haveriapessoas para criticar.Tentei relaxar e me atentar não só aos elogios que recebi detodos, mas também à nova vida que começaria a partir dali.Amy aceitara na mesma hora a proposta de trabalhar comigo,e era muito bom ter uma pessoa de confiança do meu lado. Elalevava o neném para a minha casa, e de lá nós traçávamos asestratégias que permeariam toda a minha comunicação – tanto coma equipe quanto sozinhas.Passamos a estudar perfis de influenciadoras, de ativistas eaté mesmo de outras esposas de políticos. Até da princesa KateMiddletown. Também fizemos alguns cursos juntas, online, de umjeito bem intensivo, e no fim