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Capítulo 1 - Peças do Destino

"O destino une e separa as pessoas, mas nenhuma força é grande o suficiente para nos fazer esquecer o que sentimos por elas."

Sara Aster.

Após cansar de olhar pra janela do carro, inclinei o banco e liguei meu ipod. Somente minhas músicas poderiam me confortar naquela monotonia. Sabia que tinha que ligar

pra Ana, havia prometido, mas não queria falar com ela tendo minha mãe por perto. Poderia dizer algo comprometedor.

Fechei os olhos e me concentrei no som que saía dos fones, mas era impossível relaxar e pensar em nada. Não sei porquê, mas algo estava me deixando ansiosa. O que poderia ter naquele lugar de tão interessante? Provavelmente nada. Fora que precisava me recordar de cinco em cinco minutos do porquê estava fazendo tudo aquilo. Meus devaneios estavam me deixando sonolenta, e eu teria adormecido se não fosse pelos cutucões da minha mãe em meu braço.

– Oi. O que foi? – disse sem abrir os olhos e com uma voz mal humorada.

– Esqueci de te dizer. Logo logo você terá alguém pra te fazer companhia. – falou, não se importando com minha irritação.

– Como assim? Ai, meu Deus! Mãe, você tá grávida? – falei desesperada ao me tocar no que ela acabara de dizer.

– Mas é claro que não, Elisa! Estou tentando te dizer que o Daniel irá morar conosco. Lembra dele pelo menos? Meu filho, seu irmão mais velho... Ele irá fazer faculdade de medicina e a casa do Tom é a mais viável pra a universidade em que ele pretende se formar. Então combinamos de que Dan moraria conosco. Não quero que meu filho continue cuidando daquele homem. Porque mais parece que quem é o pai ali é o Daniel.

Minha mãe nunca falava o nome do pai do meu irmão. Ela tinha tanta raiva dele que só o chamava de “aquele homem”. Também, depois de ter traído ela com a primeira que passou na rua, não me admira que ela o odiasse.

– Eu deveria me lembrar dele, não deveria? Depois de tanto tempo...

Eu tinha um irmão. Um irmão que eu só conhecia por fotos. Um irmão que morava com o pai desde quando eu ainda usava fraldas. Mas eu deveria me lembrar dele, deveria sentir que minha família eram três e não duas pessoas. Contudo, ele não significava nada para mim.

- Já faz um tempo, eu sei. Mas não se preocupe, tenho certeza de que se darão bem!

- Você poderia ter dito antes.

– Eu sei, Elisa, mas eu já disse, eu esqueci. Você sabe melhor do que ninguém que eu estava cheia de coisa pra fazer com os preparativos do casamento.

Por que ela tinha que ser assim? Por que ela não podia ser o tipo de mãe que põe os filhos em primeiro lugar? Por que Helen não podia ser simplesmente uma mãe normal? Até quando eu teria que suportar aquilo?

Eu precisava conversar com alguém antes de pirar dentro daquele carro. Liguei para Ana.

– Alô, amiga?

– Elisa? Ah, amiga, já to morrendo de saudade! - dizia ela com sua voz de criança - Como estão as coisas aí?

– Dentro do carro? Ótimas, já tenho até novidades. Acabei de saber que logo terei alguém pra me fazer companhia. – provoquei. Eu sabia que Helen estaria bem atenta à conversa.

– Ai, meu Deus! Elisa, a tia Helen tá grávida?

– Não, não. - esbocei um leve sorriso no rosto. Era incrível como podíamos pensar as mesmas coisas. - Lembra do Daniel, meu irmão por parte de mãe?

– Aquele que você não vê há... há quanto tempo mesmo?

- O suficiente pra esquecer que eu tinha um irmão. – fez-se um breve silêncio. -Então, ele vai morar junto com a gente. Fica mais viável pra cursar a faculdade de medicina que ele quer fazer.

- Ele não morava com o pai rico?

– Aquele homem só é rico por causa da herança que o pai deixou. E com certeza uma herança muito, mais muito alta, porque do jeito que aquele cara esbanja a grana, os juros da conta no banco devem ser alto.

– Mas amiga, por que tanto ódio do pai do seu irmão? Ele te fez alguma coisa? - dizia Ana.

Ele te fez alguma coisa?

Aquela pergunta ecoou. Um eco profundo e longo, que trouxe momentaneamente um peso de volta à memória.

– Não. Ele não fez nada. Não fez nada. Nada.

- Tem certeza? Não é o que parece.

- É por causa dele que o Daniel não mora conosco. Aquele cara não faz nada na vida. É um verdadeiro libertino. Ele já deu em cima da minha avó, acredita?

– Oh, Deus! Das mulheres eu entendo, mas da sua avó? Ele deve gostar de mulheres maduras.

– rimos.

– Prefiro não comentar.

Passamos uns trinta minutos no telefone. Minha mãe já estava querendo arrancar meu pescoço. Eu estava interrompendo seu silêncio. Estava ignorando-a. E ela odiava não ter o foco para si.

– Elisa, posso falar com a Ana? - minha mãe pediu tão educadamente que me assustei. Mas sabia que tinha algo errado. Quando ela me chama pelo nome é porque está com raiva. Quando está feliz, me chama de amore.

– Tudo bem. Ana, minha mãe quer falar com você.

– O que ela quer? - perguntou.

– Não sei. - passei meu celular pra ela, com relutância.

– Olá, Ana! Como vai? Espero que tenham colocado a vida de vocês em dia. Elisa ficará um tempinho sem te ligar, OK? Beijos, querida, mande um beijo pra seus pais. – Instantes depois só vi meu celular voar janela à fora.

– Por que fez isso? Ficou maluca? Você jogou meu celular pela janela!

– Não se preocupe. Compramos outro depois. Mas tenha certeza de que vai demorar um pouco.

- Qual é o seu problema, hein? Será que precisa de toda atenção para si?

- Elisa, espero que não tenha esquecido com quem está falando. Não sou Ana, e não tenho problemas com suas crises de identidade.

- Disso eu tenho certeza.– me joguei no banco e voltei a ouvir minha música . – Posso usar o ipod ou você vai jogá-lo pela janela também?

– O ipod pode usar. Ele te acalma. Parece até que você morre. A paz reina. E no momento eu preciso de paz.

Dormi o resto do caminho. Gosto de dormir quando estou preocupada ou nervosa. Todos os meus problemas somem. Acordei com a porta do motorista batendo e minha mãe saindo do carro.

Estávamos em frente a uma casa enorme. Parecia um mini castelo. Havia uma fonte em frente a casa e flores ao redor. A casa era azul claro, da mesma cor que a minha blusa. As janelas eram enormes e os quartos tinham meio que uma varandinha, como a dos castelos antigos. A decoração era divina. Pelo pouco que pude ver do lado de fora, deduzi que pelo menos não iria morrer completamente de tédio naquela lugar, era perfeito pra mim. Era perfeito para ficar longe de tudo e de todos.

Bom, pelo menos já sabia que não teria problemas pra conseguir outro celular. Saí do carro e minha mãe já estava se agarrando com seu novo marido, enquanto os homens da mudança tiravam nossas coisas do caminhão.

– Boa noite, Elisa. - disse Tom.

– Oi. - Não estava a fim de falar, apesar de ter me encantado com a casa.

A porta da entrada estava aberta, ao passar por ela o fio do fone saiu dos meus ouvidos e começou a enrolar em minhas pernas. Tentei soltar, mas assim que puxei o fio, comecei a cair em câmera lenta. Antes que pudesse chegar ao chão senti alguém me envolvendo pela cintura e impedindo minha queda. Olhava fixamente para o chão em estado de choque. Meu salvador estava ao meu lado ainda me segurando.

– Precisa tomar mais cuidado, Elisa. - uma voz sedutora falou, fazendo com que eu me desmanchasse em seus braços.

Ele me colocou de pé e pude ver seu rosto. Ele era tão... lindo. Tão encantador. Pensei que tivesse batido com a cabeça forte demais e tinha ido parar no paraíso. Parecia um anjo. Seus olhos penetrantes me olhavam de cima a baixo analisando cada parte do meu corpo, certificando-se de que eu estava bem. Não tinha reação, não conseguia parar de olhar e não conseguia pensar que parecia uma doente mental daquela forma, olhando diretamente pra ele. Ao concluir que eu estava bem, ele deu um sorriso de leve, mostrando alívio por não ter acontecido nada.

– Elisa, você está bem? – Tom perguntou preocupado, despertando-me do meu transe.

– Sim, estou. Acho que isso foi um castigo pelo meu mau comportamento. – brinquei, ainda olhando para aquele cara incrível a minha frente.

– Não se preocupe com isso. A viajem deve ter sido estressante.

– Você nem imagina o quanto. - disse me lembrando do meu celular.

– É isso que dá. Não fala com as pessoas aí acaba sendo castigada. Devia ter caído. - minha mãe falava.

– Obrigada pela preocupação. Eu sei que você se importa com o meu bem estar como a mãe amorosa e responsável que você é. - sarcasticamente falando é claro. Olhava diretamente em seus olhos ao dizer.

Podia falar sobre Daniel tomar conta do pai, mas a mesma coisa acontecia comigo e com minha mãe. Eu era a velha chata e ela a adolescente que queria curtir a vida e ser feliz.

– Disponha, querida. – ela era ridícula às vezes. Chegava a me irritar. O que reforçava a minha tese de papéis trocados.

Senti alguém chegando perto de mim por trás e segurando minha mão.

– Ignore-a. Isso deve ser crise de meia idade. - quase tive um troço no meio do salão de recepção. Aquele anjo falava ao pé do meu ouvido. Mas afinal, quem era ele pra falar que minha mãe estava tendo uma crise de meia idade, ou que eu deveria ignorá-la?

– Ignorá-la? Faço isso todos os dias. Sem que ela perceba, claro. – sussurrei. Por que eu disse aquilo? Eu nunca tentava ser agradável com as pessoas. - Só uma pergunta. Quem é você?

– Ah, me perdoe, Daniel. Esqueci de apresentá-los. Elisa, esse é o seu irmão, Daniel. – minha mãe disse.

Esse anjo era o meu irmão? A coisa mais bela da face da Terra era meu irmão? Não podia ser. Não conseguia acreditar. Fui tomada por uma tristeza e aflição tão grande que a melhor coisa que podia acontecer naquele momento era cair morta naquele lugar. E isso só me fez voltar ao estado deprimente de antes. Ou melhor, ficar pior do que antes.

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