Jane presenciou muitos jantares na casa do sr. Bentley nos seis meses que se seguiram ao pedido de noivado de Georgie, bem como o rapaz que ela conheceu na outra noite, mas, por mera coincidência, ela nunca estava lá quando ele estava e vice-versa.
Felizmente, isso não fez muita falta à Jane. Ela até o procurou algumas vezes, mas encontrar um homem com quem podia discordar não era grande desafio para ela, afinal – ainda que a discussão raramente fosse tão interessante quanto a que tivera com o sr. Hawkins. – De vez em quando, ela encontrava alguém que a distraísse e, em um dia em particular, ficou entretida o suficiente para não escutar o que o sr. Bentley dizia a um homem baixinho próximo a ela.
– Metade de seus funcionários? – perguntou o sr. Bentley estupefato. – Em apenas cinco meses?
– Sim! – confirmou o homem enquanto mexia no bigode. – Desde que essa porcaria de guerra começou, todos esses jovenzinhos estúpidos decidiram que não podem esperar para morrer pelo seu país... A maioria nem sequer foi convocada!
O sr. Bentley tomou um pequeno gole do seu vinho.
– E há apenas dois meses desde que a Guerra foi declarada... A única coisa pela qual morrerão é a loucura do rei!
O homem arregalou os olhos e acenou teatralmente em concordância.
– Sinto muito por isso, sr. Harvey! – lamentou o sr. Bentley genuinamente. – Eu gostaria de poder ajudá-lo, mas já tenho muito a fazer. Estas reuniões estão ficando mais populares e, apesar de a contribuição financeira ter aumentado junto com o número de convidados, há novos problemas com os quais devo preocupar-me...
O sr. Harvey assentiu e assegurou-o de que sabia o quão ocupado ele era.
– Mas eu creio que podes me ajudar de outra maneira... – disse o baixinho Harvey. – Tu conheces tanta gente, talvez consigas pensar em alguém que precise de emprego ou que gostaria de fazer isso como um passatempo.
O sr. Bentley desviou o olhar e pensou sobre o assunto.
– Bem, minha filha Eleanor adora ler, tenho certeza de que ela não se importaria de fazer sugestões e dar dicas de gramática em troca de um salário.
– Ah, graças a Deus! – respondeu sr. Harvey. – Uma pessoa já é de grande ajuda...
– Sei de outra pessoa que pode servir também – continuou Bentley. – Uma garota adorável chamada Jane. Conheço-a desde pequena! É fascinada por livros e está aqui hoje, mas não creio que o pai dela concordaria já que ele pode ser um tanto conservador às vezes...
O sr. Harvey juntou as sobrancelhas e indagou sobre a quem ele se referia.
O sr. Bentley respondeu cauteloso:
– Lord Hartford.
Harvey curvou os lábios em desaprovação e bufou discretamente.
– Sinceramente, pergunto-me como alguns podem considerá-lo um progressista... Bem, eu estou desesperado, vale a pena tentar.
O sr. Bentley apontou Jane a ele e não foi necessário muito tempo para Thomas Harvey convencê-la a trabalhar para ele como revisora de livros, mas, de fato, não seria tão simples assim convencer o pai dela a permitir isso.
Jane ensaiou suas palavras no caminho de volta para casa naquela noite e usou de toda sua eloquência para fazer o pedido.
– Eu não entendo – disse Lord Hartford assim que ouviu a notícia. – Apesar de Charles ser o herdeiro da maior parte de meu patrimônio, tu ainda estarás em uma posição confortável; especialmente depois que encontrares um marido adequado. Por que queres trabalhar?
– Papai, – disse Jane com doçura –, a questão não é o dinheiro. Trata-se de fazer algo que amo!
Ele franziu a testa.
– Mas eu comprei-te tantos livros... Achas que nossa biblioteca não é grande o suficiente?
Jane suspirou e sorriu para ele.
– De modo algum, papai, é maravilhosa! – ela garantiu. – Mas, como uma revisora de livros, poderei lê-los antes mesmo de serem publicados e participar do processo. Esta é uma experiência completamente diferente e emocionante.
Lord Hartford massageou as têmporas.
– Eu não entendo como uma Lady tão refinada como tu desejaria trabalhar...
Jane tentou não aparentar estar ofendida e respondeu da maneira mais natural que podia:
– Cavalheiros desejam trabalhar para contribuir com a sociedade, com a história. Por que uma Lady de traços refinados não pode desejar o mesmo para si? Tudo que peço é que o senhor permita que eu faça algo significante, ainda que minha contribuição seja pequena e eu não leve o crédito por ela.
Ele franziu a testa mais uma vez, então encarou a esposa, que havia ficado sabiamente silenciosa durante a conversa, tentando descobrir quão confortável com a ideia ele estava.
– O que achas disso? – ele indagou.
Lady Hartford pendeu a cabeça para o lado, mas não desviou o olhar ao responder:
– Jane é bastante sensata, então confio em seu julgamento. Ela diz que esta pode ser uma atividade anônima e eu acredito que, se houvesse um risco real para sua reputação, ela não insistiria nessa ideia.
Ele inclinou o corpo para frente ao considerar sua fala.
– Minha querida, – ele sussurrou para sua senhora –, estou preocupado com a reputação dela, mas principalmente com suas expectativas em relação ao casamento. A reputação de Jane está razoavelmente a salvo, pois ela tem uma maneira feminina que suaviza sua erudição, mas ultimamente muitos médicos têm informado que o excesso de estudo pode ter um efeito prejudicial nos ovários e tornar jovens graciosas em seres pouco atraentes.
Lady Hartford estreitou o olhar, abismada com o absurdo que acabara de ouvir.
– Diz-me, meu amor, – ela disse –, considerar-me-ias mais atraente se, quando nos conhecemos, eu tivesse soado um pouco mais estúpida?
– Absolutamente não! – respondeu ele. – Tua inteligência é uma de tuas características que mais admiro.
Ela sorriu gentilmente.
– Então, – ela concluiu –, não vejo razão para que um cavalheiro como tu não se apaixone por nossa brilhante filha.
Lord Hartford encarou à esposa, então encarou à Jane, então de volta à esposa. Finalmente, suspirou convencido.
– Talvez não seja uma ideia tão ruim – disse e Jane imediatamente sorriu. – Mas eu ainda preciso conversar com este sr. Harvey. A discrição precisa ser uma absoluta prioridade... Isto pode ter um efeito negativo em minha carreira e é, afinal, o que sustenta o status desta família.
Jane agradeceu a ele e saltitou em comemoração.
Lord Hartford pensou em repreender seu comportamento, mas, no segundo em que prestou atenção em sua expressão, mudou de ideia. Vê-la feliz daquela maneira aqueceu seu coração.
Havia precisamente dois anos desde que a Guerra fora declarada. O país estava como um caldeirão fervente prestes a desmoronar e Jane Hartford, agora com 19 anos, passara todo este tempo trabalhando entre pessoas que não tinham vergonha alguma de condenar o rei e reclamar dos impostos, da fome e da falta de um propósito real por trás daquela Guerra. Protestos explodiam por todo o país, centenas de livros eram publicados e, todos os dias, um homem famoso e irritado mandava outro homem famoso e irritado calar a boca pelos jornais. Todos estavam resistindo e dizendo algo sobre a situação, então Jane decidiu que já estava mais do que na hora de fazer o mesmo. Já que ela sempre pensara que suas palavras soavam melhor escritas do que faladas, ela estava convencida de que escrever um livro era a maneira mais esperta de fazer isto – sem contar, é claro, que seu pai teria um ataque cardíaco se ela começasse a discursar em banquetes, ou pior, protestos de rua. Tal ideia deveria
–Estou infeliz com a situação dela, minha senhora–disse Lord Hartford.–Eu penso, sim, que Lockhart é um covarde por tratar nossa amável filha assim, mas... –Mas o quê?–sua esposa interrompeu com olhos flamejantes.–Não acabamos de ouvir a mesma conversa? Jane disse que tua filha mais velha está tão descontente que mal consegue fingir um sorriso ou se concentrar em qualquer coisa por muito tempo. Ele a observou, atônito. A respiração dela estava pesada; os olhos estavam vermelhos e arregalados; seus pés tocavam no chão tão ruidosamente quanto podiam quando ela dava voltas no cômodo. Ele nunca a vira tão alterada. –És o pai dela!–Lady Hartford continuou.–O mínimo que deverias fazer é ficar ao lado dela. –Georgiana, meu amor,–ele andou em sua direção e pôs uma mão em suas costas–, eu sempre estou ao lado dela. Eu jamais disse que ele está cert
"Onovogoverno é, em conclusão, apenas uma nova forma de deixar as coisasantigas," Edmund leu em voz alta para seus amigos da turma de direito. Ele suspirou. –Eu disse que esse tal de Hartford era bom!–disse um rapaz magricela sentado ao lado dele. –Peter,–respondeu Edmund–, estás sendo injusto em classificá-lo como bom. O homem é um gênio! Estou até pensando em citá-lo na minha próxima redação... Peter rapidamente arrancou o jornal de suas mãos. –Não te atrevas! Nem sequer terias ouvido falar dele se não fosse por mim. As frases eloquentes dele vão garantir asminhasboas notas. Edmund deu de ombros. –Não é como se eu precisasse mesmo... Os rapazes reviraram os olhos e o pequeno Peter tentou dar um soco no braço de Edmund, o que só causou uma risada de todo o grupo. –Juro por Deus, Hawkins,–&n
Havia apenas uma coisa sobre a qual as pessoas falaram por semanas: um terrível artigo no Jornal do Amanhã com histórias escandalosas sobre mulheres sendo maltratadas das maneiras mais angustiantes pelos seus maridos e um ataque direto à posição de consentimento do governo. Algumas pessoas argumentavam que as histórias não eram reais, mas simplesmente o resultado da mente degenerada de um homem velho chamado Jude Hartford e isto fazia sentido porque outros afirmavam que conheciam o autor em pessoa e que ele era um senil que nunca tivera controle sobre a esposa e, portanto, escrevia aquelas loucuras para se sentir bem consigo mesmo. Embora as histórias fossem anônimas, o que sugeria que eram, de fato, inventadas, algumas pessoas começaram a encontrar traços semelhantes às vidas dos vizinhos e os rumores se espalharam o suficiente para que não tivessem mais tanta certeza de que haviam sido inventadas afinal. O impacto que o artigo de Jude teve foi tão grande qu
Thomas Harvey era o tipo de homem que tinha um bom faro para os negócios e ele acreditava de verdade no sucesso de Jude Hartford, mas nem ele poderia ter previsto o quão bem-sucedidas as vendas seriam. Peter conseguiu comprar uma cópia de "Onde Acaba a Liberdade e Começa a Lei" antes que elas esgotassem e compartilhou-a com Ed e o resto do grupo assim que acabou de ler. Até um professor deles foi visto levando uma cópia na mão pelo campus. O livro se tornou tão popular que alguns revolucionários começaram a mencioná-lo em seus discursos e o coração de Jane derretia todas as vezes que ela os ouvia na casa do sr. Bentley. Ela dava seu melhor para não levantar suspeitas, especialmente porque o governo estava investigando muitos colunistas que discordavam de suas decisões, mas ela não podia evitar olhar de relance para Ge agora que ela estava acompanhando-a aos jantares. Havia sempre esse íntimo segundo entre as duas em que elas aproveitavam a ideia de que ambas sabiam a
Lord Hartford parou de ler seu jornal apenas para olhar Georgie comendo seu café-da-manhã calmamente, então voltou para sua leitura. Gostasse ou não, ela era uma mulher casada e isso significava que, diferentemente dele, de Jane e de Charles, ela podia tomar o café na cama; mas ela nãoqueriase comportar como uma mulher casada e, embora ele não dissesse nada a respeito, isso o incomodava mais do que qualquer um podia imaginar. –Para com isso!–reclamou Jane empurrando as mãos de Charles para longe de seu prato. O menino estivera roubando a comida dela a manhã inteira. Ela fitou John e perguntou: –Papai, vais dizer algo? Ele permaneceu focado no jornal, mas respondeu em um tom ensaiado: –Charles, para de chutar tua irmã. O garoto sorriu maliciosamente. Estava tão convencido da falta de atenção do pai que nem se deu o trabalho de dizer a ele que não chutara a irmã sequer uma vez na
–Adivinha!–falou Peter. Edmund, tranquilamente sentado na grama, desviou os olhos do livro e franziu o cenho para observar o amigo bloqueando a luz do sol. –Finalmentetomaste coragem e pediste a srta. Bentley em casamento! Peter bufou. –Para de me pressionar, sabes que quero ter certeza de seus sentimentos antes de pedir... –Ainda? O que mais ela pode fazer? Escrever "Eu amo Peter Langley" na testa? Peter revirou os olhos. –Chega, não? –Diz logo o que é tão importante a ponto de interromper minha leitura. Peter observou-o pôr o livro de lado e então falou: –Já leste os jornais hoje? Edmund respondeu que não e Peter começou a ler o jornal que levara consigo: –Jude Hartford, o autor que, ultimamente, desrespeitou todos os valores morais possíveis e a própria instituição sagrada da família,–ele parou para revirar o
Jane adentrou a sala como um animalzinho inocente e assustado. Havia cerca de três semanas desde que ela se mudara com a irmã para a casa dos Bentley e ela não estivera no escritório do sr. Harvey sequer uma vez. De fato, ela evitara sair da casa durante todo aquele período e não lera nenhum jornal.Ela bem dissera ao pai, pouco antes de ir embora, que ela não iria se desculpar por quem era, mas a verdade era que, agora, este pensamento só lhe trazia vergonha. A mera ideia de sair e enfrentar a todos era completamente perturbadora e ela achou melhor pedir à Ge e Eleanor que não mencionassem o nome "Jude" por um tempo.Jude era corajosa, destemida na busca por seus sonhos apesar de todas as desvantagens, e Jane não se sentia nem um pouco como Jude agora.Enquanto ela não se julgasse digna de carregar o nome Jude Hartford junto de sua verdadeira identidade, não queria ouvir o