CAPÍTULO 4: JOANA DE NAVARRA
Queria ver aquela donzela de olhos azuis irradiantes de novo. Queria vê-la de perto. Desde que a vi, minha alma ficou tão petrificada, que eu sentia um delicado desejo que eu alimentava de querer conhecê-la. Mesmo que eu a tenha visto de longe, sua beleza parecia sem igual. Ainda lembro do seu olhar meigo, olhando para o horizonte. Havia um semblante que me gerava tanta curiosidade, que eu me sentia atraído só no meu primeiro olhar. Eu imaginava o seu perfume e desde então, sua imagem aparecia em meus sonhos.
Eu sentia que queria tocá-la, sentir o seu beijo doce, de mel, mas eu temia que ela pudesse escapar de mim. Eu a via em minhas fantasias com aqueles olhos de cristal da cor dos céus olhando em minha direção: era quase como se ela esperasse por um sinal, que eu fosse conhecê-la, que eu a agradasse com minha amizade sincera.
Minhas manhãs já pareciam mais coloridas ao lembrar daquela jovem. Não eram mais como aqueles jardins abandonados, sem vida, nem cor, sem cheiro.... Eu tocava uma maçã para sentir o néctar da fruta, o gosto já voltava a ser doce de novo e imaginava as suas bochechas rosadas. Torcia para reencontrá-la, se fosse a sorte merecida em meu destino. Ficava imaginando como seria o som de voz: se seria pueril e delicado, quase como um toque de pétala de flor. Queria saber qual era o seu jeito de ser, se era tão quieta como a imensidão de um mar calmo, ou se era alegre extrovertido como o canto das cotovias.... Será que ela cantaria para mim algum dia?
Ordenei que meus servos e conselheiros a procurassem lhes perguntando: “quem era aquela jovem de belos olhos azuis e pele branca, de cabelos loiros que andava com um lenço negro que a cobria dos pés à cabeça e estava presente na cerimônia de enterro de meu pai? ”. Pedi ao reino todo que encontrasse uma resposta, mas ninguém ao certo conseguia dizer quem poderia ser. Até porque o reino era grande...
Foi então que um trovador muito esperto, criativo e famoso, Bernard de Ventadour me sugeriu que fossem espalhados cartazes pelas ruas do reino com uma poesia dedicada a ela, que pudesse tocar o seu coração, buscando encontrar a donzela.
Eu não era tão bom com poemas, tinha tanto receio de ser rejeitado, medo de passar vergonha em sua presença, que encorajado por uma força inexplicável, decidi dedicar-me a escrever algumas palavras que pudessem conquistá-la e trazê-la para perto. Bernard me encorajou a escrever com a maior profundidade que alguém poderia ter, afinal, tratava-se de uma dama muito bela. Peguei um pergaminho e escrevi com a minha pena, com aquela tinta negra que me deixava fluir em as palavras mais inspiradas:
Estes versos eu dedico a uma senhorita misteriosa:
Oh, quem és tu dama dos olhos azuis e cabelos loiros
Branca como a neve,
Que vi envolta por um lenço negro que lhe cobria todo o corpo
Naquele momento de dor e tristeza, a cerimônia de enterro de meu pai, Felipe III,
No dia cinco de outubro de 1284?
Tu estavas lá, donzela, no meio daquela multidão próxima à Catedral de Saint-Denis...
Te vi de longe
E quando fui em tua direção, desapareceste.
Só quero que saibas de uma coisa:
Desde que te vi, tua imagem aparece em meus sonhos,
Sou grato pela tua beleza.
Por favor, venha ao meu encontro,
Deixe-me conhecer a tua grandeza!
Sinceramente, Felipe IV, o Belo. Seis de outubro de 1284, França.
***
Aquela manhã estava calma, os pássaros chilreavam nas árvores fazendo ninhos nos galhos daquele vale. Na frente portão de entrada de ferro ornamentado com esculturas de metal, dava-se para ter a visão de uma belíssima fonte: dela corria uma água limpa e cristalina, fazia um barulhinho suave ao cair. A relva cobria o lugar de um verde bem intenso, quase que deixava as pessoas se perderem um pouco lá dentro. O cheiro era tão agradável de natureza, o ar puro tomava conta do local. Felipe IV tinha uma intuição de que algo bom iria acontecer. Pressentia que iria encontrar o que procurava e tinha paciência com isso.
Ele passeava pelo vale entremeado de plantas e flores silvestres, sentia a luz do sol suave tocando a sua pele. O horizonte do céu estava limpo. Ele avistava algumas borboletas azuis voando entre o pomar. Viu uma cotovia se alimentando de sementes no chão, e lobos-do-mato correndo atrás de lebres. Muitas árvores eram frutíferas, dava-se para colher até amoras. O sujeito parecia estar sozinho lá dentro, até que de repente, seu coração começa a bater mais forte quando vê a formosura de uma mulher envolta em um lenço longo de seda branco idêntica ao de seus sonhos sentada próxima da fonte. Quando a viu, ficou hipnotizado, que mal conseguia falar, de tão envergonhado, então balbuciou:
- Oh-oh, não! É-é você! – espantou-se ao reconhecer a moça.
- Bom dia, meu senhor! A que devo a honra? – Perguntou a donzela, de uma maneira que deixou Felipe IV ainda mais encantado. – Oh, me desculpe Vossa Majestade! – ela se curva em posição de reverência ao monarca. – Não havia percebido que era o senhor, Vossa Majestade! Queira me desculpar!
- Por favor, não se preocupe, donzela. – ficou espantado com a sua humildade e respeito.
- Ah, menos mal! Não gostaria de causar-lhe aborrecimentos, alteza. – disse ela com olhar tímido, olhando para baixo.
- Então! Mal posso acreditar que a encontrei aqui! Por acaso viu os meus cartazes espalhados pela cidade? Eu estava lhe procurando...
- Ah sim, eu vi um deles... – soltou uma risadinha quase sem graça.
- Enfim, e.... Não tens nada a dizer? – dizia ele com as mãos suando frio, já ansioso em querer conhecê-la melhor.
- Bem... Temos que ter cuidado com os ghouls. Esses horrendos canibais são capazes de escrever poemas bonitos para tentar agradar donzelas ingênuas, mas suas intenções são bem cruéis...
- Oh, bem... – fica espantado. – Sim, me desculpe, eu a entendo sim, sim... Mas... não vai me dizer que acredita nessas lendas de verdade? Eu não sou nenhum canibal, não lhe faria nenhum mal, por favor, não tenha medo.... Eu a vi aquele dia na cerimônia de enterro do meu pai, e desde então ficaste na minha memória...
Ela ri um pouco da situação, tocando em seu cabelo, sem graça e diz:
- Não que eu desprezasse o momento, bem pelo contrário, me sensibilizei com o ocorrido e parei para olhar um pouco a cerimônia. Eu as vezes procuro pelas banshees em meio a esses momentos, gostaria de ouvi-las...
- O que são banshees?
- Elas são mulheres que cantam para os mortos.... Quando uma alma se vai para o vale da sombra da morte, elas ficam anunciam a sua partida... Muitas delas se parecem como fadas belas, enquanto outros dizem que elas tem corpos amedrontadores, envelhecidos, possuem olhos na cor carmesim...
- Não... Você já viu alguma?
- Isso é uma coisa que prefiro deixar em segredo... Nunca ouviu falar delas nos folclores celtas?
- Nunca... Eu sabia que eras misteriosa....
- Elas aguardam o fio da meada da vida ser cortado e quando morre uma grande figura, várias delas se unem para formar um coral...
- Então não chegou a ouvir alguma quando meu pai faleceu?
- Bem, poderia ser uma loucura para muitos se eu realmente dissesse que as estava procurando naquele momento... Elas cantam quando alguém é morto numa batalha distante...
- Nossa, você gosta muito de folclores, cara dama! Que bom ter tido a sua presença neste momento tão triste em minha vida! Ficaria honrado de conhecê-la melhor, prometo não desapontá-la...
- Tudo bem, obrigada...
- Posso saber quem é você?
- Me chamo Joana de Navarra, muito prazer... Sou do condado de Champagne...
- Oh, meu Deus! – Felipe fica surpreso. - Majestade! Me perdoe! Eu não sabia que era a rainha do reino de Navarra, não a reconheci por trás deste véu... E ainda está sem a sua coroa...
- Bem, é que para passear eu acabo preferindo retirá-la da cabeça por ser muito pesada e prefiro soltar um pouco os cabelos para não ficar sendo tão reconhecida pelo vilarejo. A fama me cansa, sabe...
- Entendo. Acho que temos muito em comum... Gostaria de convidá-la para ver as artes dos malabaristas um dia...
CAPÍTULO 5: O CASAMENTO Era o final do ano de 1284. Joana de Navarra havia recebido a declaração de amor de Felipe IV. Eles pretendiam se casar com todo o requinte e aparatos possíveis, afinal ela era herdeira do trono de Navarra e ele estaria no trono no ano seguinte. A igreja escolhida foi a de Saint-Denis para a cerimônia de casamento. Joana de Navarra vestia um vestido branco de casamento, símbolo de castidade. Suas mangas longas quase se arrastavam pelo chão. Usava sua coroa de ouro e pedras preciosas, joias em torno do pescoço e um véu escuro transparente de seda pura, além de um cinturão decorado com ornamentos em forma de flores de pérolas. Os músicos se amontoavam tocando belas melodias para o grande momento, enquanto havia um burburinho do povo que queria assistir curioso ao evento. A igreja estava repleta de decorações riquíssimas exalando o cheiro suave das jasmins brancas. Felipe, o Belo, vestia-se
CAPÍTULO 6: A HERDEIRA As folhas alaranjadas secas caíam das árvores com o sussurrar tímido do vento. O céu diante do Castelo de Fontainebleau estava levemente cinzento, as nuvens pareciam mais próximas do lugar, deixavam o ar de conto de fadas daquele lugar mais sombrio, parecia que algo se escondia por detrás das árvores. Alguns rumores diziam já terem enxergado até vultos saindo da casa nobre. Não era de se impressionar que mais um dia daqueles levaria a corte ao seu auge, talvez, como alguns desejavam. O salão nobre aguardava pela presença dos seus reis. Joana Navarra sobe ao trono junto à Felipe, o Belo. Herda o trono de Navarra e o condado de Champagne. Naquele dia um sol suave irradiava pelas vidraças de cristal do Palácio dos novos reis da França. Uma pintura do casal é colocada nas paredes de seu suntuoso quarto, naquelas divisórias decoradas com esculturas de musas que pareciam tão reais que quase as co
CAPÍTULO 7: TEMPOS DE GUERRA Naquele dia, diante do castelo de Fontainebleau, se reúnem os principais servos da corte e seus cavaleiros para ouvir o discurso de Felipe IV. No céu cantavam apenas duas andorinhas. Parecia que estava tão nublado, que o dia se derramaria em chuvas. O vento soprava um pouco gélido e alguns servos mais pobres até se encolhiam de frio. Outros vinham de longe para ouvir o que o rei tinha a dizer, mas só por curiosidade. Uma pequena serração escondia os corpos do povo mais longínquos da sua entrada. A imagem de Felipe era muito respeitada. Ele se vestia com todo o luxo possível. Usava um medalhão no pescoço herdado do seu pai. Muitos não sabiam que ele tinha pertencido aos árabes muçulmanos e que havia boatos que ele poderia trazer confusão ao reino: mais precisamente tinha ligação com o acordar de bestas que até então povoavam o imaginário das mentes daquela multidão. Ele usava a joia
CAPÍTULO 8: LUTA SEM TRÉGUA Felipe acorda no túnel escuro, a lamparina havia apagado. Ele precisava sair dali para não ser descoberto por ninguém. Parece que tinha tido um sonho. Não conseguia se lembrar muito bem do que havia ocorrido. Só pensou que tinha visitado um lugar desconhecido e ao mesmo tempo, familiar. Mas algo ele pressentia: que qualquer coisa inexplicável havia acontecido. O que iriam dizer se eu lhes contasse a verdade? - pensou. Seria cruel se a Igreja lhe apontasse como herege ou algo do tipo. Seria fatal revelar a sua vivência para os demais. Ele tinha que esconder de tudo debaixo de sete chaves e de todos o que havia descoberto. Viu que precisava voltar a abrir a porta falsa do cômodo para sair dali e deixar o porão secreto sempre trancado para que ninguém movido por uma curiosidade atordoante, visitasse aquele lugar, que poderia ter belos tesouros. Sabia que constantemente, voltaria ao lug
CAPÍTULO 9: A REBELIÃO Não demora muito e diante da crise, a população fica descontente com o reinado de Felipe. Os impostos estavam muito altos. Havia fome e miséria pelas consequências da guerra. O povo age com sua rebelião e um camponês se levanta no meio da multidão: – O trabalho de nossas mãos nutrem os perversos e os preguiçosos! Os poderosos tiram proveito de nossas árduas conquistas e só nos deixam passar necessidade! Impostores! – ao seu redor estavam muitos outros observando a tudo, se unindo para um protesto na frente do Castelo Fontainebleau. Ouviam-se gritos de insatisfação contra Felipe e seus súditos. Os cavaleiros e escudeiros do rei se posicionam na frente da grande porta do castelo, impedindo a passagem dos revoltosos, que ameaçam atirar pedras naqueles soldados e incendiar objetos. Alguns dos trovadores fazem uma cantiga de maldizer ao rei: – Ah, você, seu rei danado! No inferno será condenado! Se aqu
CAPÍTULO 10: O HISTORIADORDepois que a situação de rebelião passou, Felipe IV é apresentado a um historiador e dramaturgo chamado Michelet. Este sujeito o aconselha a tomar uma decisão melhor para lidar com os problemas políticos.– Vossa Majestade! Com todo o respeito! Mas eu só trago boas novas em meio à tanta obscuridade... – disse o dramaturgo se curvando à imagem do soberano.– É mesmo, meu caro Michelet?– Isso mesmo, ó grande rei! Ao reunir alguns arquivos da minha existência, viajando por toda a França, me deparei com algo que deixaria qualquer um de queixo caído e de boca aberta! O teatro tem sido tão desvalorizado por muitos, que a vida e a morte nem mais fazem mais tanto sentido para mim... E pense bem, olhe para essas almas se vivem ou apenas existem? Mal s
CAPÍTULO 11: O FESTIM Era um grande feriado após o Natal. Uma multidão se reúne na frente da Catedral de Notre-Dame de Paris, toda enfeitada de guirlandas de flores e faixas coloridas, repleta de velas acesas para uma comemoração. Estavam presentes todas as classes do reino, junto com o rei e seus conselheiros. Mendigos vinham de longe espiar para ver se não conseguiriam algumas sobras do banquete. Os eclesiásticos vestiam seus trajes vermelhos. – Respeitáveis senhores que me dão ouvidos, é com alegria que neste dia faremos uma homenagem ao jumentinho que carregou Jesus na sua entrada em Jerusalém! Vamos celebrar! Sejam bem-vindos à festa dos bobos! – diz o padre. Havia um coro cantando em júbilo cantos gregorianos para a encenação teatral. Apareceu um jumento carregando um sujeito representando Jesus. – Eis que Deus derruba os poderosos de seus tronos para coroar os humildes de coração! – disse u
CAPÍTULO 12: O TEMPLO A guerra havia dizimado muitos, fez derramar sangue inocente. Foi cruel a ponto de devastar cidades e deixá-las na miséria. Uma das catedrais francesas havia sido alvo de conflitos. Ela tinha sido incendiada como uma forma de repúdio dos inimigos. Só sobraram suas ruínas. Suas pedras destruídas indicavam que aquele templo havia sido um palco de massacre. As cores do local antes intensas e vibrantes agora estavam pálidas e cinzentas. O grande vitral, fruto de tanto esforço, sensibilidade e imaginação estava em pedaços. Em seu belo desenho cheio de imagens religiosas havia uma enorme ruptura que deixaria cicatrizes profundas na memória do povo. Aquele ambiente destruído afetaria o bem-estar mental de muitos. Um símbolo fora perdido no tempo, só restaria sua imagem fantasmagórica. Suas canções seriam lembradas caso os monges conseguissem recuperar os livros de hinos. Até algumas estátuas ainda estavam de pé. Algumas cruzes estavam ainda ali do lado de fora