CAPÍTULO 5: O CASAMENTO
Era o final do ano de 1284. Joana de Navarra havia recebido a declaração de amor de Felipe IV. Eles pretendiam se casar com todo o requinte e aparatos possíveis, afinal ela era herdeira do trono de Navarra e ele estaria no trono no ano seguinte.
A igreja escolhida foi a de Saint-Denis para a cerimônia de casamento. Joana de Navarra vestia um vestido branco de casamento, símbolo de castidade. Suas mangas longas quase se arrastavam pelo chão. Usava sua coroa de ouro e pedras preciosas, joias em torno do pescoço e um véu escuro transparente de seda pura, além de um cinturão decorado com ornamentos em forma de flores de pérolas. Os músicos se amontoavam tocando belas melodias para o grande momento, enquanto havia um burburinho do povo que queria assistir curioso ao evento. A igreja estava repleta de decorações riquíssimas exalando o cheiro suave das jasmins brancas.
Felipe, o Belo, vestia-se com um traje elegante de veludo nas cores azul celeste e vermelho com mangas longas, parecia até um cavaleiro com um grande medalhão de ouro no pescoço. Ele tinha apenas dezesseis anos de idade.
Ocorria então o juramento. Ambos davam as mãos um ao outro e o padre estava com vestes douradas, via a união matrimonial de uma maneira egocêntrica até, ambos estavam no poder e compartilhavam dos mesmos interesses. Os cavalos enfeitados os aguardavam do lado de fora da catedral. O cavalo da dama possuía até laços nas crinas e enfeites avermelhados, enquanto o de Felipe, azulados.
Após o juramento, os tambores ribombavam para anunciar a grande festa de casamento, as crianças se encantavam com as artes dos malabaristas que pareciam dançar a música orquestral. Jograis davam piruetas e cuspiam fogo pela boca, contavam piadas animadas, faziam o povo gargalhar.
- E olha, olha vejam só! Será que o noivo ficaria de cabelo em pé se descobrisse que na fonte do vale encantado existe um jacaré? – dizia o jogral e muitos riram daquela comédia.
- Se eu fosse essa rapariga, andaria pelos bosques me fazendo de perdida, cavalgando pelos riachos e ouvindo os sons das aves, para ver se encontrei mesmo o meu amor para sempre meu querido, só para ver se esse sujeito realmente viria ao meu encontro... – disse o jogral de roupa colorida, metade vermelha, metade amarela e com o rosto pintado e chapéu de pontinhas com bolinhas metálicas.
- Ei! Não deixe o noivo furioso! Ele tem ciúmes dos elfos! A nossa dama gosta de flautas muito bem tocadas, caso ao contrário ela troca de marido! Há-há! – diz o bufão tentando cutucar o humor de Felipe.
- Ouvi falar que o vale já recebeu muitos amantes, uns até que se deram bem na vida, se aguentam até hoje! Cruz credo, não falo mais nada! – os convidados riem com a piada do bobo.
Os convidados pedem um discurso aos noivos, batendo palmas:
- Discurso! Discurso!
- Todos estão esperando pelo discurso! Mas mais ainda estão esperando para encherem as panças também! – disse o jogral fazendo anedota. - Semana passada, cantei com alguns comparsas da minha banda. Não saberia dizer se eles estavam procurando a mesma música que eu para exaltá-los um pouco. Eu queria só cantar, mas um deles saiu da banda e nos deixou à mercê do destino! Ainda por cima, levei um chute no traseiro daquela donzela e fiquei tão chateado que eu queria beber todas nesta festa! – disse o sujeito já querendo atrapalhar o momento do discurso.
- Eu vim aqui só pela comida! Afinal essa é a melhor parte. Se o casamento não durar muito, pelo menos a gente aproveitou! – disse o outro bobo, rindo ainda com a maior cara de pau.
- E se são da corte, o banquete vai ser melhor ainda! – disse o outro jogral bancando o interesseiro, todo guloso, lambendo os beiços.
- Mas deixe eles agora darem a joça do discurso deles! Aff! Só para atrasar mais o banquete! – disse o bufão bufando já impaciente.
- Obrigada! Estamos aqui para comemorar a nossa festa de casamento! Ficamos felizes com a presença de todos neste dia tão especial para nós. Espero que estejam se divertindo com os nossos bobos-da-corte! – dizia Joana bem alegre.
- Eu digo que a sua presença é formidável! Agora é a hora da noiva jogar o seu buquê e festejarmos! – disse o noivo.
- E que ele não caia na minha cabeça! – disse o bufão.
A carruagem leva os noivos para à comemoração no palácio. Criados em seus trajes mais finos carregam os pratos e bebidas para lá e para cá na grande sala lotada, ao som dos musicistas da corte.
No grande salão do palácio real, havia os mais diferentes enfeites de florais e ramos de plantas simbolicamente festivas, além de faixas de seda ornamentadas artesanalmente. Pratos e bandejas prateados, junto com vasos de flores para espantar o odor do ar estavam na mesa para mais de trezentos convidados: os mais íntimos e próximos do casal. Uma enorme cabeça de javali, sopas de vegetais, todos os tipos de queijos em pedaços e esculturas de frutas em forma de animais e claro, os mais variados tipos saladas estavam em cima da mesa, prontos para a comilança. Como sobremesa havia tortas de frutas silvestres, ponchos e outros doces como marzipãs, pudim de ameixa, além do belo bolo enfeitado de casamento. Como bebidas, havia muitos licores, os preferidos da noiva, cerveja, hidromel e barris de vinho do mais velho do reino.
Na entrada do jardim do castelo, onde havia grandes portões de ferro onde cavaleiros ficavam à noite inteira fazendo vigília e um deles nem sempre permanecia atento, pois cochilava, apareceu uma fila enorme de maltrapilhos esperando pelas sobras da janta.
Com a fartura da comida e bebedice, se ouvia o alto vozerio se misturando com a fluidez da música. Logo na hora da dança, alguns entusiasmados e comovidos com as melodias, faziam pares e balançavam os esqueletos alegres, batiam os pés no chão com o ritmo musical, acompanhando as poesias das letras e também batiam palmas.
Ficaram até altas horas da madrugada até a bebida toda a acabar. E isso que levou uma eternidade. Os mais bebuns pegaram algumas garrafas de cerveja e levaram para casa após a festa terminar. Outros enchiam os bolsos de pequenos docinhos.
A questão mais curiosa é que ninguém ali era bailarino por profissão, mas na hora do festim cada um quis fazer o seu espetáculo. O rabequista tocou tanto a viola que chegou até a arrebentar a sua corda. Uns foram para o jardim do castelo e fizeram a algazarra. Estavam tão bêbados que entraram dentro da fonte e se banharam em suas águas acreditando que ela iria rejuvenescê-los. Outros diziam estar vendo até fadas verdes pelos arredores do castelo e insistiam em persegui-las. Ficavam tão zonzos, que um simples empurrãozinho de leve, os fariam “voar” para longe. Simplesmente aproveitaram que era tudo de graça para ficarem sem noção e se fartarem de boa comida. Até desafinado cantavam achando que eram agradáveis aos ouvidos do demais. Chegou a ser quase um fiasco.
Nem tudo é perfeito. Mas nem tudo foi um desastre. O casal se divertiu muito. Os bobos então, nem se fala. Cada um experimentou do bom prazer que a comida e a bebida oferecia, mas alguns exageraram com a gula: ficaram com dor de barriga e até mal passaram. Na hora daquela dança, alguns gostaram tanto de coreografar os novos passos que eram capazes até de chamarem os cachorros para dançarem junto abraçadinhos. Até que poderia sair uma bela expressão artística, ainda que não dominassem muito a arte de dançar, pelo menos se alegraram um pouco com o festejo e não chegaram a cair no meio do salão. Queriam inventar cada esquisitice, que eram capazes de lançarem até os seus próprios costumes.
Bem, o importante era ser feliz. Pelo menos essa foi a lição aprendida no episódio deste festim pelos convidados. Enfim, em toda a festa, sempre tem uns que não são convidados, mas querem marcar presença e conseguem penetrar o ambiente; e sempre tem um fofoqueiro que abre a bocão para falar da vida alheia. Isso com certeza não faltou na celebração. Esses queriam pedir autorização para que a vida do casal fosse revelada pelos mensageiros do povo. O casal só pensava: “Ô, gente mais sem nada para fazer! ”. Realmente, se está suscetível aos boatos o tempo inteiro. Isso só demonstra o quanto não é fácil ter fama e poder.
O importante é que tudo correu muito bem, o casal teve um de seus dias mais felizes de sua existência e ficaram satisfeitos com o que presenciaram. Este seria um marco e ficaria presente em suas memórias pelo resto de suas vidas.
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CAPÍTULO 6: A HERDEIRA As folhas alaranjadas secas caíam das árvores com o sussurrar tímido do vento. O céu diante do Castelo de Fontainebleau estava levemente cinzento, as nuvens pareciam mais próximas do lugar, deixavam o ar de conto de fadas daquele lugar mais sombrio, parecia que algo se escondia por detrás das árvores. Alguns rumores diziam já terem enxergado até vultos saindo da casa nobre. Não era de se impressionar que mais um dia daqueles levaria a corte ao seu auge, talvez, como alguns desejavam. O salão nobre aguardava pela presença dos seus reis. Joana Navarra sobe ao trono junto à Felipe, o Belo. Herda o trono de Navarra e o condado de Champagne. Naquele dia um sol suave irradiava pelas vidraças de cristal do Palácio dos novos reis da França. Uma pintura do casal é colocada nas paredes de seu suntuoso quarto, naquelas divisórias decoradas com esculturas de musas que pareciam tão reais que quase as co
CAPÍTULO 7: TEMPOS DE GUERRA Naquele dia, diante do castelo de Fontainebleau, se reúnem os principais servos da corte e seus cavaleiros para ouvir o discurso de Felipe IV. No céu cantavam apenas duas andorinhas. Parecia que estava tão nublado, que o dia se derramaria em chuvas. O vento soprava um pouco gélido e alguns servos mais pobres até se encolhiam de frio. Outros vinham de longe para ouvir o que o rei tinha a dizer, mas só por curiosidade. Uma pequena serração escondia os corpos do povo mais longínquos da sua entrada. A imagem de Felipe era muito respeitada. Ele se vestia com todo o luxo possível. Usava um medalhão no pescoço herdado do seu pai. Muitos não sabiam que ele tinha pertencido aos árabes muçulmanos e que havia boatos que ele poderia trazer confusão ao reino: mais precisamente tinha ligação com o acordar de bestas que até então povoavam o imaginário das mentes daquela multidão. Ele usava a joia
CAPÍTULO 8: LUTA SEM TRÉGUA Felipe acorda no túnel escuro, a lamparina havia apagado. Ele precisava sair dali para não ser descoberto por ninguém. Parece que tinha tido um sonho. Não conseguia se lembrar muito bem do que havia ocorrido. Só pensou que tinha visitado um lugar desconhecido e ao mesmo tempo, familiar. Mas algo ele pressentia: que qualquer coisa inexplicável havia acontecido. O que iriam dizer se eu lhes contasse a verdade? - pensou. Seria cruel se a Igreja lhe apontasse como herege ou algo do tipo. Seria fatal revelar a sua vivência para os demais. Ele tinha que esconder de tudo debaixo de sete chaves e de todos o que havia descoberto. Viu que precisava voltar a abrir a porta falsa do cômodo para sair dali e deixar o porão secreto sempre trancado para que ninguém movido por uma curiosidade atordoante, visitasse aquele lugar, que poderia ter belos tesouros. Sabia que constantemente, voltaria ao lug
CAPÍTULO 9: A REBELIÃO Não demora muito e diante da crise, a população fica descontente com o reinado de Felipe. Os impostos estavam muito altos. Havia fome e miséria pelas consequências da guerra. O povo age com sua rebelião e um camponês se levanta no meio da multidão: – O trabalho de nossas mãos nutrem os perversos e os preguiçosos! Os poderosos tiram proveito de nossas árduas conquistas e só nos deixam passar necessidade! Impostores! – ao seu redor estavam muitos outros observando a tudo, se unindo para um protesto na frente do Castelo Fontainebleau. Ouviam-se gritos de insatisfação contra Felipe e seus súditos. Os cavaleiros e escudeiros do rei se posicionam na frente da grande porta do castelo, impedindo a passagem dos revoltosos, que ameaçam atirar pedras naqueles soldados e incendiar objetos. Alguns dos trovadores fazem uma cantiga de maldizer ao rei: – Ah, você, seu rei danado! No inferno será condenado! Se aqu
CAPÍTULO 10: O HISTORIADORDepois que a situação de rebelião passou, Felipe IV é apresentado a um historiador e dramaturgo chamado Michelet. Este sujeito o aconselha a tomar uma decisão melhor para lidar com os problemas políticos.– Vossa Majestade! Com todo o respeito! Mas eu só trago boas novas em meio à tanta obscuridade... – disse o dramaturgo se curvando à imagem do soberano.– É mesmo, meu caro Michelet?– Isso mesmo, ó grande rei! Ao reunir alguns arquivos da minha existência, viajando por toda a França, me deparei com algo que deixaria qualquer um de queixo caído e de boca aberta! O teatro tem sido tão desvalorizado por muitos, que a vida e a morte nem mais fazem mais tanto sentido para mim... E pense bem, olhe para essas almas se vivem ou apenas existem? Mal s
CAPÍTULO 11: O FESTIM Era um grande feriado após o Natal. Uma multidão se reúne na frente da Catedral de Notre-Dame de Paris, toda enfeitada de guirlandas de flores e faixas coloridas, repleta de velas acesas para uma comemoração. Estavam presentes todas as classes do reino, junto com o rei e seus conselheiros. Mendigos vinham de longe espiar para ver se não conseguiriam algumas sobras do banquete. Os eclesiásticos vestiam seus trajes vermelhos. – Respeitáveis senhores que me dão ouvidos, é com alegria que neste dia faremos uma homenagem ao jumentinho que carregou Jesus na sua entrada em Jerusalém! Vamos celebrar! Sejam bem-vindos à festa dos bobos! – diz o padre. Havia um coro cantando em júbilo cantos gregorianos para a encenação teatral. Apareceu um jumento carregando um sujeito representando Jesus. – Eis que Deus derruba os poderosos de seus tronos para coroar os humildes de coração! – disse u
CAPÍTULO 12: O TEMPLO A guerra havia dizimado muitos, fez derramar sangue inocente. Foi cruel a ponto de devastar cidades e deixá-las na miséria. Uma das catedrais francesas havia sido alvo de conflitos. Ela tinha sido incendiada como uma forma de repúdio dos inimigos. Só sobraram suas ruínas. Suas pedras destruídas indicavam que aquele templo havia sido um palco de massacre. As cores do local antes intensas e vibrantes agora estavam pálidas e cinzentas. O grande vitral, fruto de tanto esforço, sensibilidade e imaginação estava em pedaços. Em seu belo desenho cheio de imagens religiosas havia uma enorme ruptura que deixaria cicatrizes profundas na memória do povo. Aquele ambiente destruído afetaria o bem-estar mental de muitos. Um símbolo fora perdido no tempo, só restaria sua imagem fantasmagórica. Suas canções seriam lembradas caso os monges conseguissem recuperar os livros de hinos. Até algumas estátuas ainda estavam de pé. Algumas cruzes estavam ainda ali do lado de fora
CAPÍTULO 13: BATALHA DAS ESPORAS DE OURO O Rei de Ferro realmente ainda possuía um coração duro como metal. A vida realmente não lhe era um conto de fadas. Surge a batalha das esporas de ouro por um motivo simples: a propagação da fé católica. Felipe queria conquistar novos territórios alheios para ter seus tesouros usando a fé cristã como desculpa. Queria acumular mais riquezas e espalhar novas Igrejas pelos territórios para aumentar o seu poder. Ele agia sem escrúpulos, como se fosse invencível e acreditava que tinha que deixar muito sangue derramado pelas suas ambições. Realmente, aqui uma sabedoria é pregada: se existisse um bicho de sete cabeças, um monstro tenebroso que guardasse um reino repleto de tesouros brilhantes, o homem se reuniria com outros de seu mesmo nível de pensamento para fazer a carnificina da besta e comemoraria ao cortar a sua cabeça. O ser pecaminoso se volta para a cobiça e não há quem o poss