CAPÍTULO 3: O LUTO

CAPÍTULO 3: O LUTO

Só de imaginar o sangue do meu pai derramado.... Isso me corrói por dentro.... Isso inunda a minha alma de repúdio e ira - como um leão que ruge de ódio pelo inimigo e só pensa em destroçá-lo com pura vingança.... Esses malfeitores ainda pagarão pelo que fizeram a ele! – dizia Felipe IV encarando a si mesmo, com tanta fúria que quase deixara seu espelho partido em pedaços.

Não pode ser que tenham feito mal a meu pai.... Meu querido pai... Ele se fora... Quinze anos após a morte do meu avô... A partir de hoje me vestirei de negro, ficarei de luto, para indicar que não me esqueci do que aconteceu com ele. Farei o possível para vingar a sua morte! Aqueles infelizes ainda terão o que merecem!

Bem que minha me mãe dizia para me acalmar, que o pior poderia vir a qualquer momento, que nunca sabemos do futuro. Ela sempre me dizia que em momentos difíceis, não se deve manter a cabeça quente, deve-se respirar fundo e seguir em frente.... Ela naquele singular amor de mãe, sempre afagava a minha cabeça. Quando eu era pequeno, meu pai me cobria com os lençóis finos e dava um beijo na minha testa, dizia com ternas palavras: “descanse bem, meu filho. Eu te amo”.

Agora ele se foi e dentro de mim é como se uma flecha cravasse fundo o meu peito e deixasse a minha mente tão desordenada, que eu mesmo não consigo encontrar o porquê de eu mesmo estar aqui. Sem eles, parece que nada mais faz sentido para mim. Parece que a vida perdeu a graça.... Espero que a dor não aumente, não é fácil perder um pai.... Tudo o que me resta neste momento é uma angústia desesperadora, não há com quem falar... Alguns até se prostram diante do meu poder real, mas o que eu posso fazer? Não há nada que possa fazer para trazê-los de volta!

Minhas vestes são de veludo agora, trazida pelos mercadores de Borgonha. Não me importa a moda, mas agora eu sinto que meu pai merece essa satisfação, pelo menos para descansar em paz em seu túmulo e eles poderem se lembrar dele, o quanto é importante para mim...

Mas meus ossos estão fragilizados, meu interior está tão desmanchado, a dor me apavora. Essas lágrimas que caem, deixam o legado de primavera com as flores murchas, pálidas, fazendo a estação esmorecer.... Essas tempestades que a vida me traz, parecem tão cruéis, que o meu próprio ser, nesta caminhada derradeira, me faz me derramar em meu leito com suspiros por um dia melhor... A névoa cobre o meu rosto, mal sei o que fazer, não sei o que dizer.... Vou descansar, amanhã é o velar do seu corpo, papai...

No outro dia, os homens mais próximos da corte se reúnem para anunciar o enterro do pai do monarca. Um padre é convocado para fazer uma homenagem à Felipe III, o Bravo.

***

Era o dia da virada da primavera para o outono na França. O orvalho das árvores tomava conta do ambiente onde seria a marcha solene e estava regado de tristeza e agonia do monarca, que confundia sua dor com suas ambições. Ele se questionava se ainda teria prazer em viver, ainda mais sem o seu pai para encorajá-lo a lutar como um nobre valente. As folhas marrons e avermelhadas quebradiças das árvores caíam com o sopro suave do vento, havia uma intenção de chuva mais para o final daquele dia, mas ainda se torcia para que ela viesse só para vivificar aquele momento como uma benção para retirar uma maldição. Via-se semblantes pálidos, outros mais alegres. A entrada da Catedral de Saint-Denis estava lotada pela população que vinha de longe para assistir a cerimônia do enterro do rei.  

A catedral gótica francesa tinha um vitral colorido sutil, de onde um brilho encantava os olhos de quem a via por dentro. Feita para lembrar o esplendor divino, as portas frontais eram cheias de esculturas de pedra. Dentro dela havia um mausoléu para um dos seus santos, de mármore, ouro, prata e pedras preciosas. Havia ali uma tumba e ornamentos com maçãs douradas repletas de joias. Havia o altar onde o padre estava para rezar a missa. Para muitos, aquilo era uma grande maravilha feita por filhos devotos de Deus.

Felipe IV não se conformava com o ocorrido e nascia dentre de si um venenoso desejo por vingança, que corroía seu ínterim de maneira tão violenta, que ele parecia personificar uma figura demoníaca. Ele costumava a acreditar que era vítima de uma maldição por ter desejado tão ardentemente subir ao trono e ter herdado o poder. Não conhecia a história de seus antepassados tão bem como gostaria. Eles haviam sofrido também por questões políticas, e talvez tinham sido mortos em batalhas. Era naquele momento que ele, tão amargurado, desejava castigar seus inimigos de maneira impiedosa, ao invés de querer justiça.

Então o padre inicia o discurso:

- Foi neste dia cinco de outubro, que o rei da França, Felipe III, o Bravo encontrara a sua morte em Perpignan, deixando a herança do reino ao seu filho. Ele parte de sua vida para caminhar com as mãos de Maria, a mãe de Deus, para se encontrar nos céus, onde desejo que todos estejam um dia. Que ela rogue por nós, agora e na hora de nossa morte. Que a família do rei seja confortada, que este seja sempre lembrado com honra e glória pelos seus feitos em vida e que Deus lhe abra a porta dos céus. E que ele seja sempre visitado em seu túmulo com o carinho que ele merece. Eis o sepultamento, seu corpo será enterrado em Narbona e mais tarde transferido para a basílica de Saint-Denis. Oremos sempre, amém.

Subitamente, os soldadinhos vestidos todos em trajes negros, iniciam a marcha, tocam os tambores, enquanto clérigos e padres fazem o desfile carregando o corpo velado do rei, seguido pelos fiéis. As pessoas na multidão olhavam com um ar esperançoso, muitas mal entendiam o que exatamente havia acontecido e jogavam flores brancas em direção ao corpo.

O monarca tinha assim um alívio em sua tristeza, porque via que pelo menos alguns honravam a vida de seu pai, e compartilhavam um sentimento de compaixão com ele.

Ao longe, Felipe avista uma mulher misteriosa. Seu rosto era tão angelical e seus olhos azuis eram tão brilhantes que sua beleza chamava atenção, seus cabelos loiros esbranquiçados estavam escondidos por uma espécie de longo lenço negro envolto por seu corpo. Parecia que ela não queria ser identificada. Quando ele buscou se aproximar dela, ela desaparece no meio da multidão...

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