ISABELLA
Pousamos no Queens no meio da madrugada. O sono pesava, mas o frio na barriga falava mais alto. No momento em que descemos do avião, carros enormes e blindados já nos esperavam. Meu pai e meu tio saíram cumprimentando aqueles homens com tanta empolgação que até parecia reencontro de novela mexicana. Assim que entro no carro, faço questão de me certificar de que estou em um diferente de dona Melissa. Ainda não estou pronta para falar com ela. E se eu entrar no mesmo carro, vai que ela tenta puxar assunto? Prefiro evitar o risco. Nem percebo o tempo passar, só noto que chegamos quando os carros param. Olho pela janela e me deparo com um condomínio imenso: quatro mansões enormes e várias casas germinadas ao redor. O carro estaciona em frente à maior delas. Parece coisa de filme. Antes mesmo de absorver a grandiosidade do lugar, noto uma movimentação na porta da casa. Uma senhora sorridente surge acompanhada de um senhor elegante. — Vovó! Vovô! — Eu e meus irmãos gritamos em uníssono, em uma sintonia que só acontece em momentos que diz respeito a comida e nossos avós. Os dois, que são jovens demais para serem chamados de velhinhos, abrem um sorrisão. — Meus amores! — Vovó nos envolve em um abraço coletivo abençoado com cheiro de bolo recém-assado. — Como vocês cresceram desde a última vez que nos vimos! — diz vovô, animado. — Eu até posso ter crescido, vô — Otto começa, já preparado para soltar alguma besteira —, mas a Isabella e a Lívia continuam minúsculas. — Ah, vai te ferrar, garoto! — Livi, como sempre, sem paciência para as piadas ridículas do nosso irmão. — Deixa para lá, irmã — reviro os olhos —, isso é só inveja. Somos as mais lindas da família, então ele tenta nos menosprezar para se sentir melhor. — Vê se se enxerga, Isabella Mancini! — ele fala se exibindo, apontando para o próprio rosto. — O mais bonito da família sou eu, óbvio. E o Oliver, que só é bonito assim porque tem a minha cara. — Tô vendo que essa casa vai voltar a ser agitada. — Vovó balança a cabeça, rindo. — A senhora não viu nada, mãe. — Meu pai abraça minha avó com um olhar cúmplice. O clima está leve, mas não posso ignorar a tensão no ar. Ainda assim, voltar para perto dos meus avós parece a melhor decisão que tomamos em muito tempo. Assim que entramos na casa, somos arrastados direto para a cozinha. O fato de ser madrugada não impede dona Olívia de preparar um banquete que poderia alimentar um pequeno exército. — Nossa, vovó, a senhora preparou comida para um batalhão? — Owen pergunta, chocado. — Você não viu nada, garoto. — Tio Lucas ri. — Sua avó é a rainha do exagero quando se trata de comida. Suspeito que o objetivo dela seja nos engordar. — Se continuar reclamando, você não come, Lucas. — Vovó lança um olhar de mãe que não admite desaforo. — E, para sua informação, fiz tudo isso para os meus netos e para minha nora querida. Ela se vira para minha mãe com um olhar doce. — Como você está, minha querida? Parece exausta. E não é para menos... Sinto muito por tudo que aconteceu. Mas agora vocês estão seguros aqui. — Obrigada, Olívia. Senti saudades desta casa e da senhora. — Eu também, mãe. — Meu pai se intromete. — Mas vou confessar: senti muito mais saudades da sua comida! Ele se senta à mesa e começa a devorar a comida como se tivesse passado um mês sem comer. Meu tio segue o exemplo, e nós caímos na risada. — Falando assim, Rafael, parece até que eu não cozinho bem! — Mamãe cruza os braços, fingindo estar ofendida. — Não é nada disso, minha rainha! — Meu pai sorri daquele jeito safado que dá até vontade de vomitar. — Sua comida é a melhor do mundo. Eu amo tudo que vem de você... — NOJENTO! — gritamos todos juntos, sincronizados na revolta. Mamãe ri e se senta ao lado dele, rendida. A madrugada segue tranquila. Eu, obviamente, ainda não consigo olhar para dona Melissa, mas pelo menos não arranjo briga no primeiro dia. Pequenos progressos. Na hora de dormir, fico no quarto mais distante. Pela primeira vez, não preciso dividir o espaço com ninguém. Finalmente, um pouco de paz. Pelo menos por hoje.ISABELLA Acordo me sentindo mais leve. Depois de uma noite bem dormida em uma cama digna de princesa, boa parte da angústia se dissipou. Ainda estou magoada com minha mãe, mas sei que não posso ficar sem falar com ela para sempre,especialmente agora, com essa guerra contra a família dela prestes a explodir. Me levanto e pego o celular: 15 chamadas perdidas e 50 mensagens não lidas. Josh. Meu melhor amigo desde os seis anos. Conheci ele no primeiro dia de aula, quando o encontrei apanhando de um valentão. Sem pensar, me joguei no meio da briga e gritei o mais alto que pude para chamar a atenção da diretora. Funcionou. Desde então, nunca mais nos desgrudamos. Hoje, ele é o capitão do time de hóquei e conseguiu uma bolsa para estudar engenharia em Nova York. O plano sempre foi irmos juntos,ele engenharia e eu artes,mas parece que a vida tinha outros planos. Sento na cama e ligo para ele antes que o senhor do drama decida sequestrar um helicóptero para me encontrar. — ALÔ,
ISABELLA Hoje é o nosso primeiro dia na imprensa. Logo pela manhã, teremos uma reunião por vídeo chamada com Nathanael, o chefe da máfia de Chicago. Ele é nosso aliado e guarda nossos melhores armamentos sem levantar suspeitas. Em troca, ajudamos a construir um dos maiores bunkers da região, com o acordo de usá-lo como bem quisermos. Além disso, Nathanael é pai de Romeu,marido da minha tia Emília e melhor amigo do meu avô. Desde as quatro da manhã, estou dentro do meu closet, revirando cada peça de roupa na tentativa frustrada de encontrar algo perfeito para vestir. Nada parece bom o suficiente. Pedir ajuda para minha mãe está fora de questão. Ela ainda não superou o fato de que eu e minha irmã escolhemos "essa vida", como ela sempre diz. As discussões intermináveis entre ela e meu pai são a prova de que, no fundo, seu problema não é a escolha em si, mas o medo de nos perder. Quando o relógio marca seis horas, desisto. Pego qualquer roupa, minha bolsa, escondo a arma na cintura e s
ISABELLAChegamos à imprensa junto com meus irmãos. Papai, vovô e tio Lucas sempre chegavam mais cedo. Assim que entramos, Otto se virou para mim, os olhos carregados de reprovação.— Onde você estava, irmã? Mamãe ficou louca por não te achar no quarto.Revirei os olhos, já esperando essa cobrança.— Mamãe tem que aprender que somos maiores de idade e não precisamos dar satisfação de cada passo que damos. Avisei a Gianna que estava saindo e pedi para ela contar à mamãe quando acordasse.Meu tom era firme, intransigente. Minha relação com dona Melissa nunca mais foi a mesma desde que descobri toda a verdade.— Ela só quer ter certeza de que você está bem — Otto rebateu, com a paciência de quem sempre tenta defender o indefensável.— Não é porque você é o puxa-saco dela, Otávio, que eu também devo ser — respondi, cruzando os braços. — Eu estava segura com meu armário particular. Ela sabe disso, e não precisa de mais informações.Apontei para Marcello, que nos acompanhava de perto.— Ver
VIKTOREstou em Nova York há um mês com uma única missão: encontrar Melissa Petrov.Fui designado para isso por um motivo simples,ninguém percebe detalhes como eu. No exército russo, minha especialidade sempre foi a infiltração. Meu trabalho? Me tornar invisível entre os inimigos mais perigosos da Rússia. Fui treinado desde os três anos. Aos nove, executei minha primeira missão e me tornei o melhor executor da Rússia. Aos quinze, aprendi a torturar, sempre consegui as melhores respostas. Aos dezoito, me tornei um sniper letal. Hoje, aos vinte e três, sou o melhor capitão da máfia russa. E não tenho paciência para ensinar idiotas inúteis.É por isso que aceitei essa missão. Eu caço. Eu descubro. Eu encontro.Mas dessa vez, é como caçar um fantasma.Melissa Petrov simplesmente não existe. Rafael e Lucas, os supostos amantes, levam vidas comuns na máfia. Bento, o chefe, segue uma rotina entediante entre casa e empresa. Passei semanas observando cada movimento, cada detalhe. E nada.Sou f
ISABELLA— Irmã, você não vai acreditar! — Lívia chega eufórica, os olhos brilhando de animação.Estamos todos sentados à mesa, esperando pela atrasada da minha irmã. Otto e Owen já bufam de fome, impacientes.— O que você aprontou dessa vez, Lívia? — pergunta Otávio, cruzando os braços.— Cala a boca, moleque, isso é entre mim e minha cópia — ela rebate, jogando os cabelos para trás e se inclinando na minha direção, mal conseguindo conter a empolgação.— Irmã, quase fui atropelada pelo homem da minha vida! — ela bate as palmas, os olhos brilhando de excitação.— O quê?! — minha preocupação dispara. — Como assim "quase atropelada", Lívia?— Izzy, você não tá focando na parte mais importante! — Ela revira os olhos, segurando meu rosto com as mãos. — Eu conheci o homem da minha vida. Lindo, alto, forte, tatuado… ai, Dio mio, que homem! — Ela se abana dramaticamente.Solto um suspiro, já esperando essa reação.— Lívia, esse é o terceiro "homem da sua vida" só essa semana!— Qual é, Isabe
VIKTOREu fui para aquela boate por um único motivo: encontrar uma pista que me leve a Melissa Petrov. Mas, assim que entrei, tudo o que consegui focar foi naquela visão. Ela, a minha pequena, dançando com tanta liberdade e graça, a mesma menina meiga e encantadora que eu adorei conhecer e que não saiu dos meus pensamentos o dia inteiro,mas que agora estava sendo tocada por aquele filho da puta. Algo dentro de mim ferveu instantaneamente, mas, ao invés de perder o controle e acabar assustando minha garota, usei toda minhas forças para não matar aquele verme ali, prometendo para mim mesmo que iria resolver isso mais tarde.Quando voltei os olhos para ela, tudo o que vi foi a sua beleza. Seus olhos, aquele brilho inconfundível, seu rosto angelical e seu jeitinho tímido que me deixava maluco. Mas algo estava diferente, uma dúvida começou a tomar conta de mim: como ela mudou de novo? Como a selvagem e intensa mulher que conheci se transformou nessa versão mais delicada e serena? Essa era
ISABELLAPassei a noite inteira conversando com Viktor. Descobri que está aqui a trabalho, ele é um investigador particular, pelo que entendi. E eu, como não podia contar toda a verdade, escolhi apenas uma parte dela: sou apenas uma garota italiana que se mudou com a família para ficar perto dos avós. Nada mais.Na manhã seguinte, tomo um banho rápido, visto uma calça jeans, uma camisa branca e meu salto favorito. Desço correndo as escadas, já atrasada, mas antes que possa sair pela porta da frente, a voz firme da minha mãe me paralisa.— Isabella, aonde você pensa que vai?Fecho os olhos, respiro fundo e viro para encará-la.— Trabalhar, mamãe. Aonde mais eu iria?Ela me encara com aquele olhar de autoridade que já não lhe cabe mais.— Você está de castigo, mocinha. Não me obedeceu ontem, me desrespeitou e chegou sabe-se lá que horas!Seguro um riso debochado.— Engraçado, porque não me sinto nem um pouco de castigo. — Ergo a sobrancelha. — Mamãe, você precisa de ajuda. Está começand
VIKTOR— NÃO ME INTERESSA, NIKITA! — grito, sentindo o desespero subir como uma maré violenta. — Eu só preciso encontrar ela!Meu peito está em chamas, a angústia me consumindo por inteiro. Isabella disse que ia trabalhar e, depois disso, silêncio total. Nenhuma mensagem, nenhuma ligação. Celular desligado o dia inteiro. Isso não é normal.Se algo aconteceu com ela… não quero nem pensar nessa possibilidade.— Irmão, você nem conhece ela direito. E se ela estiver com o namorado? — A voz de Nikita carrega um tom despreocupado que me irrita além do limite.Meu sangue ferve. Como ele ousa?— Isabella é minha. — Rosno, sentindo cada músculo do meu corpo se tensionar.— Cara, são duas da manhã. Se ela não apareceu, deve ter um motivo.Ele não percebeu minha fúria ou simplesmente não se importa. Antes que eu possa mandá-lo para o inferno, meu celular vibra em minha mão. Meu coração quase para.Bella.Atendo sem hesitar.— Isabella?O som do seu choro atinge meu peito como um soco. O alívio q