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​⛓️​Capítulo 2 – Gaiola

Não era apenas a vista que a enjaulava. Era a ideia de que cada escolha que fazia não lhe pertencia. O quarto em que Melina acordava todos os dias era amplo, luxuoso e sufocante como um caixão de veludo. O teto era alto, as janelas largas, os lençóis macios — mas tudo ali parecia feito para mantê-la confortável na prisão que alguém construiu com muito dinheiro e pouco afeto.

Ela acordou cedo, como sempre fazia, porque o corpo ainda carregava o instinto de agradar. Mas o coração... o coração estava mudando.

Ela se sentou na beira da cama, sentindo os lençóis frios tocarem a pele nua. Miguel jazia ao seu lado, dormindo pesado, o peito subindo e descendo em um ritmo preguiçoso. Ela o observou por alguns segundos, como se buscasse alguma humanidade no homem que um dia acreditou amar. Não encontrou nada além de controle. De medo. De poder mal distribuído.

Levantou-se em silêncio, vestindo uma camisola preta de seda, e caminhou até a varanda. A cidade se estendia diante dela, com seus gritos silenciosos e becos que conhecia bem. Ali embaixo, ela era temida. Era chamada de "La Viúva Negra", embora nunca tivesse ficado viúva. Era um nome que Miguel havia incentivado, como se gostasse da ideia de que ela fosse uma mulher fatal, desde que o veneno não fosse para ele.

Mas o veneno estava crescendo.

Pegou o celular e checou as mensagens. Raissa havia enviado um áudio. Melina colocou os fones discretamente e ouviu:

— Elas tão prontas. A distribuição rolou como o esperado. A Layla falou que aquela polícia que rondava o bairro sumiu do nada. Estranho, mas bom. Você tem certeza que ele não sabe?

“Ele”. Miguel. A sombra que pairava sobre tudo.

Melina apagou o áudio após ouvir. Não podia deixar rastros. Não ainda.

Ela desceu as escadas duas horas depois, pronta para mais um dia de teatro. Miguel já estava acordado e vestido, sentado à cabeceira da mesa do café da manhã. Ruan estava ao lado, revisando alguns papéis, e do outro lado da sala, para sua surpresa, Kauan.

Ele estava ali, recém-chegado, como se sempre tivesse pertencido àquele círculo. Vestia preto da cabeça aos pés, e seus olhos analisavam o ambiente com frieza. Até pousarem sobre ela.

— Melina — ele disse com um leve aceno, não um sorriso. Uma constatação. Como se seu nome fosse uma palavra proibida e ele tivesse prazer em repeti-la.

Miguel ergueu os olhos também, como quem avalia se havia algo demais naquele cumprimento. Melina manteve a calma.

— Bom dia. Você é pontual — ela respondeu, sentando-se com graça felina. Pegou a taça de suco como se não tivesse sentido aquele arrepio subir pela espinha.

— Fui treinado para isso. E para perceber quem comanda, mesmo que esteja em silêncio.

Os olhos de Miguel cortaram o espaço como faca. — Aqui, todos sabemos quem comanda.

Kauan sorriu, lento, perigoso.

— Claro. É por isso que estou aqui. Para obedecer... e observar.

Melina permaneceu em silêncio, mas por dentro, uma risada contida queimava. Não era sobre o que ele dizia. Era como ele dizia. Como se falasse com ela por baixo de todas aquelas palavras triviais.

Naquela manhã, ela o viu melhor. O maxilar trincado, os olhos que não desviavam, a forma como os dedos tamborilavam na mesa, como se tivessem pressa para agir. Kauan era um homem com fome. Mas não era Miguel. E isso, por si só, já o tornava perigoso.

Mais tarde, enquanto Miguel e Ruan discutiam o transporte de armamento vindo do sul, Kauan se afastou até o jardim, e Melina o seguiu. Fingiu que ia até a estufa de orquídeas, mas parou ao lado dele, entre as roseiras que cultivava por pura ironia: flores com espinhos. Eram as preferidas de Miguel.

— Você sempre se aproxima das esposas dos chefes assim? — ela perguntou, sem olhar diretamente.

— Só quando percebo que elas não são esposas. Nem objetos. Nem obedientes.

Ela o encarou. E ali havia fogo. Não do tipo escancarado, mas daqueles que consomem devagar.

— Cuidado. Isso pode te matar.

— Ou me libertar — ele respondeu.

Por um segundo, o mundo parou. As folhas dançaram com o vento, e os olhos de Melina registraram um detalhe em Kauan que até então não havia notado: ele tinha cicatrizes nas mãos. Não de trabalho. De luta.

Ao final do dia, Melina voltou ao quarto e trancou a porta. O espelho refletia sua imagem, mas algo já havia mudado.

Ela tirou a camisola devagar. Deixou o vestido cair no chão. Caminhou nua até a penteadeira e pegou um batom vermelho escuro. Passou nos lábios, encarando a mulher ali diante dela. Uma mulher que sabia o gosto da submissão, mas também conhecia o desejo crescente pela liberdade.

Kauan não era solução. Era tentação.

E mesmo assim, algo nela já havia feito a escolha.

A gaiola em que vivia era dourada. Decorada. Cheia de confortos.

Mas toda noite, o som das grades ecoava em sua mente. E agora, pela primeira vez em anos, ela começava a procurar pelas chaves.

(Era só o começo.)

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