A passagem daquela divisória para a seguinte me deixou ainda mais tensa, tomando cuidado dobrado para evitar qualquer ruído. Caso algo desse errado, meu ceifador estaria logo abaixo de mim. Pude perceber que, mesmo diminuindo os ruídos ao mínimo, a minha sombra ainda se fazia presente, passando por sobre cabeça daquele ser, que não parecia se importar. Suas visões eram perfeitas, tais como eram quando seres humanos? Como seriam seus sentidos?
Haveria a necessidade de me preocupar tanto?
Quando terminei a travessia, virada com ambas as pernas para a cabine a minha frente, percebi como meus músculos estavam tensionados e tentei relaxar, sem muito sucesso. Agora estava as duas cabines de distância da porta. O corpo da última menina - a única, de fato, morta - estava logo em frente a porta da última cabine. Eu pretendia descer e sair pela porta, mas logo entendi que a ideia seria falha: a parte de cima do seu corpo estava apoiada na porta da cabine, o que dificultaria abri-la sem fazer ruídos. Quanto tempo eu teria a partir do momento em que atraísse a atenção da criatura Soraia? Segundos?
Precisava ser algo mais rápido.
Arrisquei me arrastar lentamente mais oara perto da borda, a fim de olhar para o chão. Em frente a divisória das últimas cabines estava o corpo afogado em uma poça de sangue, tornando impossível fazer um salto até o chão sem o risco de desequilibrar. Olhei novamente para 8 monstro que até agora parecia não ter notado a minha presença, com o olhar perdido no infinito, e analisei a distância de onde eu estava até a porta. Não me parecia vantajosa, mas talvez não houvesse nenhuma possibilidade de vantagem a partir de agora.
Pensei em esperar até tomar coragem, mas talvez esse momento nunca chegaria e eu acabaria eventualmente atraindo a atenção daquelas coisas. Cuidadosamente, fiquei na beirada da divisória, colocando as pernas pra frente, ainda curvada. Era uma queda pequena, mas certamente precisaria ser executada com cuidado para que nada me impedisse de começar a correr assim que encostasse no chão. O impacto do meu pouso seria o suficiente para atrair a atenção do monstro, e se eu tivesse de contar com o mesmo instinto predatório que presenciei anteriormente, tinha certeza de que precisaria ser muito rápida.
Talvez a minha sombra finalmente tivesse chamado a sua atenção, ou talvez a minha movimentação discreta não houvesse sido tão discreta assim. Fosse como fosse, não pulei porque me sentia pronta, mas sim fui expulsa de onde eu estava pelo morto na cabine ao meu lado, que finalmente deu-se conta da minha existência, anunciando o seu conhecimento com um plano rosnado.
Sendo este o primeiro som que ressoou naquele ambiente nesse tempo, fez-se presente tal como um estrondo. Funcionando como um chamado, prontamente o infectado do outro lado do banheiro o atendeu, virando-se para minha direção. Percebi que sua pele estava pálida e que veias azuis se destacavam por toda a extremidade de seu corpo. Por quanto tempo já estávamos naquele banheiro? Este também abriu a boca em um gemido, adiantando-se em minha direção.
Em pânico, tomei o impulso e saltei da divisória em que eu estava para o chão. Devido ao pulo apressado, não caí perfeitamente e senti um choque de dor subir pela minha coluna. Assim que pousei no chão, vi que o monstro começou a mover-se mais depressa, vendo sua presa - eu – mais próxima.
Imediatamente me levantei, correndo em direção a porta. Encontrei forças para ignorar a aparência do corpo humano desfigurado a minha frente, mas não era possível ignorar sua presença: em uma posição inconveniente, outra de suas pernas estava apoiada contra a porta. Precisei fazer uma força maior depois de puxara maçaneta pra baixo, a fim de movê-la. Com algum esforço, consegui abrir uma fresta, mas ficou claro que não havia tempo para aquilo: coloquei a sola do meu tênis contra o corpo caído no chão e, com toda a força que encontrei, chutei-a para longe da porta, em direção ao cadáver que se movia em minha direção. O corpo se moveu pouco, sendo atirado para o lado como um boneco, mas liberou a porta. Quando percebi que aquilo que um dia se chamou Soraia se preparou para me atacar, finalmente consegui abrir e atirar-me para fora em pânico. Quase fui ao chão devido ao desespero, mas encontrei forças para puxar a maçaneta da porta para fechá-la, no momento em que a criatura esticou os braços para fora.
Começamos um cabo de guerra valendo a minha vida, em que os braços com mãos em formas de garra me alcançar, enquanto eu colocava mais intensidade na minha tentativa de fechar a porta. Fiquei chocada em como, independente da força que eu colocava e das marcas vermelhas que começavam a se desenhar na pele alva - sua dona sempre foi pálida ou ficou assim após morrer e voltar para me atacar? Aquilo não parecia fazer recuar ou diminuir a força que o monstro colocava em tentar abrir a porta. Quando as marcas vermelhas lentamente começaram a se abrir em feridas, indaguei-me se se quer era capaz de sentir dor.
Logo meus braços começaram a doer pela força aplicada. Se eu parasse por um momento, ele conseguiria se esgueirar pela brecha aberta e chegar até mim, então invariavelmente continuei puxando a maçaneta da porta em minha direção, mantendo os braços esticados que meu corpo estivesse fora de alcance. Percebi que seria inútil: obviamente eu jamais teria forças para fechar, somente se decepasse seus braços. Ele não tinha a menor intenção de desistir.
Uma ideia me surgiu a cabeça, como se uma lâmpada se acendesse no meu cérebro. Na hora parecia-me um tanto idiota e arriscada, no futuro eu teria certeza que fui completamente imbecil.
Abri a porta, ainda segurando a maçaneta e a criatura imediatamente moveu-se em minha direção. Ergui a perna e amparei a sua aproximação com meu pé, sentindo suas mãos envolvendo minha canela, protegida por uma calça legging. Flexionei o máximo que pude a perna e chutei com força na criatura. Ela tropeçou no corpo atrás de si, caindo sobre ele. Não acompanhei sua queda, pois vendo que a dificuldade havia ido embora, puxei com força a porta na minha direção e fechei-a com um estrondo.
A princípio segurei a maçaneta com força, ouvindo batidas se iniciarem contra a porta enquanto um rosnado furioso chegava aos meus ouvidos. Imaginei que em qualquer momento a maçaneta seria forçada em uma tentativa de abrir a porta novamente, mas as batidas apenas persistiram, como se ele estivesse jogando o seu peso contra a porta repetidas vezes. Não havia parado para pensar se, como monstro, a consciência da pessoa anterior ainda se fazia presente. Como não houve nenhum movimento para tentar abrir a porta, tirei as mãos do metal gelado da maçaneta, mantendo a atenção ali por um tempo.
Vendo-me finalmente livre, olhei para baixo em busca de qualquer arranhão que pudesse ter sido feito em minha perna. Felizmente a minha calça possuía apenas alguns rasgos superficiais. Naquela hora, eu apenas buscava ver se eu havia me ferido, não fazendo ideia que arranhões também seriam vetores de infecção.
Finalmente consegui dar um pesado suspiro de alívio, sentindo novamente os meus músculos se livrando da tensão conforme eu relaxava. Havia uma camada de suor por todo o meu corpo e eu tinha certeza que a minha blusa estava marcada com sangue em alguns locais. Minhas mãos estavam vermelhas e doloridas devido a força que usei na maçaneta e meu coração cavalgava com força contra meu peito, reclamando pelo mal uso que eu fizera dele em todo esse tempo. Ainda assim, eu estava vida.
Conforme eu me acalmava, percebi que os gritos de desespero que autrora eram a única coisa a ser ouvida do lado de fora dos prédios do colégio haviam diminuindo. Uma parede cheia de janelas em intervalos iguais de metros me esperava assim que eu olhasse para trás, pronta para transmitir qualquer que fosse o show grotesco que se desenrolava no resto do colégio, como uma televisão passando um filme de terror.
Ainda assim, os gemidos mantinham-se presentes, seguidos de sons estranhos e não identificáveis de diversas outras coisas sendo feitas ao mesmo tempo. Ainda havia alguns gritos eventuais. Evitei as janelas por enquanto.
Durante todo o tempo presa, não cheia a imaginar que sairia de lá e tudo estaria a salvo, com equipes de resgate entrando no colégio. Primeiro porque os gritos intermitentes não me permitiam ter tanta esperança, segundo porque estava muito focada em minha própria desgraça.Não gosto de ser descrente, mas nunca confiei na eficiência da segurança pública. Além disso, também acompanhei as notícias (enquanto eram permitidas chegar até nós) sobre as primeiras infestações do vírus e tudo era igual: embora não soubéssemos exatamente a sua natureza, nenhuma das cidades infectadas (Baltimore, Las Vegas, Paris, dentre outras) conseguiram conter a doença antes de perdemos contato. Fui tola em pensar que não chegaria até a América, mas todos nós fomos esse tempo todo. Por esses motivos, o incomodo pensamento de que meu sofrimento e medo estavam longe de acabar permanecia martelando em minha cabeça.
Porém agora me sentia estranhamente a salva, como se os riscos que eu corri durante toda a manhã finalmente encontrassem um final ali, do lado de fora do banheiro do segundo andar da biblioteca. Imediatamente, claro, percebi o quanto aquilo era idiota. Eu se quer havia pensado no que faria assim que me visse liberta do banheiro. Correr em desespero para qualquer lado? Tentar fugir do colégio? Buscar meus pertences, a fim de tentar entrar em contato com a minha família?
Virei o corpo em direção ao corredor que ligava o segundo andar da biblioteca com o prédio das salas de aula, pensando que talvez a última opção fosse a correta. Antes que eu pudesse me mover, um som familiar me fez fechar os punhos por reflexo. Virei o corpo para trás, buscando quem produziu o gemido.
A poucos metros de distância, dois zumbis saiam da biblioteca e vinham em minha direção – e eu os conhecia.
Infelizmente, foi tudo o que eu pude analisar, pois precisei sair correndo. Não tive intenção de tentar me comunicar com eles, afinal seria inútil: tudo que eles queriam era garantir algumas mordidas em minha carne e eventualmente transformar-me em um dos seus. Enquanto o monstro sem olho andava a passos lentos e arrastados; o segundo, logo ao trocarmos olhares, iniciou uma corrida determinada. Se fosse só o seu companheiro, eu poderia ter fugido tranquilamente, porém precisei me apressar e correr o mais rápido que eu pude em direção ao corredor que ligava o prédio da biblioteca com o de sala de aulas. A primeira coisa que notei foi que um deles era rápido. Muito mais rápido. A segunda é que eles estavam mais machucados. Diferentemente daqueles com quem dividi o banheiro, que possuía, que possuíam um ou outros machucados aparentes, mas conservavam a sua aparência de quem um dia foi humano, mas conservavam a sua aparência de quem um dia foi humano, estes tinha
Quando o corredor desembocou em uma área mais ampla, que dava acesso à escadaria, tomei ainda mais cuidado com os meus movimentos. O chão é as paredes brancas estavam repletos de manchas de sangue. O cheiro era tão forte que me obrigou a trancar a respiração.O cheiro ou a meia dúzia de monstros que se reuniam no canto da sala.Eu pude ver algumas partes que apareciam por baixo de montoeira de corpos: pernas, braços, cabeças completamente desfiguradas. As coisas banqueteavam-se em meio a cadáveres ensaguentados e me obriguei a desviar o olhar para não enlouquecer. O impulso de vomitar me dominou de novo, mas precisei ignorá-lo.Passei a me mover lentamente as costas coladas na parede atrás de mim sem me importar se manchava a blusa polo branca do meu uniforme. Estavam distraídos, faziam sons guturais e era possível ouvir o barulho de carne se rasgando conforme jogavam as cabeças para trás, puxando violentamente pedaços em seus dentes. O cheiro de morte e podr
Não, eu não estava. Digo, ele não havia me arrastado para qualquer tipo de perigo. É só que “a salvo” simplesmente era uma coisa que tinha deixado de existir, embora naquela altura eu ainda não soubesse. A primeira pessoa que eu vi foi Cláudio Dultra: outro terceiranista, mas familiar para mim por estudarmos na mesma sala. Tinha a pele escura, olhos e cabelos negros e uma expressão de poucos amigos. Diferente da maioria dos nossos colegas, tinha músculos definidos e traços mais adultos. Estava de braços cruzados próximo à porta de madeira que dividia o corredor de onde vinhamos do resto das salas de ensino médio, em uma curva acentuada. Quando nos viu, assumiu uma postura nervosa ao perceber como corríamos rápido. Notei que segurava uma barra de ferro na mão. Havia sangue nela. Guga não pareceu estar surpreso, conforme continuava correndo em direção à porta. Aquela altura eu já havia conseguido estabelecer equ
Mayara olhou para ela com os olhos arregalados em reprovação, mas não falou nada.Sorri de volta para Valentina, mas não consegui disfarçar por muito tempo o meu incomodo conforme me aproximei delas.Mayara, o que houve com sua perna? Perguntei, finalmente compreendendo que o professor Roberto amarrava uma gaze suja de sangue em volta de sua coxa.Mayara olhou para mim, intrigada pela abordagem repentina.Ela não foi atacada. Cláudio quem respondeu, atrás de mim. Cortou a perna em um arame enquanto tentávamos sair do pátio. Estava sangrando bastante, mas não é nada sério.Desculpa ser tão indelicada, é só que… comecei olhando nos úmidos olhos cor de mel da garota.Não, tudo bem… ela olhou para a perna dando de ombros. Acho que é uma preocupação válida. Conversar parecia acalmá-la um pouco.Então você conseguiu? Perguntou Anny
Você vai sozinha? Perguntou Cláudio, levemente surpreso, enquanto me seguia porta afora. Eu não sei o que vocês vão fazer, mas eu vou voltar para casa hoje. Quando falei isso, vários olhares vieram em minha direção. O professor Roberto já estava em pé, de braços cruzados e olhou para mim: Você acha que é seguro tentar ir pra casa, Rute? Indagou, com a voz preocupada, todo mundo está dizendo que o transporte publico parou. Olhei para ele e agradeci a preocupação… Não tem problema, professor. Eu vou a pé, se precisar, só teria de atravessar a ponte, falei, calmamente, preciso encontrar com a minha avó e com a Mel… justificando sem perceber que talvez eles não soubessem de quem eu estava falando. Como você pretende sair do colégio? Perguntou-me a garota negra de cabelos crespos. Ela parecia bastante calma diante da situação. O pátio está uma loucura, e para chegar a qualq
Este era o acesso a um lance contínuo e escadas em formato de cascata, que ficavam a parte, mas uniam todos os andares do prédio. O espaço era largo e conseguimos entrar todos sem problemas. Estava aparentemente vazio e silencioso, porém uma pequena trilha de sangue na escada me fez sentir um enorme calafrio. Alguma coisa já passou por ali…A escada para cima está limpa, vamos subir de uma vez, murmurou Roberto, buscando falar baixo.Sem nenhuma objeção, Guga fechou a porta de acesso ao corredor e seguimos para cima, apenas o barulho dos nossos passos chegando aos ouvidos. Era possível ouvir, bem ao longe, alguns gemidos. Olhei para baixo, mas não tinha ninguém atrás de mim além de Cláudio e Guga.Subimos em silêncio dois lances de escadas, que terminaram em um pequeno espaço plano antes da porta de madeira de aparência velha, porém imponente. Com um pouco de esperança, Roberto ten
Imediatamente amaldiçoei a minha decisão burra de gritar. Não contentes somente em arrancar pedaços de carne da minha amiga estirada na escadaria, três deles viraram as cabeças grotescas para mim e começaram a subir em minha direção. Não eram rápidos, mas isso não os tornava menos assustadores. Rute??? Ouvi a voz de Valentina ecoar acima de mim... Lorena? Eu estou bem! Gritei de volta, sem saber como informar o estado de Lorena. Virei-me a fim de subir correndo de volta para o meu corpo, mas tropecei e caí no chão. Minha canela bateu contra a quina do degrau e um grunhido de dor vazou por meus lábios. Só então percebi como eu tremia. A barra de metal batia continuamente no chão, emitindo um som metálico constante, pela falta de instabilidade com que eu segurava ela. Sem tempo a perder, apoiei-me nos braços e subir alguns degraus de quatro mesmo, até conseguir focar em pé. Corri
Com o nosso colégio ficava em uma parte mais elevada do resto da cidade tínhamos uma visão privilegiada da cobertura, bela em todos os outros dias. Hoje porém este camarote só nos dava uma perspectiva pior do fim do mundo que se estendia sob nós.Havia muita fumaça e isso era o mais perceptível de imediato. Vários focos de uma espessa fortuna negra subiam aos céus provindos de chamas altas de incêndio. Quase todas as ruas que vi encontravam se completamente dominadas por carros parados em fila indiana e só então o barulho das buzinas tornou-se evidente. E estas eram as boas e nas outras ruas era possível ver engavetamentos grotescos, batidas de quase 10 carros de uma só vez. Mas o pior eram as pessoas correndo como milhares de formiguinhas desesperadas corriam descontroladamente de seres grotescos infernais, mas tão parecidos com as presas que perseguiam.Naquele cenário profano o caso mostrou-se como a única lei e ao longe da cidade o tapete azul do mar se estendia até