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2. Continuação

A passagem daquela divisória para a seguinte me deixou ainda mais tensa, tomando cuidado dobrado para evitar qualquer ruído. Caso algo desse errado, meu ceifador estaria logo abaixo de mim. Pude perceber que, mesmo diminuindo os ruídos ao mínimo, a minha sombra ainda se fazia presente, passando por sobre cabeça daquele ser, que não parecia se importar. Suas visões eram perfeitas, tais como eram quando seres humanos? Como seriam seus sentidos?

Haveria a necessidade de me preocupar tanto? 

Quando terminei a travessia, virada com ambas as pernas para a cabine a minha frente, percebi como meus músculos estavam tensionados e tentei relaxar, sem muito sucesso. Agora estava as duas cabines de distância da porta. O corpo da última menina - a única, de fato, morta - estava logo em frente a porta da última cabine. Eu pretendia descer e sair pela porta, mas logo entendi que a ideia seria falha: a parte de cima do seu corpo estava apoiada na porta da cabine, o que dificultaria abri-la sem fazer ruídos. Quanto tempo eu teria a partir do momento em que atraísse a atenção da criatura Soraia? Segundos?

Precisava ser algo mais rápido.

Arrisquei me arrastar lentamente mais oara perto da borda, a fim de olhar para o chão. Em frente a divisória das últimas cabines estava o corpo afogado em uma poça de sangue, tornando impossível fazer um salto até o chão sem o risco de desequilibrar. Olhei novamente para 8 monstro que até agora parecia não ter notado a minha presença, com o olhar perdido no infinito, e analisei a distância de onde eu estava até a porta. Não me parecia vantajosa, mas talvez não houvesse nenhuma possibilidade de vantagem a partir de agora. 

Pensei em esperar até tomar coragem, mas talvez esse momento nunca chegaria e eu acabaria eventualmente atraindo a atenção daquelas coisas. Cuidadosamente, fiquei na beirada da divisória, colocando as pernas pra frente, ainda curvada. Era uma queda pequena, mas certamente precisaria ser executada com cuidado para que nada me impedisse de começar a correr assim que encostasse no chão. O impacto do meu pouso seria o suficiente para atrair a atenção do monstro, e se eu tivesse de contar com o mesmo instinto predatório que presenciei anteriormente, tinha certeza de que precisaria ser muito rápida.

Talvez a minha sombra finalmente tivesse chamado a sua atenção, ou talvez a minha movimentação discreta não houvesse sido tão discreta assim. Fosse como fosse, não pulei porque me sentia pronta, mas sim fui expulsa de onde eu estava pelo morto na cabine ao meu lado, que finalmente deu-se conta da minha existência, anunciando o seu conhecimento com um plano rosnado.

Sendo este o primeiro som que ressoou naquele ambiente nesse tempo, fez-se presente tal como um estrondo. Funcionando como um chamado, prontamente o infectado do outro lado do banheiro o atendeu, virando-se para minha direção. Percebi que sua pele estava pálida e que veias azuis se destacavam por toda a extremidade de seu corpo. Por quanto tempo já estávamos naquele banheiro? Este também abriu a boca em um gemido, adiantando-se em minha direção.

Em pânico, tomei o impulso e saltei da divisória em que eu estava para o chão. Devido ao pulo apressado, não caí perfeitamente e senti um choque de dor subir pela minha coluna. Assim que pousei no chão, vi que o monstro começou a mover-se mais depressa, vendo sua presa - eu – mais próxima.

Imediatamente me levantei, correndo em direção a porta. Encontrei forças para ignorar a aparência do corpo humano desfigurado a minha frente, mas não era possível ignorar sua presença: em uma posição inconveniente, outra de suas pernas estava apoiada contra a porta. Precisei fazer uma força maior depois de puxara maçaneta pra baixo, a fim de movê-la. Com algum esforço, consegui abrir uma fresta, mas ficou claro que não havia tempo para aquilo: coloquei a sola do meu tênis contra o corpo caído no chão e, com toda a força que encontrei, chutei-a para longe da porta, em direção ao cadáver que se movia em minha direção. O corpo se moveu pouco, sendo atirado para o lado como um boneco, mas liberou a porta. Quando percebi que aquilo que um dia se chamou Soraia se preparou para me atacar, finalmente consegui abrir e atirar-me para fora em pânico. Quase fui ao chão devido ao desespero, mas encontrei forças para puxar a maçaneta da porta para fechá-la, no momento em que a criatura esticou os braços para fora.

Começamos um cabo de guerra valendo a minha vida, em que os braços com mãos em formas de garra me alcançar, enquanto eu colocava mais intensidade na minha tentativa de fechar a porta. Fiquei chocada em como, independente da força que eu colocava e das marcas vermelhas que começavam a se desenhar na pele alva - sua dona sempre foi pálida ou ficou assim após morrer e voltar para me atacar? Aquilo não parecia fazer recuar ou diminuir a força que o monstro colocava em tentar abrir a porta. Quando as marcas vermelhas lentamente começaram a se abrir em feridas, indaguei-me se se quer era capaz de sentir dor.

Logo meus braços começaram a doer pela força aplicada. Se eu parasse por um momento, ele conseguiria se esgueirar pela brecha aberta e chegar até mim, então invariavelmente continuei puxando a maçaneta da porta em minha direção, mantendo os braços esticados que meu corpo estivesse fora de alcance. Percebi que seria inútil: obviamente eu jamais teria forças para fechar, somente se decepasse seus braços. Ele não tinha a menor intenção de desistir.

Uma ideia me surgiu a cabeça, como se uma lâmpada se acendesse no meu cérebro. Na hora parecia-me um tanto idiota e arriscada, no futuro eu teria certeza que fui completamente imbecil.

Abri a porta, ainda segurando a maçaneta e a criatura imediatamente moveu-se em minha direção. Ergui a perna e amparei a sua aproximação com meu pé, sentindo suas mãos envolvendo minha canela, protegida por uma calça legging. Flexionei o máximo que pude a perna e chutei com força na criatura. Ela tropeçou no corpo atrás de si, caindo sobre ele. Não acompanhei sua queda, pois vendo que a dificuldade havia ido embora, puxei com força a porta na minha direção e fechei-a com um estrondo.

A princípio segurei a maçaneta com força, ouvindo batidas se iniciarem contra a porta enquanto um rosnado furioso chegava aos meus ouvidos. Imaginei que em qualquer momento a maçaneta seria forçada em uma tentativa de abrir a porta novamente, mas as batidas apenas persistiram, como se ele estivesse jogando o seu peso contra a porta repetidas vezes. Não havia parado para pensar se, como monstro, a consciência da pessoa anterior ainda se fazia presente. Como não houve nenhum movimento para tentar abrir a porta, tirei as mãos do metal gelado da maçaneta, mantendo a atenção ali por um tempo.

Vendo-me finalmente livre, olhei para baixo em busca de qualquer arranhão que pudesse ter sido feito em minha perna. Felizmente a minha calça possuía apenas alguns rasgos superficiais. Naquela hora, eu apenas buscava ver se eu havia me ferido, não fazendo ideia que arranhões também seriam vetores de infecção.

Finalmente consegui dar um pesado suspiro de alívio, sentindo novamente os meus músculos se livrando da tensão conforme eu relaxava. Havia uma camada de suor por todo o meu corpo e eu tinha certeza que a minha blusa estava marcada com sangue em alguns locais. Minhas mãos estavam vermelhas e doloridas devido a força que usei na maçaneta e meu coração cavalgava com força contra meu peito, reclamando pelo mal uso que eu fizera dele em todo esse tempo. Ainda assim, eu estava vida.

Conforme eu me acalmava, percebi que os gritos de desespero que autrora eram a única coisa a ser ouvida do lado de fora dos prédios do colégio haviam diminuindo. Uma parede cheia de janelas em intervalos iguais de metros me esperava assim que eu olhasse para trás, pronta para transmitir qualquer que fosse o show grotesco que se desenrolava no resto do colégio, como uma televisão passando um filme de terror.

Ainda assim, os gemidos mantinham-se presentes, seguidos de sons estranhos e não identificáveis de diversas outras coisas sendo feitas ao mesmo tempo. Ainda havia alguns gritos eventuais. Evitei as janelas por enquanto.

Durante todo o tempo presa, não cheia a imaginar que sairia de lá e tudo estaria a salvo, com equipes de resgate entrando no colégio. Primeiro porque os gritos intermitentes não me permitiam ter tanta esperança, segundo porque estava muito focada em minha própria desgraça.

Não gosto de ser descrente, mas nunca confiei na eficiência da segurança pública. Além disso, também acompanhei as notícias (enquanto eram permitidas chegar até nós) sobre as primeiras infestações do vírus e tudo era igual: embora não soubéssemos exatamente a sua natureza, nenhuma das cidades infectadas (Baltimore, Las Vegas, Paris, dentre outras) conseguiram conter a doença antes de perdemos contato. Fui tola em pensar que não chegaria até a América, mas todos nós fomos esse tempo todo. Por esses motivos, o incomodo pensamento de que meu sofrimento e medo estavam longe de acabar permanecia martelando em minha cabeça.

Porém agora me sentia estranhamente a salva, como se os riscos que eu corri durante toda a manhã finalmente encontrassem um final ali, do lado de fora do banheiro do segundo andar da biblioteca. Imediatamente, claro, percebi o quanto aquilo era idiota. Eu se quer havia pensado no que faria assim que me visse liberta do banheiro. Correr em desespero para qualquer lado? Tentar fugir do colégio? Buscar meus pertences, a fim de tentar entrar em contato com a minha família?

Virei o corpo em direção ao corredor que ligava o segundo andar da biblioteca com o prédio das salas de aula, pensando que talvez a última opção fosse a correta. Antes que eu pudesse me mover, um som familiar me fez fechar os punhos por reflexo. Virei o corpo para trás, buscando quem produziu o gemido.

A poucos metros de distância, dois zumbis saiam da biblioteca e vinham em minha direção – e eu os conhecia.

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