Mayara olhou para ela com os olhos arregalados em reprovação, mas não falou nada.
Sorri de volta para Valentina, mas não consegui disfarçar por muito tempo o meu incomodo conforme me aproximei delas.
Mayara, o que houve com sua perna? Perguntei, finalmente compreendendo que o professor Roberto amarrava uma gaze suja de sangue em volta de sua coxa.
Mayara olhou para mim, intrigada pela abordagem repentina.
Ela não foi atacada. Cláudio quem respondeu, atrás de mim. Cortou a perna em um arame enquanto tentávamos sair do pátio. Estava sangrando bastante, mas não é nada sério.
Desculpa ser tão indelicada, é só que… comecei olhando nos úmidos olhos cor de mel da garota.
Não, tudo bem… ela olhou para a perna dando de ombros. Acho que é uma preocupação válida. Conversar parecia acalmá-la um pouco.
Então você conseguiu? Perguntou Anny olhando na direção de Guga e pondo um fim ao nosso assunto banal.
Guga novamente apenas sacudiu as chaves em sua mão, o tilintar chegando aos ouvidos de todos.
Desculpa naquela sala só ficam as chaves das salas do terceiro ano, não consegui procurar mais porque as coisas estavam subindo, ele se desculpou, olhando para ninguém em especial.
Alguém murmurou sem problemas, Anny bufou, mas não houve nenhuma reclamação. Guga ficou com uma chave e entregou a outra para o Cláudio que abrira as trancas das portas.
Percebi que naquele momento que estavam todos com seus celulares, enquanto apenas eu estava sem, porque deixei na sala no momento em que fui ao banheiro. Imaginei que houvessem chamadas perdidas da minha avó, ainda que raramente ela usasse o seu celular.
Assim que os garotos abriram as portas, os terceiranistas presentes se dirigiram para as devidas salas, atrás de seus pertences. Fui com pressa até a minha mochila roxa, buscando meu celular no bolso externo.
Os números do relógio digital brilharam 16:00 na minha cara. Pela primeira vez, tive alguma noção de horário. Incontáveis notificações poluíam a minha tela inicial, desde mensagens no W******p até, impressionantemente, SMS de conhecidos. 27 ligações perdidas estavam sendo notificadas e fui imediatamente para elas, assim que destravei o celular. 6 delas eram do número da minha avó, 13 do meu pai e as outras 8 se dividiam entre os números das minhas colegas e de parentes distantes. Sem surpresas, não havia nenhuma ligação do meu irmão, comecei a sentir o meu coração disparando, conforme uma ansiedade incomoda se espalhou por mim, sem saber exatamente o que eu deveria fazer.
Imaginei que tentar contato com a vovó fosse o mais importante no momento. Eu morava somente com ela e meu irmão, embora o visse poucas vezes na semana. Minha mãe faleceu quando eu tinha quatro anos, sendo a sua aparência só reconhecível por mim através de retratos antigos e algumas escassas memórias.
Eu e meu irmão mais velho, Vinner, fomos criados pela minha avó e pelo meu pai, um homem amável e presente. O destino o levou a aceitar um trabalho melhor em um estado vizinho ha dois anos, para sustentar mais facilmente a casa com a minha avó e meu irmão. Ele mandava dinheiro para mantermos a casa e nossos estudos, que era somado a quantia recebida pela aposentadoria da minha avó, e nos visitava em praticamente todos os feriados.
Eu tinha uma relação ótima com meu pai, mas desde que Vinner entrara na faculdade e começará a namorar, lentamente o seu contato, que já era escasso, com a família fora diminuindo cada vez mais. Nós nunca havíamos nos dado particularmente bem, mas praticamente abandonar a mim e minha avó só retornando para casa quando precisava de algo ou para deixar as roupas sujas, era algo que havia me enojado profundamente. Naquele ano, acho que eu não havia trocado mais de dez palavras com ele.
Após ficar mais de 7 horas sem fazer contato, cliquei rapidamente no nome da minha avó e coloquei o telefone na orelha, pouco preocupada com o que o resto dos meus colegas fazia. Ouvi aquele “tuu” continuou 6 vezes e quase desistindo, após o 7° ouvi a voz da minha avó.
Rutinha? Ela falava alto, sempre achando necessário gritar quando estava ao telefone. Aquele apelido que eu não gostava pareceu-me muito aconchegante agora. Sua voz era carregada de um desespero que me cortava o coração. Rutinha, você está bem?
Tô, vó… gritei, indiferente para os rostos que se viraram na minha direção. Meus colegas juntavam freneticamente seu material dentro das respectivas bolsas com pressa, mas eu não me importava. Eu fiquei presa no banheiro do colégio sem celular, você está bem? Não me importei com o quão bizarra essa frase soava.
A vó tá bem, Rutinha eu podia ouvir a sua respiração pesada e mil situações invadiram minha mente: estaria a minha avó correndo nas ruas, fugindo daquelas coisas? Haveria algum deles entrado em nossa casa e atacado ela?
Ela afarva porque sentia dores provindas de uma possível mordida?
Sacudi a cabeça de leve, tentando afastar aqueles pensamentos.
A gente tá indo para a casa da Maria continuou minha avó, eu sabia que com a gente ela referia-se as amigas de vizinhanças. Morávamos em um bairro calmo e afastado do centro, então bastante idosos tinha casas por lá. A Tery passou aqui em casa para me buscar, a gente acha que é mais seguro ficar lá porque é mais afastado. Estou levando a Mel, ela também está bem! Ela disse, trazendo-me uma agradável onde de alívio. Rutinha, você ainda tá no colégio?
Sim, vó! Eu acabei de pegar as minhas coisas e eu vou para casa agora! Falei enquanto me levantava e começava a guardar o material dentro da mochila e qualquer forma.
Não, Rutinha! Ela gritou e congelei no mesmo instante, tendo certeza que todos na sala também conseguiram ouvir. Eu vi na TV que o centro está uma loucura! Todas as ruas estão com quilômetros de engarrafamento e acho que os ônibus pararam de funcionar!
Minha avó gritava como quem proferia uma maldição. As ruas estão cheias de coisas… ela completou um pouco mais baixo. Procura um lugar seguro, liga para polícia e espera ajuda!
Pensei por alguns segundos, fechando o zíper da minha mochila e colocando ela nas costas. Aquilo era Cláudio mexendo nas mochilas de outras pessoas?
Tudo bem então, vó… você estará na casa da Maria, né? Ouvi a confirmação dela. Então eu vou ficar aqui e esperar ajuda, não se preocupa. Vou manter contato, fica com o celular, tá? Cuida da Mel! Pedi e nos despedimos com amor e desespero.
Quando guardei o celular na mochila, olhei ao redor e vi que Cláudio me fitava, curioso.
Você vai ficar aqui no colégio? Perguntou…
Não, eu vou para casa… com a mochila nas costas, segui para a porta.
Você vai sozinha? Perguntou Cláudio, levemente surpreso, enquanto me seguia porta afora. Eu não sei o que vocês vão fazer, mas eu vou voltar para casa hoje. Quando falei isso, vários olhares vieram em minha direção. O professor Roberto já estava em pé, de braços cruzados e olhou para mim: Você acha que é seguro tentar ir pra casa, Rute? Indagou, com a voz preocupada, todo mundo está dizendo que o transporte publico parou. Olhei para ele e agradeci a preocupação… Não tem problema, professor. Eu vou a pé, se precisar, só teria de atravessar a ponte, falei, calmamente, preciso encontrar com a minha avó e com a Mel… justificando sem perceber que talvez eles não soubessem de quem eu estava falando. Como você pretende sair do colégio? Perguntou-me a garota negra de cabelos crespos. Ela parecia bastante calma diante da situação. O pátio está uma loucura, e para chegar a qualq
Este era o acesso a um lance contínuo e escadas em formato de cascata, que ficavam a parte, mas uniam todos os andares do prédio. O espaço era largo e conseguimos entrar todos sem problemas. Estava aparentemente vazio e silencioso, porém uma pequena trilha de sangue na escada me fez sentir um enorme calafrio. Alguma coisa já passou por ali…A escada para cima está limpa, vamos subir de uma vez, murmurou Roberto, buscando falar baixo.Sem nenhuma objeção, Guga fechou a porta de acesso ao corredor e seguimos para cima, apenas o barulho dos nossos passos chegando aos ouvidos. Era possível ouvir, bem ao longe, alguns gemidos. Olhei para baixo, mas não tinha ninguém atrás de mim além de Cláudio e Guga.Subimos em silêncio dois lances de escadas, que terminaram em um pequeno espaço plano antes da porta de madeira de aparência velha, porém imponente. Com um pouco de esperança, Roberto ten
Imediatamente amaldiçoei a minha decisão burra de gritar. Não contentes somente em arrancar pedaços de carne da minha amiga estirada na escadaria, três deles viraram as cabeças grotescas para mim e começaram a subir em minha direção. Não eram rápidos, mas isso não os tornava menos assustadores. Rute??? Ouvi a voz de Valentina ecoar acima de mim... Lorena? Eu estou bem! Gritei de volta, sem saber como informar o estado de Lorena. Virei-me a fim de subir correndo de volta para o meu corpo, mas tropecei e caí no chão. Minha canela bateu contra a quina do degrau e um grunhido de dor vazou por meus lábios. Só então percebi como eu tremia. A barra de metal batia continuamente no chão, emitindo um som metálico constante, pela falta de instabilidade com que eu segurava ela. Sem tempo a perder, apoiei-me nos braços e subir alguns degraus de quatro mesmo, até conseguir focar em pé. Corri
Com o nosso colégio ficava em uma parte mais elevada do resto da cidade tínhamos uma visão privilegiada da cobertura, bela em todos os outros dias. Hoje porém este camarote só nos dava uma perspectiva pior do fim do mundo que se estendia sob nós.Havia muita fumaça e isso era o mais perceptível de imediato. Vários focos de uma espessa fortuna negra subiam aos céus provindos de chamas altas de incêndio. Quase todas as ruas que vi encontravam se completamente dominadas por carros parados em fila indiana e só então o barulho das buzinas tornou-se evidente. E estas eram as boas e nas outras ruas era possível ver engavetamentos grotescos, batidas de quase 10 carros de uma só vez. Mas o pior eram as pessoas correndo como milhares de formiguinhas desesperadas corriam descontroladamente de seres grotescos infernais, mas tão parecidos com as presas que perseguiam.Naquele cenário profano o caso mostrou-se como a única lei e ao longe da cidade o tapete azul do mar se estendia até
A escada de emergência sacudia com o vento, criando um balanço incômodo, seguido pelo barulho da estrutura de metal batendo contra a parede do prédio. Cada batida era pontuada por um gritinho de Mayara, que tremia logo a minha frente. Ellenao meu lado, encarava ela com reprovação, revirando os olhos e os pousando em mim, buscando identificar a minha opinião sobre aquilo. Concordou silenciosamente com ela, dando um riso de deboche para tentar expressar minha reprovação. Mayara, será que você não pode calar essa boca? Perguntou Anny a sua frente focada nos degraus e apertando com força o corrimão de segurança.Mayara manhou baixinho tentando segurar o próximo gritinho, conforme a estrutura em que estávamos sacudia. Quando ela se virou para o próximo lance de escadas, pude olhar para seu rosto e vi que dois caminhos de lágrimas se destacavam em sua bochechas bronzeadas.
E por qual caminho vamos? Perguntou Valentina baixinho...Como vamos ter que passar na casa da Mayara que é na Avenida das Torres acho que a gente pode seguir essa rua e descer até a principal. De lá a gente segue até a sua casa e depois nós vemos o que fica melhor pode ser? Guga olhou para mim e para Cláudio que concordamos sem realmente ter uma ideia melhor.Rute pode guiar o caminho e eu e o Guga ficamos atrás para proteger vocês de qualquer coisa que vier. Cláudio continuou... vamos correndo então mantenham o ritmo... falem baixo e mais importante absolutamente em circunstâncias nenhuma gritem ou façam algo que chame a atenção deles.Conseguimos afastar alguns e abrir distância, mas se vários vierem para cima de nós...Ele deixou a frase morrer no ar criando uma onde de tensão que passou por todos nós que ali estavam...<
Ellen foi a última a pular o portão fazendo-o com agilidade de um gato e pousando no chão com graça. Sem maiores problemas (além da blusa meio rasgada de Anny) todos conseguiram jogar suas mochilas para o outro lado e escalar o portão tranquilamente. Enquanto a última a travessia era feita eu junto de Cláudio e Guga permanecemos um pouco afastados tentando anteceder a movimentação de qualquer um dos cadáveres que viesse em nossa direção. Dois se moviam lentamente cindo da direção que devíamos seguir naquela rua. Outros dois estavam deitados no chão aparentemente imóveis, mas havíamos percebido movimentos menores que nos permitiam detectar que ainda restava vida (não vida) neles. Vamos rápido agora... Guga olhou para nós sua voz pouco mais do que um cochicho não precisa bater neles até eles pararem só se certifiquem de dar uma porrada boa o suficiente para afastá-lo ou derrubá
Quando voltei a olhar para frente foi a tempo de me preparar para bater novamente em um zumbi, dessa vez acertando em cheio o seu rosto e conseguindo mandá-lo para longe. Deixei uma pequenina onda de satisfação percorrer meu corpo percebendo como se tornou mais fácil.Qual deles, Mayara? Aproveitei aquela pequena pausa para virar para trás vendo a garota de cabelos loiros correndo ofegante em minha direção.A... Aquele! Ela apontou... o de vidro verde...Vi para qual prédio ela apontava, grande, imponente e de concreto branco, circulando por um resistente vidro cujo reflexo era verde-água. Eu, com meu lapso de noção de distância, diria que talvez a 70 metros.Haviam mais pessoas naquela avenida, algumas completamente vivos, correndo a esmo de um lado para outro. Ninguém parecia particularmente interessado no grupo de jovens uniformizados, dando prioridade às suas próprias vidas. Outros berravam e pediam por ajuda, mas o terror que dominava me